Sancionada a lei que torna crime hediondo e prevê aumento de 20 para 40 anos de reclusão nos casos de feminicídio, ou seja, quando a mulher é assassinada por razões de gênero, precisamos nos atentar primeiro para as principais alterações na legislação.
Comprovada a motivação do crime de ameaça, cuja pena será aplicada em dobro, a ação penal não dependerá de representação da parte ofendida.
Na Lei Maria da Penha, a pena para o descumprimento de medida protetiva passa a ser de 2 a 5 anos de reclusão e multa.
O feminicida, aliás, terá de cumprir 55% da pena para usufruir da progressão de regime, valendo também para o réu primário. É vedada a liberdade condicional.
E não para por aí. Torna-se obrigatório o uso de tornozeleira eletrônica em caso de saída temporária. O condenado, por sua vez, não poderá contar com visita íntima ou conjugal.
Caso um presidiário – ou preso provisório por crime de violência doméstica – ou familiar pratique novas violências contra a vítima e seus familiares durante o cumprimento da pena, ele será transferido para presídio distante do local de residência da vítima.
Além disso, passa a ser automática para o condenado a perda do poder familiar e perda de cargo ou proibição de futura nomeação em função pública – desde a condenação em definitivo até o fim da pena.
Dito isso, a cada seis horas uma mulher é vítima de feminicídio no Brasil.
Onde falhamos como sociedade
Falhamos como sociedade ao não conseguir garantir espaços seguros de liberdade para que as mulheres possam ir e vir de suas relações amorosas, sem que tenham a integridade física colocada em jogo por seus companheiros.
Para romper essa mentalidade, é preciso desaprender a misoginia e promover uma educação voltada para a equidade e a justiça.
Somos um país patriarcal, que desvaloriza mulheres, as considera propriedades dos homens e normaliza todo tipo de violência cometida contra elas.
Antes de mais nada, devemos combater a cultura machista que sugere a supremacia de homens em relação às mulheres.
Fortalecer os canais de denúncia
A ausência ou ineficácia de políticas públicas para enfrentar essa situação, desde o apoio às vítimas até a efetiva punição aos agressores, tornam o cenário ainda mais complexo. Um bom primeiro passo é ampliar e fortalecer os canais de denúncia.
Divulgar o disque 180, número específico para receber denúncias de violência contra mulheres, garantir acolhimento para que vítimas tenham condições de registrar denúncias, receber atendimentos jurídicos e de saúde mental. Garantir a segurança após a denúncia é um dos grandes desafios.
É possível evitar o feminicídio se a mulher romper o silêncio e o Estado intervier a tempo. Hoje, o Brasil tem 400 delegacias ou núcleos especializados em atendimento à mulher para 5.570 municípios, sendo que apenas 10% funcionam 24 horas por dia.
Essa equação entre oferta e demanda por redes de apoio reforça o fato de que apenas endurecer a lei não é suficiente. Michel Focault, em sua obra “Vigiar e Punir”, analisa a evolução histórica da legislação penal e os métodos punitivos e coercitivos adotados pelo poder público.
O filósofo francês conclui que apenas prender, sem tratar a raiz da questão estrutural, não resolve o problema.
Responsabilização por condutas reprováveis
Não custa lembrar, entretanto, que falar de proteção às mulheres passa diretamente por responsabilizar homens pelas suas condutas reprováveis. E o que representantes da sociedade civil podem fazer para colaborar com isso?
Realizar palestras e ações educativas em órgãos públicos, empresas e instituições de ensino. Apoiar campanhas de sensibilização, como a “Feminicídio Zero” do Ministério das Mulheres.
Tudo isso é válido. Mas não nos esqueçamos do básico: garantir a aplicabilidade da lei. De nada adianta aumentar a pena, se a impunidade ainda prevalecer.
Layla Freitas
Advogada criminalista