Crescimento inclusivo

rodrigo_medeiros_livre_pensar__c7c1559309Por Rodrigo Medeiros

Um relatório do Centro de Comércio Internacional (ITC, em inglês) aponta para certos aspectos relevantes do desenvolvimento dos países. Segundo o relatório “SME Competitiveness Outlook 2015” (14 Oct., 2015), a produtividade nas pequenas e médias empresas (PMEs) brasileiras é da ordem de 30% da produtividade das grandes empresas, algo comum no âmbito dos países em desenvolvimento. Na Alemanha, por sua vez, essa relação é de 70%. As PMEs empregam entre 60% e 70% dos trabalhadores no mundo, aproximadamente 95% das firmas, 50% do valor adicionado e são classificadas de formas distintas pelos países.

Grandes diferenças nas produtividades encontradas nos países em desenvolvimento acabam refletidas nos diferenciais de salários pagos aos trabalhadores das firmas de portes distintos e explicam boa parte do fenômeno conhecido na literatura como a “armadilha da renda média”. Tal conceito compreende o conjunto de dificuldades que um país apresenta para transitar de níveis baixos de desenvolvimento para o patamar de alto desenvolvimento socioeconômico. O Brasil é um caso bem discutido internacionalmente.

Sua grande arrancada desenvolvimentista, entre 1930 e 1980, pelas vias da substituição de importações, foi capaz de gerar elevadas taxas de crescimento econômico e incorporar trabalhadores a setores urbanos modernos. O Brasil se tornou urbano, porém se manteve brutalmente desigual. Para o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, “a sociedade brasileira continua às voltas com uma súmula de desigualdades – de renda, educação, gênero, raça e regional – que tem se mostrado capaz de resistir a qualquer regime e a qualquer composição da elite dirigente” (“O Paradoxo de Rousseau”. Rio de Janeiro: Rocco, 2007). A crise da dívida externa na década de 1980, o fim da Guerra Fria e a influência do Consenso de Washington (1989) trouxeram uma nova perspectiva para o Brasil.

Desindustrialização e regressão da complexidade econômica da pauta exportadora fragilizaram a inserção externa do Brasil. A queda dos preços internacionais das commodities desde 2014, por exemplo, já se fez sentir no câmbio, na inflação doméstica e no crescimento brasileiro. Do ponto de vista dos princípios expressos na Constituição Cidadã (1988), a desindustrialização prematura da economia brasileira coloca em risco um projeto de país social-democrático.

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Os aspectos de desigualdades diagnosticados pelo Centro de Comércio Internacional merecem atenção. A competitividade das PMEs passa pela melhora do ambiente econômico nacional (crédito, logística, burocracia, qualificação da mão de obra, assistência técnica, por exemplo). Integrar as cadeias globais de valor também pode impactar na elevação da produtividade. Para firmas que empregam 1-9, 10-49 e 50-249 pessoas, a probabilidade de exportação cresce 98%, 34% e 34%, respectivamente, se as empresas estiverem conectadas a redes de suprimentos.

Entretanto, as PMEs dos países em desenvolvimento, cuja informalidade média é estimada em 77%, devem evitar o aprisionamento nas atividades de baixo valor agregado. Do ponto de vista das assimetrias globais entre os países, o relatório cita que as barreiras não alfandegárias impactam na média em 15% nos custos de produção. Desde o século XIX sabemos bem que o complexo jogo das negociações internacionais de comércio não é neutro e desinteressado. O Brasil precisa participar desse jogo com inteligência e uma estratégia consistente e ambiciosa de desenvolvimento.

O Brasil necessita de reformas institucionais. Quando se admite a cristalização de um sistema tributário regressivo, onerando excessivamente os mais pobres e preservando a preferência pela liquidez dos mais abastados na sociedade, não há a real possibilidade de construção social-democrática. Desonerações e incentivos fiscais vigentes para firmas que não tenham gerado as devidas contrapartidas proporcionais de investimentos e empregos devem ser reavaliados. A sonegação fiscal na casa dos 10% do PIB registrada pelo “Sonegômetro” precisa ser objeto de um verdadeiro choque de gestão pública.

Em relação às agruras do ajuste em curso no Brasil, João Sayad afirmou: “Chamo, seguindo o professor Thomas Sargent, de dominância fiscal o caso em que as taxas de juros reais são maiores do que a taxa de crescimento do produto, o que acontece no Brasil há vinte anos. Se as taxas de juros fossem reduzidas um pouquinho, digamos de 14,25% para 13,25%, o Tesouro economizaria pela menos 1% do PIB, ou R$ 50 bilhões” (“Valor Econômico”, 20/10/2015). O ajuste fracassou em recuperar rapidamente a confiança dos agentes econômicos. A série do boletim Focus, do Banco Central do Brasil, mostra o tamanho do fiasco. Em 26 de dezembro de 2014, a expectativa mediana do mercado financeiro para a inflação em 2015 era de 6,53% e o crescimento do PIB era estimado em 0,55%. As expectativas dos agentes financeiros pioraram muito desde então.

Segundo Dani Rodrik, professor de Harvard, a produtividade do trabalho é aproximadamente 75% maior nas manufaturas do que no restante da economia (The Manufacturing Imperative. “Project Syndicate”, Aug. 10, 2011). O setor manufatureiro costuma ser onde as classes médias tomam forma e crescem e, portanto, a evolução da produção manufatureira é central para o vigor da democracia. Nesse sentido, melhorar o ambiente econômico para estimular a industrialização das PMEs brasileiras mostra-se algo bem interessante. Afinal, o setor de serviços não foi capaz de acomodar de forma sustentada a nova classe média de renda brasileira sem gerar grandes pressões inflacionárias.

Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

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