A ansiedade fez do mundo um tagarela. Todos querem expor uma ideia, apresentar um projeto, dar uma opinião. É uma tagarelice que não tem fim.
Mas, se todos falam ao mesmo tempo, é óbvio que não sobra tempo para escutar. É óbvio também que nada consegue ser bem assimilado, compreendido, bem executado. E o resultado é o que a gente constata hoje: todos gritam e ninguém tem razão.
No mundo corporativo, a produtividade caiu. Nas relações pessoais, os danos são incomensuráveis. Não há estatística que consiga medir o tamanho do estrago.
A procura pelos psiquiatras e terapeutas, bem como o uso crescente dos ansiolíticos, é uma clara demonstração de que a coisa é séria e pode se agravar e a cada dia a ansiedade se torna preocupante.
Muitos querem ser ouvidos e poucos estão dispostos a escutar.
O brilhante educador mineiro Rubem Alves passou boa parte de sua vida alertando para a necessidade de praticarmos a “escutatória”, que ele definia como a arte de ouvir o que o outro tem a nos dizer.
Mas o ouvir de Rubem Alves é diferente. Não comporta nenhum tipo de ansiedade ou pressa.
Ouvir com empatia, estando totalmente presente quando o outro fala, absorvendo as palavras, percebendo a mensagem nas entrelinhas, observando os gestos, o corpo, a face, a entonação da voz, as pausas, a intenção, o olhar, o ritmo, ouvindo inclusive o que não foi dito, que se expressa nos microssinais, nas microexpressões.
É um ouvir de mineiro sentado em toco de árvore, saboreando a vida que passa lentamente diante de seus olhos.
Não é uma tarefa fácil ouvir com essa qualidade de atenção. Não se criou o hábito e muitos ainda não compreenderam ou não sabem a importância de ouvir.
A consequência dessa inabilidade de ouvir é confusão, mal-entendidos e erros de interpretações que observamos todos os dias nos lares e organizações, além de tarefas não cumpridas a contento, distorção na comunicação e discórdias.
Os erros se sucedem porque a pessoa não entendeu direito o que foi dito. Não entendeu porque falou demais e não deu a devida atenção.
O uso inadequado do celular, muitas vezes rouba a oportunidade de uma boa conversa presencial.
Toda a atenção está concentrada no visor do brinquedinho de todas as idades, o que significa dizer que a capacidade de ouvir e compreender o que está sendo falado, é praticamente inviável.
Não saber ouvir é fatal em todas as circunstâncias da vida, pode acreditar nisso.
Perde-se a vida, perde-se o marido, perde-se a esposa, o emprego, o amigo e muito mais, por não saber ouvir.
É fácil perceber quando uma pessoa apenas finge estar escutando. O corpo dá sinais muito claros – o olhar fica vago, braços e pernas começam a se movimentar freneticamente, a pessoa dá demonstrações de impaciência, tentando encurtar a conversa, mostrando claramente que gostaria de estar em outro lugar.
Tudo isso é registrado pelo inconsciente da pessoa que está querendo ser ouvida. Ela sai da conversa com uma desagradável sensação de incompletude, não se sente compreendida e muito menos amada.
No fundo, no fundo ela sabe que palavras foram jogadas ao vento, a comunicação não se realizou.
A sensação de solidão que as pessoas experimentam hoje vem dessa inabilidade de ouvir o outro, fenômeno que infelizmente está aumentando no mundo inteiro.
Penso que os cursos de Oratória precisam dar espaço para os cursos de “Escutatória”, como sugeria Rubem Alves.
O que o mundo necessita mesmo, e com a maior urgência, é de atenção, amor, tempo, coisas que estão ficando cada vez mais raras entre os humanos.
Um bom comunicador deve antes de tudo ser um bom ouvinte. Saber ouvir é abrir mão do “querer ter razão” e assumir uma postura de curiosidade genuína, como uma criança quando está descobrindo o mundo.
Com esse olhar genuíno de criança, sem julgamento, podemos verdadeiramente ouvir.
A maioria das pessoas escuta com a intenção de responder, replicar, debater, e não de compreender.
Quem já não viveu uma situação como esta? Uma pessoa começa a falar e imediatamente a outra diz: “Ah, sei o que você sente. Já passei por isso. Vou contar o que aconteceu comigo”. Assim ela assume a palavra acreditando que a sua história vai melhorar a vida da outra pessoa.
Esta atitude não demonstra apenas um alto grau de ansiedade, mas sobretudo um comportamento arrogante, um ato de superioridade.
A pessoa considera que a experiência dela é superior a todas as outras. A dor dela dói mais do que todas as dores do mundo. Coisas do ego…
E como desenvolver a boa escuta?
Aqui vão alguns passos importantes.
Manter uma postura relaxada, porém atenta.
Participar de forma ativa da conversa, usando incentivos verbais como “Me fale mais sobre isso” ou “Que interessante!” para que o outro se sinta à vontade na comunicação.
Evitar interrupção no discurso.
Fazer perguntas para checar o que foi dito, sendo empático e compreensivo, isso faz toda a diferença.
Deixar a outra pessoa saber que você está prestando atenção e se interessando pelos pensamentos, opiniões e o sentir dela, cria um laço de confiança.
A coisa mais importante que eu posso dar a alguém é a qualidade da minha atenção. Isso faz com que o outro se sinta valorizado, aceito.
Nesse processo haverá a “reciprocidade” (quando as duas pessoas estão comprometidas no processo de ouvir ativamente e trocar informações). Essa postura, com certeza, vai melhorar a comunicação e suas relações interpessoais.
Quando criamos o hábito de ouvir de verdade, somos mais assertivos em nossas ações.
Quando aprendemos a ouvir o nosso corpo, nossos sentimentos, quando desenvolvemos a habilidade de ouvir o outro a nossa vida se transforma.
Começamos a partir de então a enxergar as coisas sob uma nova ótica. Ao afinar nossos ouvidos, a vida ganha um som harmonioso, um colorido diferente. E o melhor da história é a descoberta de que podemos sim criar um mundo melhor a partir de uma atitude simples e amorosa.
Num mundo que anda necessitando do básico, onde as pessoas já começam a suplicar por um pouquinho de amor que seja, você estará dando uma importante contribuição para a harmonização do planeta falando menos e ouvindo mais.
Essa é uma coisa simples, que não custa nada e nem dói, cujo único pré-requisito é um pouco de respeito pela pessoa que está à nossa frente.
Enganado está quem pensa que caridade só tem a ver com visitas a hospitais, orfanatos e asilos.
Muitas vezes uma atenção no momento certo, uma palavra que brota do coração, pode representar mais do que alimento para quem tem fome. É importante dar qualidade de atenção e saciar a sede de amor do próximo.
Ouvir é acima de tudo um ato de amor. Como dizia Guimarães Rosa:
“Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”