A absolvição de todos os réus e empresas envolvidas no processo criminal sobre o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, é um soco no estômago de quem ainda acredita na Justiça.
Depois de oito anos de um lento e tortuoso trâmite judicial, a sentença encerra o processo com a conclusão de “ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal”. Assim, a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, a VogBr e os executivos responsáveis pela operação da barragem escapam ilesos da esfera penal, enquanto o Brasil ainda sofre as consequências sociais, ambientais e econômicas desse que é considerado o maior desastre ambiental de sua história.
Paralelamente, na esfera civil, há três semanas, foi assinado um novo acordo de R$ 170 bilhões entre as mineradoras, o governo federal, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, os Ministérios Público Federal e Estaduais, além de outros órgãos da Justiça. Claro está que não haveria acordo se as empresas não admitissem responsabilidades. Acontece que elas alegam que o que houve foi um acidente e nada poderia ser feito para evitar.
Dezenas de municípios em Minas Gerais e Espírito Santo, onde vivem cerca de um milhão e duzentas mil pessoas, foram afetados. Falta de água, impacto na pesca, no comércio, no turismo. Algumas pessoas perderam tudo. A lama da barragem atingiu a Bacia do Rio Doce e mais de dois mil hectares de terra foram inundados e não podem mais ser utilizados para o plantio.
Não é a primeira vez que vemos essa combinação explosiva de tragédia, impunidade e descaso. Casos semelhantes, tanto no Brasil quanto no mundo, ilustram um padrão assustador: as corporações são isentas de culpa, mesmo quando suas decisões – ou a falta delas – levam à devastação. Em 2011, o vazamento de petróleo da Chevron na Bacia de Campos causou impactos ambientais severos. Nenhum executivo foi penalizado. Internacionalmente, o desastre da Deepwater Horizon em 2010, que lançou 780 milhões de litros de petróleo no Golfo do México, trouxe prejuízos ambientais incalculáveis. Ainda assim, ninguém está preso.
O caso de Mariana não é diferente. Mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos devastaram comunidades inteiras, poluíram o Rio Doce e deixaram 19 mortos. A tragédia também arrasou o meio de subsistência de milhares de pessoas e matou incontáveis formas de vida aquática, cujos efeitos ainda reverberam. O que aprendemos desde então? Que a legislação brasileira continua sendo um escudo para grandes corporações, que conseguem escapar da responsabilização penal por meio de lacunas legais, lentidão processual e prescrições convenientes.
Em 2019, a Justiça já havia recusado a acusação de homicídio, e a posterior absolvição de crimes ambientais só reforçam que os mecanismos legais do país não estão equipados para enfrentar crimes dessa magnitude. Os gestores e acionistas foram blindados pela ausência de uma legislação que os enquadre adequadamente.
O paralelo com Brumadinho é inevitável. Apesar da prisão inicial de auditores envolvidos no desastre, nenhum executivo da Vale foi efetivamente responsabilizado.
No caso de Mariana, o Ministério Público Federal anunciou que irá recorrer. É um gesto necessário, mas a confiança no sistema judicial segue fragilizada. Precisamos de reformas urgentes que criem instrumentos específicos para responsabilizar criminalmente gestores e empresas por crimes ambientais. Enquanto isso não ocorre, desastres continuarão sendo tratados como “acidentes inevitáveis”, e a impunidade seguirá reinando.
A mensagem que fica é clara: vidas humanas e a preservação do meio ambiente continuam sendo secundárias diante dos interesses das grandes corporações. E isso é inaceitável.