Após culto de mais de 150h nos EUA, confira outros fenômenos de avivamento na história
Evento histórico aconteceu na Universidade de Asbury, no Kentucky, atraiu pessoas de várias regiões e se espalhou pelo país
A cidade norte-americana de Willmore, em Kentucky (EUA), tem recebido um número extraordinário de visitações, o qual ultrapassa os limites da região. A movimentação anormal, cujo fluxo acontece há duas semanas, traz pessoas de diversos estados e países, tendo como destino uma universidade local.
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Nas últimas semanas, a pequena universidade cristã de Asbury, localizada no subúrbio da cidade, gerou um impacto internacional. O nome "Asbury" chegou a ser um dos 10 assuntos mais pesquisados no Brasil pelo Google entre os dias 12 a 18 de fevereiro, além de ser noticiada por jornais norte-americanos. Mas afinal, qual foi o motivo para tamanha comoção?
Início do movimento
No dia 8 de fevereiro, a universidade deu início a um culto quinzenal de rotina pela manhã, na capela local. Jovens universitários e fiéis da região se reuniram para cantar, orar e ouvir sermões em um agrupamento simples. No entanto, o culto seguiu ininterrupto até a última quinta-feira (23), se espalhando por outras partes do país.
O culto, que acontece há duas semanas sem parar, atraiu pessoas de todas as partes do país, bem como de outras nações. Vídeos de jovens, crianças, idosos e famílias inteiras cantando, chorando e orando viralizaram nas redes sociais, fenômeno que dividiu opiniões, chamado por alguns de "avivamento" ou "mover de Deus".
Como definir?
Em entrevista ao Folha Vitória, o teólogo e pastor da Comunidade Batista em Moema, André Gava, explicou que o chamado avivamento pode ser descrito como um profundo despertar do ser humano acerca da própria realidade e condição espiritual.
De acordo com o pastor, que é formado em teologia pelo seminário bíblico Palavra da Vida e em desenho industrial pela Universidade Mackenzie, esse despertar será sempre seguido de arrependimento, perdão e uma restauração genuína, frutos de um intenso mover de Deus na vida dos indivíduos.
Ainda segundo ele, as características de um avivamento são: uma conscientização aguçada sobre a realidade individual e espiritual, acompanhada de uma profunda contrição e arrependimento diante de Deus.
"A alma avivada desfruta do perdão e da restauração divina, fator que gera uma mente e coração transformados, a fim de adquirir nova disposição de como enxergar e viver a vida", afirma André Gava.
O mestre em Teologia pela Trinity International University, Victor Fontana, destacou que o avivamento atinge um número grande de pessoas, o que irá impactar na população local ou sociedade como um todo, tornando-se algo público e inescapável de comentários.
"Então temos, popularmente falando, uma espécie de despertar espiritual coletivo, que acontece geralmente durante um culto, o qual se estende por um período de tempo. O impacto desse despertar se torna impossível de passar despercebido por quem observa de fora, além de transformar aqueles que estão ali dentro", explica.
Avivamento ou histeria coletiva?
Quando perguntado sobre como diferenciar o avivamento de um simples evento emotivo, Victor Fontana frisou que linhas teológicas diferentes e tradições diversas chegam a conclusões divergentes. No entanto, existem algumas marcas inegáveis que são consenso entre os cristãos.
Victor Fontana destacou ainda que essas marcas foram em sua maioria pensadas pelo filósofo e teólogo calvinista Jonathan Edwards. De acordo com ele, Edwards viveu em um período em que eventos do tipo aconteciam a todo momento nos Estados Unidos.
Foi preciso então pensar em algumas marcas gerais que diferenciavam o avivamento genuíno de puros eventos emocionais, ou ainda de charlatanismos.
1. Agir de Deus para o ser humano
Em primeiro lugar, o mestre em Teologia evidencia que o avivamento é um mover de Deus para o ser humano, ou seja, não é algo que venha das pessoas. De acordo com ele, o avivamento precisa ser espontâneo, não podendo ser um evento com data marcada. "Não existe agendamento para isso", explicou.
Assim, Victor Fontana esclareceu que é preciso observar se o mover foi algo que simplesmente aconteceu por meio do agir de Deus, ou um evento que vinha sendo prometido pelos líderes, em uma tentativa de manipulação.
2. Chamado para o arrependimento
Segundo o estudioso, um despertar espiritual é geralmente exuberante, ou seja, produz momentos de êxtase. "Em alguns casos um evento desses irá inclusive conter milagres, uso de línguas estranhas, curas, experiências extáticas", contou.
No entanto, ainda de acordo com ele, esses fenômenos precisam ser acompanhados de um chamado para o arrependimento, um real abandono de práticas anteriores e transformação genuína.
A etapa seguinte ao arrependimento é a conversão, encarada como um convite a mudança de vida. A conversão nesse sentido, para ele, não seria apenas uma mera mudança de religião, mas uma mudança de caminhos maus para caminhos que glorifiquem a Deus.
3. Tempo
Diante dos parâmetros listados, Fontana destaca que apenas será possível testar a genuinidade de um avivamento pela observação ao longo prazo.
Assim, por meio do tempo será possível identificar, por exemplo, se o arrependimento foi verdadeiro, se houve realmente um abandono de maus caminhos e se a conversão foi sustentada. "Pelos frutos os conhecereis", completou o teólogo.
O pastor André Gava ainda ecoou os pensamentos do especialista acerca da prova do tempo. "Entendo que experiências espirituais reais com Deus produzem transformações reais ao longo da vida, não somente emoções intensas, aqui e ali", explica.
Ao relacionar os eventos emocionais ao acontecido em Asbury, o pastor destacou as experiências de algumas pessoas presentes. De acordo com ele, os relatos da presença de Deus percebida naquele contexto incitavam à uma contrição muito consciente sem que isso implicasse em experimentações emocionais exacerbadas.
"Passar pelo avivamento não implica êxtase emocional, obrigatoriamente. Quem busca os êxtases emocionais quase certo os encontrará, mas dificilmente como fruto de um verdadeiro avivamento ou espiritualidade genuína" completou.
O que aconteceu em Asbury?
Em relação ao evento da universidade norte-americana, André Gava disse acreditar, por meio dos relatos que leu e ouviu, que Deus está agindo naquele lugar.
"Creio em Deus e, estudando muito, aprendi a não ter dificuldade para aceitar que ele se importa e interfere nos assuntos humanos. A maior prova disso foi Sua encarnação em Jesus Cristo. Se creio na magnitude dessa intervenção, não há dificuldade para aceitar o agir de Deus em Asbury ou qualquer outro lugar", disse.
O te´´ologo Victor Fontana explicou que a Asbury não possui marcas ou indícios que possam levar a pensar que o evento é falso. De acordo com ele, a universidade não teria nada a ganhar com isso, apenas a perder, caso houvesse um escândalo no ambiente acadêmico.
O estudioso acredita que apenas ao longo do tempo seria possível julgar o acontecido. Porém, certas evidências, como o fato de estar acontecendo espontaneamente em um ambiente acadêmico sério, pesam a favor do mover.
Marcado pela presença de outras nações, o movimento em Asbury contou com a presença de diversos brasileiros. Em relação a tendência do mover espalhar-se por outros lugares, o teólogo André Gava afirmou que "como o vento sopra onde quer, sempre é possível! Onde e como, não me atreveria a especular".
Confira o vídeo abaixo no qual brasileiros adoraram em língua portuguesa durante o evento:
Em um comunicado nas redes sociais na última quarta-feira (22), a administração da Universidade de Asbury informou que os cultos históricos e ininterruptos desde o dia 8 seriam finalizados no dia 23. Em resposta aos questionamentos, o presidente do local, Kevin J. Brown, informou:
"Tenho sido perguntado se Asbury está interrompendo esse derramar do espírito de Deus. Nós não podemos interromper algo que não começamos. Isso não foi planejado. Ficamos honrados em hospedar esses cultos e convidados, mas a trajetória desses encontros de renovação é sempre para fora, e isso está começando a acontecer. Esse movimento não acabou", reforçou.
Conheça outros relatos de avivamento ao longo da história
1. O Grande Despertamento
Conhecido como 'The Great Awakening' ('O Grande Despertar', em inglês), foi um avivamento espiritual que aconteceu nas colônias americanas entre a época de 1730 até 1740, repercutindo anos depois.
De acordo com informações do professor e historiador americano Thomas S. Kidd. em um contexto de apostasia (abandono da fé) e autossuficiência humana, o movimento iluminista causava grande influência nas regiões, tornado a religião mais formal e menos pessoal.
Ainda segundo o historiador e análises de relatos da época, líderes religiosos como Jonathan Edwards e George Whitefield passaram a orar fervorosamente e viajar por todas as colônias pregando o Evangelho. O espírito de Deus foi então derramado e houve despertamento na maioria dos lugares. Os colonos passaram a buscar um relacionamento pessoal com a fé por meio de uma dedicação renovada.
Com ênfase na salvação de pecados, graça de Deus e pessoalidade do relacionamento com a fé, o Grande Despertamento causou um impacto duradouro para várias denominações cristãs. De acordo com Thomas, a influência na cultura na própria cultura norte-americana também repercute até os dias de hoje.
2. Avivamento do País de Gales
Na época de 1900, a pequena nação do País de Gales seria sede de um dos avivamentos mais conhecidos da história.
Segundo informações da Universidade Bíblica do País de Gales (Bible College of Wales, em inglês), com a institucionalização da religião novamente se tornando algo formal e menos pessoal, a apostasia era comum mesmo entre membros das igrejas. Alguns jovens começaram então a se sentir incomodados com a estagnação da própria vida espiritual.
Assim iniciou-se um período de orações intensas e pregações da Palavra, onde mais de 100 mil pessoas confessaram a Jesus como salvador. Canções espontâneas, bem como clamores, confissões abertas e arrependimento seguiram o avivamento no país.
4. Avivamento entre os povos zulus
Na década de 1960, os povos zulus viviam em contexto de desunião e inimizade, localizados em Natal, região da África do Sul. De acordo com o falecido teólogo Kurt E. Koch, um missionário chamado Erlo Stegen, inconformado com o estado da população, passou a realizar estudos bíblicos com alguns poucos membros da igreja local, em um estábulo.
Ainda de acordo com Kurt Koch, durante um desses estudos de rotina, o espírito de Deus foi derramado enquanto liam o livro de Atos dos Apóstolos. A partir do momento, as reuniões se estenderam e pessoas de todos os lugares da região passaram a se ajuntar para participar dos estudos.
Mais de 3.900 pessoas foram contadas entre os participantes, em um mover que gerou arrependimento, mudança de vida, e se espalhou por todo continente.
5. Ilhas Fiji
No início dos anos 2000, as Ilhas Fiji experimentaram um mover extraordinário em meio a uma onda de problemas.
De acordo com o documentário "Avivamento das Ilhas Fiji", repostado nas redes sociais em 2012, a região enfrentava uma série de dificuldades econômicas e sociais. Inconformados com a realidade das igrejas locais, cristãos de todas as denominações juntaram-se em oração.
Segundo relatos de locais, terras infrutíferas passaram a ser férteis, o mar encheu-se de peixes e a paz passou a dominar as disputas governamentais. Mais de 100 vilarejos da região entregaram-se a Deus, em uma onda de arrependimento e transformação que marcou a história das Ilhas.
Há ainda diversos outros relatos de avivamentos ao redor do globo, como o avivamento da etnia dos Konkombas, o movimento de 1994 "Father's Blessing" em Toronto, e na própria bíblia, começando desde o Antigo Testamento.
Histórico
Vale a pena destacar, como frisado pelos especialistas, que apenas o tempo poderá dizer o que de fato aconteceu na universidade, a qual já hospedou outro movimento parecido em 1970. Porém, o fato é que os eventos de 2023 ficarão marcados na história da cidade.
O pastor André Gava, ainda destacou um pensamento:
"Para quem não crê em Deus ou acha que, caso Ele exista, não se importa com os assuntos humanos ao ponto de não interferir neles, o comportamento emotivo – em qualquer grau – associado às experiências espirituais sempre será visto com reservas, na melhor das hipóteses. Ou com deboche, na pior, como “prova” de irracionalidade da fé, suicídio intelectual, imbecilidade, etc."
*Texto da estagiária Sofia Galois, sob supervisão da editora Erika Santos.
