Tradição e Sabor: Torta Capixaba envolve gerações na produção dos ingredientes e preparo do prato
Tradição está presente na forma de catar os mariscos, na produção da panela de barro e no modo de preparar a Torta
Para muitas famílias capixabas, a Semana Santa é cheia de tradições. Abstinência de carne vermelha, reunião em família, encontro para a compra dos ingredientes e para o preparo da Torta Capixaba fazem parte dos costumes.
A maior parte dos ingredientes da torta são de origem marítima. Camarão, caranguejo, siri, sururu e outros ingredientes do prato movimentam a economia da Ilha das Caieiras, em Vitória. Desde a pesca , passando pelo ofício dos desfiadores e limpadores de mariscos, a tradição é passada de geração em geração.
Amor e sabor de mãe para filha
Preparar aquela receita que só a avó ou mãe sabe fazer às vezes é complicado, porque elas têm um toque especial. Para a família da Emília Scandian Valdetaro Vieira isso é algo natural, já que as receitas e todos os segredos da culinária são passados geração após geração.
Emília conta que experimentou a Torta Capixaba quando era bem pequena. "Minha mãe que sempre fez a torta lá em casa. Ela aprendeu com minha avó. Minha bisavó passou a receita para a minha avó e minha avó passou para minha mãe que me ensinou. Hoje eu que preparo a receita para a família, por questões de saúde, minha mãe não faz mais a torta. Ela está com 92 anos".
Segundo Emília há uma tradição de família no preparo da Torta. "É um prato muito trabalhoso, por isso reunimos toda a família para o preparo. Normalmente fazemos ela na Semana Santa, mas no ano passado fiz duas vezes a pedido do meu marido".
Pesca e separação dos ingredientes é feito como no passado
Muitos moradores da região da Ilha das Caieiras, em Vitória, conheceram o ofício de desfiar siri ainda quando criança, ajudando aos pais, nas horas vagas. É o caso da dona Tereza do Nascimento, de 73 anos. A aposentada conta que a família dela se instalou no local há quase um século, os avós foram os primeiros a chegar. "Minha mãe veio depois pra cá de canoa pelo Rio Santa Maria, ela morava em Santa Leopoldina e chegou aqui com 16 anos".
A aposentada conta que quando a mãe chegou na Ilha logo conheceu o futuro marido, que trabalhava em uma das fábricas de cal que funcionavam no local. São os fornos das fabricas da cal que dão nome à Ilha.
Tereza lembra que a mãe tirou o sustento para criar os três filhos da pesca e da separação do siri. "Minha avó quando chegou aqui aprendeu o ofício. Depois eu aprendi também".
A desfiadeira fala da chegada da família dela à Ilha das Caieiras, confira no áudio abaixo:
Por ser uma atividade reconhecidamente importante para a manutenção da cultura gastronômica capixaba, a profissão ganhou uma data para ser lembrada. O Dia das Desfiadeiras de Siri, passou a ser comemorado anualmente em 1º de agosto, e foi instituído pela Lei Municipal 4.473, de 30 de julho de 1997.
Um prato com origens na tradição indígena
Segundo os historiadores era comum o preparo pelos índios uma mistura de frutos do mar com palmito. A mistura não era a Torta Capixaba como conhecemos agora, mas , certamente, está na origem dela.
Os registros mostram que somente por volta do século XIX que a torta como conhecemos começa a tomar forma. Os portugueses já tinham o hábito de comer frutos do mar e com a forte influência que a igreja católica possuía sobre o povo lusitano, o hábito de não comer carne na Semana Santa era seguido à risca. "Foi nessa época que os portugueses tiveram a ideia de acrescentar na panela de barro o marisco e o bacalhau na mistura feita pelos índios", afirma o historiador Cacau Monjardim.
A técnica de catar os crustáceos é a mesma que já utilizavam os indígenas, fartos comedores de caranguejo. Segundo registros do Governo do Espírito Santo, a técnica dos catadores era "ir com lama até os joelhos e recolher os caranguejos no tato e no jeito, para que os dedos não sejam aferroados pelas puãs".
Historiadora fala da tradição dos ingredientes da Torta
O siri, crustáceo primo do caranguejo, é pescado com jereré ou puçá, ambos se parecem com rede de caçar borboletas, sendo o jereré ou puçá que leva a isca; a pesca sem isca é geralmente feita à noite, à luz de lampiões.
O pescador Haroldo Ferreira conta que todos os dias sai às 5 horas da manhã e retorna às 10 horas. Ele afirma que o siri e o robalo são os principais produtos retirados da água atualmente na Ilha das Caieiras. "Atualmente esses dois produtos é de onde boa parte das famílias aqui do bairro tiram o sustento".
Depois de retirado da água, o siri vai para a mão de dezenas de desfiadeiras que trabalham há décadas de forma artesanal. Esse trabalho mantem viva a cultura da região da Ilha das Caieiras, além de proporcionar a geração de emprego e renda.