Geral

Saiba por que casos de homofobia podem ser classificados como injúria racial

Uma idosa foi autuada por injúria racial, após ofender um casal gay em Vitória, e dúvidas surgiram sobre a qualificação do crime

Iures Wagmaker

Redação Folha Vitória
Foto: Divulgação

Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a discriminação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTQIA+) ao crime de racismo. A chamada LGBTQIA+fobia - ou, simplesmente, homofobia - é recorrente e ainda causa dúvidas quanto à qualificação do crime.

O caso mais recente, que ganhou destaque no Espírito Santo, aconteceu no último sábado (07), no restaurante A Oca, localizado no Centro de Vitória. Fabrício Costa e Caio Cruz, que são casados e donos do estabelecimento, foram vítimas de ataques de cunho homofóbico.

Saiba mais: Idosa é presa após ataques a casal gay dono de restaurante em Vitória

Segundo relatos, uma idosa esteve no local e teria usado palavras pejorativas,  ameaçando agredir fisicamente os donos do estabelecimento e uma funcionária. Frases como: "Todo viado é odiado" e "minha vontade é encher vocês de porrada", teriam sido ditas pela suspeita.

A mulher, que não foi identificada, tem 64 anos e, de acordo com a Polícia Civil, foi autuada em flagrante por injúria racial qualificada. Ela foi encaminhada ao Centro de Triagem de Viana e liberada após audiência de custódia.

A dúvida, neste caso, é: se houve ataques de cunho homofóbico, por que foi classificado como injúria racial e não como racismo?

De acordo com o advogado Bruno Deorce, a qualificação do crime, neste caso, está correta. Ele explica que se enquadra no que diz o parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal Brasileiro:

140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de um a três anos e multa.
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Bruno Deorce, advogado

"Pelos relatos do ocorrido, como está pessoalizado, seria a injúria qualificada, em razão do preconceito direcionado. Em caso de homofobia, seria algo maior, sendo aplicada a lei de racismo. Apesar de não constar, expressamente, a homofobia nessa lei, o STF já decidiu que se aplica esse tipo de preconceito como racismo", explicou.

O STF não criou uma nova lei, mas interpretou a Lei 7716/89, conhecida como Lei Antirracismo. Inicialmente, o texto considerava crime a discriminação por raça e cor. Mudanças feitas pelo Congresso em 1997 também tipificam a intolerância religiosa e xenofobia como crimes de racismo, assim como o Supremo fez com a LGBTfobia.

Diferentemente da injúria homofóbica, que é quando uma pessoa é xingada ou agredida por pertencer à população LGBTQIA+, o crime de homofobia acontece quando o grupo é socialmente excluído. 

Leia também: Defesa de idosa presa por insultos homofóbicos em Vitória alega problemas psiquiátricos

"Injúria pode ser aplicada quando há um direcionamento, como um xingamento ou um atributo pejorativo em razão da orientação sexual. Já o racismo, seria impedir, de alguma forma, alguém de entrar num estabelecimento ou direcionar as ofensas para um grupo maior, por exemplo", explicou Deorce.  

Equiparação da lei completa dois anos e enfrenta desafios

A advogada Marina Ganzarolli, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), acredita que, para o cumprimento da lei, há a necessidade de educar a população. "Os principais obstáculos seguem sendo culturais, sociais, morais e educacionais", aponta.

Ela ressalta que boa parte dos direitos dos LGBTQIA+, como o reconhecimento da união homoafetiva e a criminalização da LGBTfobia, veio por meio do STF e não do Congresso, como deveria ser.

"Conquistamos marcos legais importantes graças a movimentos sociais e estudantis, mas não foi pelo Legislativo, que é pago para nos representar."

Apesar dos avanços, Marina diz que as leis não são plenamente aplicadas porque as instituições precisam ser reformuladas.

"O STF disse que as pessoas transexuais podem mudar o nome diretamente no cartório, sem ação judicial. Mas essa população não consegue fazer isso por causa do preço e precisa entrar na Justiça pedindo a gratuidade. Uma mulher pode fazer reprodução in vitro com sua esposa, mas a Receita Federal não permite que o CPF da criança tenha o nome das duas mães", exemplifica.

Leia também: Defensoria do ES quer dados da Ceturb sobre homofobia nos ônibus do Transcol

Para a advogada, a população LGBT só terá seus direitos plenamente garantidos se ultrapassarmos as barreiras sociais e culturais. "Precisamos de ações educativas e de agentes públicos mais capacitados nessa área. Devemos mudar a cabeça das pessoas."

*Com informações do Estadão