Polícia

Mais de 1.150 presidiárias no sistema carcerário feminino do ES; maioria é jovem, negra e pobre

A Rede Vitória fez uma reportagem especial para conhecer a realidade das mulheres envolvidas no mundo do crime

Foto: Reprodução TV Vitória

Elas roubam. Enganam. Matam. Algumas perigosas, outras nem tanto; muitas usadas, outras não. Por trás das grades e cadeados, várias histórias. A maioria com capítulos relacionados ao tráfico de drogas e à maternidade.

Atualmente, há 1.151 detentas no sistema carcerário feminino do Espírito Santo, número que extrapola as 1.086 vagas disponíveis nos presídios. A Rede Vitória mergulhou nesse universo e fez uma reportagem especial para conhecer a realidade dessas pessoas. 

Foi no Presídio Feminino de Ubú que a equipe de reportagem conheceu Simone da Silva Varejão. Pobre, negra e jovem, condenada a nove anos por tráfico de drogas, retrata bem o perfil das mulheres que lotam as unidades prisionais capixabas.

"Os primeiros dias foram os piores da minha vida. Hoje, ainda é muito doloroso, mas eu me adaptei à situação. Porque não adianta. Eu sabia que eu devia à Justiça. Com todo o dinheiro que ganhei no tráfico, nada disso me tirou da cadeia. Quando eu fui presa, na minha primeira audiência, eu tinha 13 advogados. E aquele dinheiro não me tirou". 

Presa pela terceira vez há um ano e cinco meses, Simone conta os dias para a liberdade. "Quando conheci o tráfico, eu tinha 16 anos. Não fui influenciada por ninguém. Eu andava no meio das pessoas, via como era aquele dia a dia e tive a curiosidade. Com 18 anos, fui presa pela primeira vez. Fui sentenciada há quatro anos e cumpri dois. Depois, me afundei novamente no tráfico", conta.

Depois da segunda prisão, a detenta conheceu o atual marido que, segundo ela, foi quem a transformou. E ele disse que Simone teria que escolher: se quisesse formar uma família, precisaria sair do tráfico. "A primeira vez que trabalhei com ele foi em Jardim Camburi, como vendedora ambulante. E ele falou uma frase que eu não esqueci até hoje: "Hoje você vai aprender que não é só droga que dá dinheiro". 

Perfil da presidiária no ES

Simone se encaixa no perfil da presidiária capixaba. Negra, semi-alfabetizada e mãe. Com poucas oportunidades, foi seduzida pela falsa promessa do tráfico. O sonho: uma vida boa. A realidade: mais uma no sistema carcerário. 

"A maior ilusão do tráfico é o dinheiro fácil. A pessoa trabalha um mês todinho pra receber R$ 980, e dependo do lugar que se trafica, você ganha isso em um dia. Aí, você fica iludido com tanto dinheiro", disse.

De acordo com o professor universitário André Palhano, a maioria das mulheres envolvidas com o crime são pessoas negras e pardas, que não tiveram o nível de estrutura familiar e que possuem um histórico de violência psíquica, doméstica e sexual. 

"São pessoas que não tiveram ascensão no mercado de trabalho, por falta de escolaridade. E que estão presas, normalmente por crimes ligados ao tráfico ilícito de entorpecentes", explica André Palhano.

Para o delegado André Landeira, devido à complexidade do problema é difícil buscar uma uma única causa para o envolvimento da mulher no crime. 

"Existe, realmente, esse perfil que busca pelo tráfico, ao meu ver como resultado de pesquisa, um reconhecimento na sociedade. Não reconhecimento pra sair em matéria de jornal, mas o reconhecimento de status, de ter alguma coisa", disse o delegado. 

Crimes mais comuns

No Espírito Santo, os três crimes mais cometidos pelo sexo feminino são tráfico de drogas, seguido pelo homicídio qualificado e, por último, o roubo qualificado. Para Landeira, diferente dos homens, a maioria das mulheres que se envolve no tráfico busca no crime a chance de sustentar a família.

Não é o caso de Simone. As duas primeiras vezes que foi presa pela venda de entorpecentes, ela era solteira e ainda não havia se tornado mãe. Foi então que decidiu tentar um destino diferente.

"Em 2012, tive a minha primeira filha. Brenda, que hoje tem sete anos. Então fui me adaptando às coisas que eram novas pra mim. Eu não tinha uma família presente, não estava acostumada com aquilo. Juntar todo mundo na ceia de Natal, fazer um bolinho no aniversário... eu não tinha esse costume. Tudo isso era novidade, e eu me senti acolhida", contou Simone.

Escolhas erradas

Depois de nove anos em liberdade, aguardando pelo julgamento, um dia a Simone não voltou mais para casa.Como em todas as manhãs, deixou as filhas dormindo e saiu para trabalhar. Mas seu mandado de prisão foi expedido e e, nesse dia, ela acabou sendo presa no trabalho.

"A sensação de perda é muito grande. O primeiro dia de aula é muito doloroso, porque não tô junto. E eu sempre fui uma mãe presente. Pedia pra sair do trabalho mais cedo pra assistir todas as apresentações delas (filhas)", desabafou. "Elas dizem: "Você é a melhor mãe do mundo. Por que você tá aqui?". E eu respondo: "Porque um dia, a mamãe fez uma escolha errada"".

Os dias, horas e minutos parecem maiores para as mulheres que buscam gastar o tempo com atividades carcerárias. O regimento é severo. Tem hora para dormir, acordar, tomar banho e realizar as tarefas do dia a dia. O local possui biblioteca, salas de aula e oferece cursos profissionalizantes. 

Exemplo para as filhas

Mesmo cumprindo regime fechado, Simone trabalha na cozinha penitenciária e também estuda. Tenta, mesmo sendo presidiária, dar algum exemplo para as filhas. 

"Eu tento passar pra elas o melhor. Falo que trabalho todos os dias, que eu estudo... quando cheguei aqui comecei a estudar na oitava série e hoje tô no terceiro ano do Ensino Médio. Pra elas é importante, e falam assim comigo: "Mãe, quando eu crescer quero ser igual a você". E eu falo "Que bom", porque eu pensei que ia perder isso", conta Simone.

Questionada sobre ser maior arrependimento, a detenta diz que é ter me infiltrado na vida do crime. Porque segundo ela, suas escolhas - sejam boas ou ruins -, vão repercutir na sua vida e na de sua família. 

"E eu fico feliz de ouvir pessoas lá foram dizendo que eu sou um exemplo de vida pra muita gente que acha que só porque tá no tráfico não tem mais saída e só vão sair de lá quando morrer. Não existe isso. Você vai sair do tráfico quando você decidir", finaliza.

Com informações da repórter Nathália Munhão, da TV Vitória/Record TV.

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