Polícia

Após crise, documentos mostram número menor de policiais militares nas ruas

Apesar da informação de que o patrulhamento ostensivo teria voltado a sua normalidade, há batalhões onde as escalas funcionam com apenas 21% do efetivo

Policial militar diz que "sociedade desarmada ficará refém do crime" Foto: TV Vitória

Após o fim do movimento que promovia a paralisação da Polícia Militar (PM) em todo o Espírito Santo, o Governo do Estado afirma que o policiamento nas ruas capixabas está normalizado. Porém, a equipe da TV Vitória conseguiu documentos exclusivos que provam que o patrulhamento está longe de ser normal.

Na entrada do bairro 1º de Maio, em Vila Velha, na região dominada pelo tráfico de drogas conhecida como "Faixa de Gaza", a equipe permaneceu percorrendo as principais ruas por uma hora e em nenhum instante presenciou PMs ou viaturas na região. Somente uma equipe da Guarda Municipal foi flagrada fazendo ronda.

"Nós ficamos muito pensativos e com medo da violência aumentando", disse um cidadão. "Eu trabalho a noite, dependo de 'bacurau', e afirmo que é raro ver polícia nas ruas. Quando se vê é até milagre", comentou outra.

O comandante geral da Polícia Militar, Coronel Nylton Rodrigues, diz que 100% do efetivo já está de volta as ruas. "100% já opera em todas as unidades da Polícia Militar: batalhões, companhias independentes, companhias destacadas. Todas trabalham normalmente", afirma Rodrigues.

Documento exclusivo

Documento exclusivo obtido pela TV Vitória Foto: TV Vitória

Entretanto, um documento obtido pela TV Vitória mostra a escala diária de policiais da 4ª Companhia do 4º Batalhão de Vila Velha e, por ela, 119 policiais deveriam estar em serviço no último dia 27 de fevereiro, após o fim da paralisação. Mas apenas 26 estavam nas ruas, pouco mais de 21% do efetivo. 55 PMs estavam de dispensa médica. 

Na última quarta-feira (1), eram 39 policiais afastados de licença médica e apenas 39 em serviço. Na quinta-feira (2), 28 policiais ainda estavam de dispensa. Esses números estão bem longe da totalidade garantida pelo coronel Nylton Rodrigues.

"Eu não tenho conhecimento que hoje a relação é essa. Vou mandar apurar, mas com certeza não é. Esse quantitativo pode ter acontecido logo após o término da crise, mas com certeza as dispensas médicas vencem e o policial militar retorna a trabalhar. Se ele não retornar, ele vai ter um problema", comenta Nylton.

Relato de militares

A TV Vitória foi atrás desses policiais para descobrir o motivo do afastamento por licença médica. Sem mostrar o rosto, três militares são unânimes em dizer que o motivo de estarem baixados é por questões psicológicas. Eles alegam que durante a paralisação da PM, muitos sofreram pressão, inclusive ameaças, como a transferência de cidade.

"Com relação à transferência, você ser mandado para longe da sua família, você ser expulso da corporação", disse um PM. A tropa está sendo rechaçada, a tropa foi rechaçada. A tropa foi destratada, humilhada. E esse é o sentimento da maioria da tropa da Polícia Militar", revela outro. 

Diante das circunstâncias e dos afastados do serviço, eles não querem mais voltar a vestir a farda da Polícia Militar capixaba. "A gente dá a vida por pessoas que a gente não conhece. Para ser tratado da forma que nós fomos, eu fiquei decepcionado, muito decepcionado", fala um policial. "Hoje em dia, a gente sai de casa, coloca a farda, com um peso nas costas. Não é mais prazeroso você abordar, prender... Na verdade se tornou um martírio. Não quero ficar na polícia, não vou ficar na polícia. Eu tenho nojo de colocar a farda da Polícia Militar", completou outro PM.

Problemas psicológicos

O afastamento por problemas psicológicos dos policiais aconteceu durante a paralisação da Polícia Militar, que durou 22 dias. O movimento foi liderado por esposas dos militares que bloquearam as saídas dos batalhões em todo o Estado. As manifestantes cobravam correção da remuneração dos policiais dede 2010, além de anistia geral para punições impostas pelo motim.

Em estimativas levantadas por um psicólogo que presta serviços para a Associação dos Policiais Militares do Espírito Santo, o número de policiais baixados chegaria a mil. Eles estão sendo atendidos na própria associação, além do Hospital da Polícia Militar (HPM). Por dia, o número de atendimentos a PMs afastados por problemas psicológicos seria de 20 a 30.

"Eu recebi duas fontes de informação. A primeira, de colegas que têm consultório e estão atendendo em associações, hospitais particulares, que demandam cerca de 700 policiais. E outra informação, de dentro da Polícia Militar, que pode chegar até mil policiais, ou seja, 10% da tropa afastada por questões psicológicas e psiquiátricas", disse o doutor em ciências sociais, Pedro Luiz Ferro

Segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), por conta da paralisação, a PM instaurou inquéritos policiais contra 2.580 PM para apurar o motim e punir os culpados. A medida teria revoltado ainda mais a categoria. 

De acordo com os policiais afastados, além do efetivo da Polícia Militar estar incompleto, os militares que estão nas ruas fazem apenas o serviço burocrático. Se apresentam nas Companhias e nada de patrulhamento. A reportagem da TV Vitória encontrou essa situação no Bairro da Penha, em Vitória. Nas ruas, que são consideradas dominadas pelo tráfico de drogas, nada de policiamento ostensivo. Já na Companhia onde os PMs pediram para não serem filmados, haviam quatro de braços cruzados.

"A maioria da quantidade de viaturas dos batalhões não estão rodando. Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica, unidades especializadas... Nenhuma delas está rodando com normalidade, com totalidade de efetivo", afirma um PM, que preferiu não se identificar.

Quando perguntado sobre o que vai ser da Polícia Militar, um outro PM respondeu: "a pergunta que eu faço não é o que vai ser da Polícia Militar daqui para frente? É o que vai ser da sociedade, daqui para frente, sem a devida segurança? Porque, se eu, militar, que ando armado com três carregadores, tenho medo, imagina a sociedade desarmada: está refém do crime", finaliza.

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