Um vídeo da Igreja Evangélica Batista de Vitória (IEBV), que fica em Jardim da Penha e é uma das maiores denominações do Espírito Santo, viralizou nas redes sociais e grupos de conversas, causando polêmica. O vídeo se refere ao culto do último domingo (25) à noite. Durante a celebração, o pastor pede para passar um vídeo com uma mensagem do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro, parabenizando a igreja e elogiando o candidato ao Senado Magno Malta (PL).
O vídeo (veja ao final) tem duração de dois minutos e foi passado durante o culto de posse do pastor presidente Deivisson Brito. Ele pediu para passar o vídeo enquanto o coro masculino da igreja se preparava para cantar um louvor. Bolsonaro, que aparece com um adesivo grudado em sua blusa com seu número de urna, começa cumprimentando o fundador da igreja, pastor João Brito, pai do pastor Deivisson.
“Quero cumprimentá-lo por esses 50 anos de ministério, é uma vida. Lutando contra as drogas, contra a ideologia de gênero. (…) Eu me lembro muito bem a sua participação contra o PLC 122, aquele projeto que botava na cadeia padres e pastores que, porventura, se negassem a realizar o matrimônio de forma diferente do que está na Bíblia. O senhor foi um vitorioso”, disse Bolsonaro.
O PLC 122/2006 foi protocolado na Câmara Federal e buscava punir os crimes de homofobia. O projeto alterava a lei 7.716 de 1989, a Lei Caó, que criminaliza o ato de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, acrescentando os crimes contra a comunidade LGBTQIA+.
Caso o projeto fosse aprovado, o texto da lei ficaria assim: “Artigo 2º – Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero”. O projeto previa punição que ia de multa à prisão para casos de discriminação, mas foi enterrado pela bancada evangélica em 2014.
Durante o sermão do culto, que ocorreu antes da apresentação do vídeo do Presidente, o pastor João Brito chegou a citar o movimento LGBT. Parafraseando a passagem bíblica do capítulo 2 e verso 1º do livro de Tito – “Tu, porém, fala o que convém à sã doutrina” –, o pastor disse: “Tu, Deivisson, fala o que convém à sã doutrina, (…) não o que convém aos movimentos das minorias perniciosas, LGBTQI e outras mais”. Sendo aplaudido pelos fiéis.
Elogios a Magno Malta
Após a menção ao pastor fundador da igreja, Bolsonaro cita o ex-senador Magno Malta. “E ao teu lado um grande homem no Senado Federal, o nosso senador Magno Malta. E por falar em Magno Malta, como ele faz falta para nós aí no nosso estado do Espírito Santo. Magno Malta disputa então essa única cadeira para o Senado”, diz Bolsonaro.
Magno estava na plateia, juntamente com o deputado estadual Gandini (Cidadania), o ex-prefeito Audifax (Rede) e o vereador de Vitória Armandinho Fontoura (Podemos). O governo do Estado também enviou um representante para o culto de posse do pastor presidente.
Nas redes sociais, o teólogo e conferencista Hermes Fernandes compartilhou o vídeo com a legenda: “Pode isso, TSE? Igrejas em todo o país estão interrompendo seus cultos para ouvir o candidato em inserções ao vivo ou em vídeos gravados. Crentes estão sendo bombardeados de fake news e sofrendo terrorismo eleitoral para que votem no candidato apontado por seus pastores”. A postagem foi recompartilhada diversas vezes e, nos comentários, muitos marcaram o TSE.
O vídeo está disponível no canal do Youtube da igreja e, pelo menos no que se refere ao culto do último domingo, não há pedido explícito de voto. A coluna encaminhou o vídeo para dois advogados eleitorais e questionou se haveria indícios de irregularidades, como campanha irregular – já que é proibida em locais públicos, como igrejas – ou abuso de poder político ou econômico.
O advogado eleitoral Fernando Dilen assistiu ao vídeo do culto e disse que há indícios de irregularidades. “Existe todo um contexto com Bolsonaro exaltando ele mesmo e o candidato Magno, como uma possível solução para a manutenção de determinados valores. O TSE tem entendido que é o tal do ‘pedido implícito de votos’. Antigamente, a Corte entendia que só poderia ser penalizado se houvesse pedido explícito de votos, mas com um julgamento da semana passada, ficou definido que para configurar ou não uma conduta vedada é analisado o contexto como um todo, não só a existência do que chamamos de palavrinhas mágicas”, disse Dilen.
“Existem indícios objetivos que permitiriam, na avaliação do Ministério Público, a aplicação de multa aos pastores e a Bolsonaro e pode gerar até uma consequência mais grave, como a inelegibilidade, caso se demonstre que este padrão se repetiu sistematicamente em outras igrejas durante a campanha”, concluiu Dilen.
A vedação para o uso do templo para fins políticos está nos artigos 24 e 37 da Lei Eleitoral. Mas há outras proibições, como o “grave temor reverencial”. “Grave temor reverencial é quando o líder coloca medo nos fiéis, quando diz que ele vai para o céu ou para o inferno se votar em determinado candidato. Isso está passível de reprimenda judicial porque pode ser encarado, na legislação, como abuso de poder político”, disse Dilen em entrevista anterior à coluna que retratou casos de rachas em igrejas por conta da política.
Já o advogado eleitoral Hélio Maldonado foi mais incisivo. “É uma clara propaganda eleitoral, porque foi feita diretamente ao pastor da igreja e seus fiéis. Sendo feita em local público, é um ilícito eleitoral. A depender do uso de recursos relevantes, e reiteração da mesma, também pode configurar abuso de poder econômico”, disse, após ver o vídeo.
Maldonado explicou quais comportamentos podem configurar esse abuso dentro das igrejas. “A figura tortuosa do abuso de poder político não é reconhecida como ilícito autônomo por parte da Justiça Eleitoral. É somente reconhecido como ilícito quando conjugado com abuso de poder econômico. E quando é conjugado? Quando a igreja financia material de campanha, quando faz superprodução sistemática e contínua de mostragem para os fiéis a respeito de um determinado candidato… Esses são elementos de circunstâncias concretas que podem caracterizar o abuso”.
Pastor nega irregularidades
O pastor Deivisson Brito, que aparece no vídeo pedindo para passar o vídeo, foi procurado pela coluna e disse que não há irregularidades na transmissão do vídeo passado durante o culto na igreja e que Bolsonaro falou como Presidente e não como candidato. No vídeo, Bolsonaro aparece com um adesivo com seu número de urna.
“A IEBV tem dois centros de recuperação, duas casas lares (orfanatos), há quase dois anos a vacinação do posto de saúde de Jardim da Penha funciona na igreja. Além disso, o Cemei também funciona na IEBV, além de fazermos atendimentos jurídicos e psicológicos gratuitos. Temos feito um trabalho relevante para a sociedade capixaba e ficamos felizes em termos o reconhecimento destes trabalhos a nível nacional”, disse o pastor, afirmando que a fala de Bolsonaro foi em reconhecimento ao trabalho da igreja.
Ele disse também que já deu espaço para que o governador falasse na abertura de uma convenção da igreja, que costuma “honrar” as autoridades e que não há nenhum caso de pastor pedindo voto para nenhum político. Ele disse também que não iria bater boca e nem se manifestar sobre a repercussão do vídeo na internet. No Instagram do pastor, há vídeos e fotos com outros políticos.