O Brasil está a menos de uma semana da eleição que pode definir, já no próximo domingo (02), quem será o futuro presidente do País. E essa possibilidade, de definir a eleição presidencial ainda no primeiro turno, só está no radar porque nos últimos dias tem ganhado corpo o debate sobre o voto útil e o voto envergonhado. Mas, o que são e o que representam esses dois fenômenos para as eleições?
O voto útil não é novo. Quem nunca ouviu, em eleições passadas por exemplo, as expressões: “Não vou jogar meu voto fora” ou “vou votar em ciclano, para não perder o voto”? É a ideia, bastante entranhada na cultura do eleitor brasileiro, de se sentir “mais importante” em votar em quem ganhou, segundo o escritor, mestre em Direito e professor de Ética da Ufes, Julio Pompeu. “Já existe a cultura entre nós de ‘não jogar o voto fora’, pois esse ‘jogar fora’ seria votar em quem não tem chance de ganhar”, explicou.
Embora partícipe de outros pleitos, o voto útil veio com nova roupagem e com mais visibilidade nesta eleição, que tende a ser a mais acirrada desde a redemocratização. Tanto que virou assunto do último debate e das inserções eleitorais dos presidenciáveis, além de não sair dos assuntos mais comentados na internet.
“Todo voto, bem ou mal, é útil. Porque o voto é um meio para atingir um resultado. Ninguém vota pelo voto em si. Ou é um meio para eleger alguém que simpatize ou um meio para não eleger alguém que antipatize. Mas o que chamam hoje de voto útil é que não se escolhe votar numa pessoa por afinidade ou pela crença de que ela é a melhor. Mas vota para evitar quem se acredita ser um mal maior”, explicou Pompeu.
Segundo ele, trata-se de uma estratégia que só é possível quando estão envolvidos altos índices de rejeição entre os candidatos. “Há um voto útil em Bolsonaro de gente que não quer Lula eleito de jeito nenhum. Há um voto útil em Lula de gente que não quer Bolsonaro reeleito de jeito nenhum. E há também o voto útil que migra de Ciro e Simone, porque o sujeito começa a olhar o seguinte: se aquele candidato, que ele tem afinidade, não tem chance então transforma seu voto, que até então era convicto, em voto útil para evitar um mal maior. É um fenômeno, um dado dessa eleição”, afirmou Pompeu.
Dados da última pesquisa Datafolha, divulgados na última sexta-feira (23), dão conta que 11% dos eleitores mudariam de voto para encerrar a disputa no 1º turno. O percentual é maior entre eleitores de Ciro Gomes (21%) e de Simone Tebet (22%). Não à toa, os dois são os mais críticos da tal estratégia.
O presidenciável do PDT chegou a marcar para esta segunda-feira (26) um pronunciamento à nação. Nos bastidores, Ciro deve reafirmar sua candidatura – já que tem crescido a pressão para que ele desista, até entre os pedetistas – e fazer um discurso enfático contra o voto útil.
Analistas políticos se dividem sobre o tema, há quem chame até o voto útil de “antidemocrático”, o que Pompeu discorda. “O voto útil não é antidemocrático, é parte da democracia. Não existe um critério que defina como as pessoas devem formular suas convicções. Deveria ser uma preocupação dos políticos e dos partidos qualificar o debate para que o voto seja preferencialmente por afinidade e não por rejeição”, afirmou Pompeu, dando como exemplo manifestações de rua. “Num protesto, muitas vezes, as pessoas vão para a rua não para dizerem o que querem, mas para dizerem o que não querem e é tão democrático quanto qualquer outro protesto”.
Ele não acredita, porém, que o voto útil deverá mudar o que já está posto nesta eleição. “Pode mudar alguma coisa, cerca de 2%, mas não acredito que irá mudar significativamente o que já se aponta como resultado das eleições até agora. O que pode mudar é evitar que se tenha um segundo turno”. Hoje, as pesquisas não cravam que a eleição será definida no primeiro turno.
A surpresa do voto envergonhado
Mas, há um outro fenômeno que pode fazer o resultado de qualquer eleição surpreender, se comparado com a expectativa apontada pelos institutos de pesquisa: o chamado “voto envergonhado”.
“Voto envergonhado é o termo que os institutos de pesquisa passaram a utilizar para se referirem ao eleitor que já resolveu em quem irá votar, mas que não revela o voto, por medo ou vergonha, por acreditar que revelar o voto não o deixará bem-visto”, explicou Pompeu.
É aquela pessoa que já definiu o voto, mas quando questionada – principalmente, presencialmente – pelos institutos de pesquisa se diz indecisa, afirma votar nulo ou branco ou ainda cita um outro candidato “mais aceitável” para aquele momento. Alguns analistas políticos defendem a tese que o “voto envergonhado” tende a ser menor quando a pesquisa é feita por telefone.
Segundo o jornal Folha de São Paulo, o instituto Ipespe perguntou aos eleitores, por telefone, na semana passada, se eles falariam abertamente sobre seus candidatos em conversas com desconhecidos ou em locais públicos. O resultado foi que 38% disseram que evitam declarar voto para presidente nessas situações.
Só a título de comparação, o número de indecisos e dos que irão votar branco ou nulo, segundo a última pesquisa Datafolha, não chega a 7%. Então, é possível crer que muitos dos que hoje respondem a pesquisas possam estar dando sinais trocados. E esse eleitorado pode representar um número acima da margem de erro registrada pelos institutos.
“O voto envergonhado não quer dizer que irá mudar a eleição, porque ele já existe. O que pode acontecer é permitir uma surpresa, porque as pessoas têm uma expectativa que aqueles dados que aparecem nas pesquisas eleitorais vão se confirmar. Mas, se é um voto envergonhado, há um dado oculto. Os institutos de pesquisas começam a mapear esse voto, mas ainda não têm uma base estatística para poder cravar a quantos correspondem”, explicou Pompeu.
Em tempo: Na eleição de 2018, ganhou força, nas duas últimas semanas antes do primeiro turno, o movimento do “vira-voto”, capitaneado por Ciro Gomes. A estratégia era conquistar o voto dos eleitores do PT, sob a justificativa de que as pesquisas mostrariam que o pedetista venceria Bolsonaro no segundo turno. Ciro conseguiu crescer, mas não o suficiente para ultrapassar Fernando Haddad (PT), que foi para o segundo turno e perdeu para o atual presidente.