O debate sobre a permissão/proibição da entrada de cães no parque Pedra da Cebola, em Vitória, expôs o que parece ser o início de uma rivalidade política na pauta animal da Assembleia. Nas redes, há uma disputa de narrativa entre os deputados Fabrício Gandini (Cidadania) e Janete de Sá (PSB) sobre quem teria sido o responsável por mudar a opinião do prefeito e salvar a colônia de gatos do parque.
Os dois fazem parte da Comissão de Proteção ao Meio Ambiente e aos Animais – Gandini é o presidente e Janete é a vice – e tomaram à frente do debate que envolveu protetores animais, o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) e a visibilidade política.
Tudo começou quando se tornou público que a Prefeitura de Vitória estudava, por meio de um decreto, autorizar a entrada de cachorros, com seus tutores, nos parques públicos e urbanos da capital. A iniciativa foi comemorada por muitos, principalmente por “pais de pets” que reclamam da falta de espaço público para passear com os cães.
Mas, também gerou preocupação entre protetores da causa animal, principalmente os que atuam no parque Pedra da Cebola. Isso porque existe no parque uma colônia de mais de 200 gatos que são cuidados por voluntários. Além dos felinos, há também aves e répteis que estariam, segundo os protetores, em perigo com a entrada dos cães.
A possibilidade de um “conflito animal” fez com que os protetores buscassem ajuda de políticos, com o prefeito e com deputados, para reverter a situação.
No último dia 28, Gandini emitiu nota à imprensa dizendo que pediria à prefeitura um estudo detalhado sobre a viabilidade de convivência pacífica entre os animais. Ele disse ter sido procurado por protetores.
“Vamos mandar uma recomendação à Prefeitura de Vitória para que faça um estudo minucioso sobre o assunto e apresente à sociedade antes da mudança ser colocada em prática. Como já existem animais nesses parques é preciso estudar a possibilidade de convivência. E, caso não exista, é preciso estruturar primeiros os parques para poder receber. Os cães não podem ficar soltos”, avaliou Gandini.
A recomendação, porém, não chegou a ser enviada, já que antes disso, o prefeito teria recuado da medida. Na quinta-feira (02), ele gravou um vídeo junto com a deputada Janete se comprometendo a deixar o parque Pedra da Cebola de fora do programa de abertura dos parques para os cães.
A deputada esteve no gabinete do prefeito e fez o vídeo agradecendo por ele ter se comprometido com a questão da Pedra da Cebola, dando a entender que foi por conta de sua iniciativa que o prefeito recuou. O vídeo foi postado no Instagram de Janete e o prefeito curtiu e compartilhou o vídeo.
Ontem, Gandini também publicou um vídeo puxando a “paternidade” do recuo do prefeito para si. “Meu trabalho de fiscalização deu certo e o prefeito anunciou que recuou da medida. Ou seja, os cães ficarão fora do Parque da Cebola”, escreveu Gandini na postagem.
os arranhões
Nos bastidores, a situação teria gerado um mal-estar entre os deputados. Uma das questões foi a disputa pelo reconhecimento. Janete disse que foi ao prefeito após ser demandada por protetores da causa animal por causa da CPI que ela preside. Janete comanda a CPI dos Maus-Tratos a Animais na Ales.
Ela disse que não ficou sabendo da ação de Gandini pedindo estudo da prefeitura e que não participou da primeira sessão da Comissão de Proteção ao Meio Ambiente comandada pelo deputado.
“Fui procurada enquanto presidente da CPI, por protetores que pediram minha intervenção. Eu marquei uma agenda com o prefeito, na quinta, e levei evidências. Levei a análise de um médico veterinário sobre como seria a convivência dos cachorros ali no parque e a tendência era que pudesse ter conflito”, disse Janete à coluna. E acrescentou:
“Levei o advogado da CPI e ali, fruto dessa conversa, ficou comprovado que havia a necessidade de excetuar o parque. Então, não é fruto de um pedido de estudo, é fruto de evidências mostradas e comprovadas”.
Gandini também foi procurado e disse, por meio de sua assessoria, que não iria polemizar. “Recebi a denúncia como presidente da Comissão de Proteção ao Meio Ambiente e aos Animais e também pelas redes sociais. Tomei as providências necessárias e fiz um pedido público à prefeitura de um estudo que mostrasse a viabilidade de cães e gatos conviverem no Parque Pedra da Cebola, tentando evitar incidentes”, disse Gandini. E continuou:
“Cumpri com o meu papel como homem público, mas não vou polemizar. Se o recuo do prefeito foi motivado por minha ação, não é importante. O que importa é que o problema foi resolvido, preservando o bem-estar dos animais que vivem no parque”.
Já a Prefeitura de Vitória, por meio de nota, negou que houvesse qualquer polêmica com relação ao assunto. “Não existe qualquer polêmica, assim como nunca existiu decreto ou qualquer decisão. Recebemos uma solicitação dos tutores de cachorros para que a prefeitura fizesse um estudo e avaliasse o ingresso de cães em cada parque individualmente, considerando as características próprias, as especificidades e nuances de cada um dos equipamentos públicos. Esse estudo será realizado e após será amplamente debatido com os moradores das regiões, tutores, protetores de animais, coletivos ambientais e ONG’s.
A eleição de Vitória
Mas não foi só a paternidade da “salvação da colônia dos gatos” que gerou arestas. Gandini é adversário político de Pazolini. Os dois disputaram a Prefeitura de Vitória em 2020 e o embate na campanha entre os dois foi de ataques e golpes abaixo da linha da cintura. Provavelmente, os dois devem se enfrentar de novo no ano que vem e as alfinetadas políticas já começaram.
O vídeo de Janete, no gabinete de Pazolini, sendo ela vice-presidente da comissão comandada por Gandini, gerou burburinhos. Nos bastidores, teve quem dissesse que Janete atropelou Gandini, puxando pra si uma pauta que ele tinha levantado, e ainda usou como motorista do atropelamento o adversário político de Gandini.
Janete, porém, tem visão diferente. “Não quis passar na frente de ninguém. É habitual no nosso trabalhar tratar disso, é uma situação que podia configurar em maus-tratos. O prefeito nem citou nome de Gandini, estudo, nada. Não fiz querendo tirar mérito de ninguém, não”.
E sobre a aproximação com Pazolini, adversário de Gandini, questionou: “O que eu tenho com isso? O que eu tenho a ver que ele tem problema com Pazolini? Ele é prefeito de Vitória, eu sei separar as coisas. Era um problema da sociedade, não se pode misturar as coisas. Mas Gandini é meu colega, tem meu carinho, consideração e respeito”.
Mais divergências?
O trabalho na Comissão de Proteção ao Meio Ambiente ainda está no início, mas pode ser palco de mais divergências em seu comando. Isso porque Gandini tem se posicionado de forma independente com relação ao Palácio Anchieta e Janete é uma ferrenha defensora do governo.
Não que Gandini tenha sinalizado que irá usar a Comissão para atingir o governo. Mas se isso vier a acontecer, Janete deve colocar o pé na porta. O protagonismo nas pautas de causa animal também deve ser disputado à unha no colegiado. Será a comissão palco de uma briga daquelas, feito as de cão e gato? Lá, ao menos, está liberada.
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