As contradições do governo de coalizão
Em artigo publicado na Folha de São Paulo há duas semanas, o cientista político Marcos André Melo discorre sobre as dificuldades advindas do sistema político de coalizão. Sugiro a leitura e busco, a partir dela, fazer uma reflexão no plano local. Despretensiosamente, atenho-me ao resumo da crítica ao modelo de coalizão feita por ele, que se dá, em suma, pela perda da identidade ideológica e programática dos partidos em nome de uma governabilidade possível. Esse arranjo, muitas vezes, engessa o plano de governo e as políticas públicas pretendidas pelo partido que está a frente do Poder Executivo, e não raro também permite o avanço do fisiologismo e da corrupção no Executivo e no Legislativo.
O bipartidarismo
Em contraponto à coalizão, há em alguns regimes parlamentaristas o sistema de bipartidarismo, com voto distrital. Segundo Marcos André Melo, o modelo “produz governos responsáveis perante o parlamento, com clareza de responsabilidade”, já que se algo sair errado na condução política “o eleitor sabe a quem culpar”. Mesmo assim, em quase 80% dos países parlamentaristas o regime é o de coalizão multipartidária. E há ainda regimes que mesclam ambos os sistemas, como Holanda, Alemanha, Bélgica e Áustria. Para o cientista político, o que faz o regime de coalizão não funcionar não é o mecanismo em si, mas sim “a fraqueza histórica das instituições de controle.”
O fundo do poço
Bem, não somos parlamentaristas no Brasil, e não temos instituições de controle fortalecidas. E, apesar de buscar mesclar os dois sistemas acima mencionados, o país está onde chegou, numa crise sem precedentes e com a população absolutamente desalentada com relação à política.
A polarização local
Diante desse cenário nacional, passemos ao Espírito Santo. As eleições que se aproximam replicam o regime de coalizão em vigor. No funil eleitoral, o formato era de polarização entre as candidaturas de Renato Casagrande (PSB) e Paulo Hartung (MDB), mas este último abandonou a disputa. Resta a Rose de Freitas (Podemos) se cacifar para assumir o espaço em branco, caso contrário a eleição caminhará para um favoritismo sem precedentes de Casagrande.
O regime de engolir sapo
O que a coluna quer trazer à reflexão é, havendo ou não a polarização entre ambos, até que ponto vale a pena ter um amplo e tão heterogêneo espectro de partidos em nome de uma “governabilidade” (e aqui não me restrinjo ao PSB, já que qualquer um que eventualmente vença a eleição vai ter que governar com uma Assembleia repleta de siglas divergentes). As coligações podem ser úteis, sem dúvida, no aspecto eleitoral, na matemática fria dos números. Mas, e quanto às defesas de bandeiras e ideias do partido que se lança ao empreendimento de liderar por 4 anos o Estado? Isso sem falar na junção de figuras que até bem pouco tempo eram desafetas. Tanto do lado de Casagrande quanto no de Rose há exemplos disso. Será pelo bem maior de fazer o que deve ser feito para atravessar esse momento ruim do ES e do Brasil?
O regime de engolir sapo II
Nessa costura em busca de uma coalizão que garanta primeiramente ganhar a eleição, vão-se os anéis em troca dos dedos. E, vencida a eleição, para manter a chamada governabilidade, será que irão os dedos para preservar as mãos? O eleitor, esse que definitivamente já não suporta mais engolir sapo na urna, está prestes a dar seu veredito sobre os arranjos pré-eleitorais tão logo chegue o dia 7 de outubro. A expectativa é a de que haja uma abstenção recorde, assim como os votos brancos e nulos. Especialistas em nível estadual e nacional já projetam ultrapassar os 40%. A notícia boa é que em 2020 não haverá mais coligação partidária, ainda que o presidencialismo de coalizão continue.