Poses, posses e falas

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O verbo ecoa

O som se propaga no espaço, e as palavras ditas na cerimônia de posse da nova legislatura da Assembleia – que vai “falar” com e em nome da sociedade capixaba nos próximos quatro anos – ecoam por aí, libertas do aparelho fonador de quem as proferiu. Será que, soltas no ar, perderão o sentido? Para garantir mais tempo de validade, calhou ao ser humano grafar as palavras no papel. Mas o engenho da desídia já sentenciou há tempos que, sem aplicação na vida real, o que vai escrito é “letra morta”.

Letras zumbis

Preferimos crer que a palavra escrita seja uma espécie de inseto em fase larval, pronta para eclodir do subterrâneo à vida na primeira “chuva” de atitude; ou zumbis aguardando apenas a hora certa de saírem da “tumba” para cobrar o dito ao autor.

Ofício de escriba

De qualquer modo, nos cabe fazer ranhuras no papel com palavras, a fim de que sirvam de lição. As que têm raiz na bagagem de conhecimento vinda da História, a servirem de bússola, as que não, de repelente ao comportamento.

“Modelo” Majeski

Das palavras da última sexta na Ales, vale ressaltar o próprio inusitado da escolha de Sérgio Majeski (PSB) para dizê-las em nome dos deputados. Considerado “ovelha negra” nos bastidores pela legislatura passada, foi surpreendentemente alçado a orador modelar; resta saber se tal importância se limitará à pose do dia da posse.

Recado do e para

Majeski aproveitou bem a oportunidade. Citando o professor, filósofo e pesquisador espanhol Daniel Innerarity – no livro Política em Tempos de Indignação -, disse que um dos principais motivos para a descrença generalizada à política partidária e eletiva é o hábito da mentira encravado nos políticos. “Devemos ser claros, dizer o que podemos e o que não podemos fazer, explicar para que serve nossa atividade, com transparência e honestidade”, discursou.

Autonomia

Majeski também falou da importância do princípio da separação dos Poderes – elaborado pelo também filósofo – este, francês – Montesquieu, no século XVIII. A livre citação de Majeski ao pensador iluminista nos traz como recado a falência das instituições, caso elas não se pautem pelo princípio da igualdade, do republicanismo e da autonomia entre os Três Poderes.

Recado do Executivo

O segundo orador, o governador Renato Casagrande (PSB), elogiou a fala de Majeski, “um consistente discurso”, e depois mandou seus próprios recados. O “livre confronto de ideias” deve prevalecer à intolerância, na opinião de Casagrande; e, se a sociedade está “impaciente e intolerante, temos que ser mais pacientes e tolerantes, se está mais exigente, temos que ser mais competentes”.

Recado do Executivo II

Casagrande também resumiu o que espera da Assembleia. Equilíbrio na relação, pois “os desequilíbrios trouxeram retrocessos”. E mais uma vez consolidou a narrativa hartunguiana de que a união de forças transformou o ES, ao dizer que “de uns tempos pra cá, conseguimos juntos, poderes e sociedade civil, caminhar melhor”. Nas palavras “equilíbrio fiscal, cautela e conservadorismo”, Casagrande pautou o início da gestão dele. E pediu apoio para o enfrentamento dos desafios, em especial da criminalidade e da superlotação prisional.

Pedra angular

Chamando a Assembleia de “pedra angular” na estabilidade política do ES, Casagrande disse que o órgão “é a síntese dos interesses do Espírito Santo”. E acredita na capacidade – dele próprio e do Legislativo – de, no “confronto de ideias”, desenvolver os “grandes temas”, desde que, apesar do contraditório, todos tenham “objetivos transparentes”.

Pedra apedrejada que borbulha

Casagrande também disse – desculpando-se pela expressão – que, por ser o Poder mais transparente, o Parlamento “é o que mais apanha”. Lembrou com orgulho do começo da vida pública como deputado estadual – ainda na antiga sede, na Cidade Alta, em Vitória -, e afirmou que a Ales é uma Casa que “formula, borbulha, debate”.

Está dito

Os sons se propagam no espaço, as palavras ditas podem ser escritas, lembradas e relembradas, mas só a fé move montanhas. Ao cidadão, resta munir-se dela, não para esperar que as autoridades façam o que dizem, mas para – como disse Majeski referindo-se ao que também espera dos deputados – “trabalhar, torcer, cumprir e cobrar” do Governo do Estado ( também por meio da Assembleia) e de si (nós) mesmos, para enfim conjugar na prática cotidiana o verbo transformar.

Foto da Coluna: Assessoria Ales.