O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, esteve ontem (20) no Estado para uma palestra na Universidade de Vila Velha (UVV) com o tema: “A conjuntura internacional e nacional e os reflexos para o Brasil”. O número 2 da República falou sobre as mortes na Amazônia e a dificuldade do governo em fiscalizar a região, sobre a crise econômica e do petróleo e a crise política com os ruídos entre os poderes.
Numa fala de 45 minutos, Mourão começou citando as crises mundiais das últimas décadas, afirmando que a crise que se abate no Brasil é também mundial. Falou dos desafios climáticos e alfinetou a Alemanha que vai aumentar o uso de carvão para compensar a falta do gás russo. “São eles que gostam de bater na gente por causa da Amazônia”.
Disse que se o Brasil vai preservar a Amazônia para frear o aumento da temperatura mundial, tem que receber dos outros países por isso. Mas sem que os outros países queiram ditar onde o Brasil deve usar o dinheiro.
Mourão chamou o assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira de “bárbaro” e disse que a “Amazônia é um mundo”, admitindo que a presença do Estado brasileiro na região precisa ser reforçada numa ação conjunta entre União, estados e municípios. Ele falou que hoje falta efetivo nas Forças Armadas e também nas agências fiscalizadoras.
“O Bruno e o Dom entraram num local com gente má intencionada e sem a devida proteção”, disse o vice-presidente, sem citar as ameaças que a ONG, onde o indigenista atuava, disse ter relatado às autoridades. Também não falou sobre as investigações, embora na manhã de ontem tenha dito que se o crime tiver mandante “deve ser um comerciante”.
Crise dos combustíveis
Mourão também citou a crise econômica e dos combustíveis que se abate no País, que amanheceu ontem com a saída de mais um (já é o terceiro) presidente da Petrobras. José Mauro Coelho pediu demissão após um final de semana de pressão por parte do governo em cima da empresa. Na última sexta-feira, com o anúncio de mais um reajuste dos combustíveis, Bolsonaro e o presidente da Câmara, Arthur Lira, chegaram a falar em instaurar uma CPI da Petrobras.
O vice disse enxergar duas soluções para conter a alta dos preços: baixar impostos e taxar exportações de petróleo bruto. Chegou a sugerir uma terceira linha de ação que, segundo ele, já deveria ter sido tomada: “Usar os royalties que a Petrobras paga ao governo para criar um fundo e a partir desse fundo estabilizar o preço quando passar por momentos como esse”.
Nem de longe, porém, endossou a criação de uma CPI e nem defendeu a queda de diretores. Também não citou a possibilidade de uma mudança na política de preços da Petrobras. “Uma coisa deve ficar clara para todos nós: a era do combustível barato não vai voltar”, avaliou.
Polarização política e briga entre os poderes
O vice-presidente citou também as brigas políticas e os desentendimentos entre os poderes. “O que nós precisamos fazer? Precisamos buscar nos entender, precisamos buscar organizar o nosso país. A gente não pode ficar nessa discussão paroquial com política de baixo nível como nós vemos muitas vezes. O nosso país sofre essa polarização política hoje e nós precisamos buscar harmonizar isso. Também existe um conflito entre os poderes”.
Ele acusou o Legislativo de “sequestrar” o Orçamento com a imposição das emendas parlamentares (no governo Dilma), das emendas de bancada (no governo Temer) e das emendas de relator (no governo Bolsonaro). “O relator tem R$ 16 bilhões para sair distribuindo”, disse Mourão. O atual relator da LDO é o senador Marcos do Val (Podemos), que prometeu transparência na distribuição das emendas.
Citou também o que chamou de “ativismo judicial”, afirmando que partidos que perdem votações no Parlamento, usam o Judiciário para impor suas posições. Mas não falou dos ataques, principalmente do presidente Bolsonaro, aos ministros do STF e ao sistema eleitoral.
Mourão defendeu que os interesses do Brasil estejam em primeiro lugar e para que isso aconteça o país precisa ter liderança. “Uma liderança precisa ter quatro atributos: tem que ser reformista, inspiradora, agregadora e facilitadora. Reformista para brigar no Congresso por todas essas agendas. Inspiradora porque as pessoas precisam voltar a confiar no homem público, saber que ele está ali para servir e não ser servido. Agregadora para chamar essa turma para conversar, do conjunto A, do conjunto B, e buscar o ponto comum. E facilitadora para fazer com que isso caminhe”. Mourão não deu exemplos de quem se encaixaria nesse perfil.
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Imprensa não pôde fazer perguntas
Os profissionais de imprensa que foram cobrir a palestra do vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, na UVV, não puderam fazer perguntas e nem ter acesso ao general durante o evento. Todos os jornalistas, devidamente identificados e credenciados no site do governo federal, foram confinados a uma salinha pequena ao final do auditório, sob a vigilância de dois funcionários da faculdade.
A circulação foi limitada e os profissionais só poderiam sair da sala para ir ao banheiro e, ainda assim, sob a escolta constrangedora de um funcionário da faculdade, que ficava na porta do sanitário esperando para levar o jornalista de volta. Para não ter que sair para tomar água, alguns copos, em temperatura ambiente, foram deixados em cima de uma mesa, na sala, para acesso dos profissionais.
A sala, chamada de camarote, ficava longe do palco onde o vice-presidente discursou. Nos camarotes ao lado da sala reservada para a imprensa, somente seguranças do vice-presidente e funcionários da faculdade. Os profissionais da imprensa não puderam nem ficar no corredor, já que dentro da sala o sinal de internet era baixo. Após reclamações generalizadas, a faculdade liberou o acesso Wi-Fi para que os jornalistas conseguissem trabalhar de lá.
Todos os jornalistas que foram cobrir o evento tiveram de passar pelo crivo do Planalto para conseguir autorização e participar da palestra. Foi necessário fazer cadastro no site do governo federal e esperar pela resposta. O cadastro consistia em fornecer dados pessoais, documentação, endereço, filiação, foto, contrato de trabalho, registro profissional, ofício da empresa com assinatura da chefia e assinar um termo de responsabilidade em que, entre outras coisas, o jornalista se comprometia a estar bem vestido.
No local da palestra, todos receberam crachás com fotos e tiveram de passar por uma revista individual com detector de metais. Também tiveram suas bolsas revistadas. Após essa etapa, os jornalistas não puderam dar nem mais um passo sozinhos.
Diferentemente da plateia, que se inscreveu para o evento pelo site da faculdade e poderia escolher o lugar num auditório com 500 cadeiras reservadas – podendo levantar, circular e fazer perguntas –, os jornalistas só foram saber que não poderiam fazer questionamentos ao vice-presidente ao chegarem ao evento.
Não foi possível nem sequer encaminhar a demanda à mestre de cerimônia, que leu algumas perguntas da plateia. Questionados sobre o tratamento dado à imprensa, funcionários da faculdade afirmaram que a diretriz de deixar os jornalistas numa sala separada, fora do auditório da palestra, e sem poder fazer perguntas partiu da Vice-Presidência da República.
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Pra acordar
Mourão começou sua palestra dando um grito de “Boa noite”. Ele disse que era para descontrair, mas boa parte da plateia se assustou.
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Será?
O presidente da mantenedora da UVV, José Luiz Dantas, ao falar que Mourão irá disputar o Senado, disse que gostaria que ele futuramente fosse presidente da República. Mourão balançou a cabeça, como quem não descarta a possibilidade.
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parou o trânsito
Chamou a atenção, principalmente de pessoas que saíam de um shopping em frente à UVV, o tamanho do comboio que acompanhou a visita do vice-presidente Mourão ao Estado. Na saída do evento, já quase dando 20h, o trânsito foi interrompido para a passagem das viaturas da Polícia Federal, PM, Samu e PRF.