Parece uma eternidade, mas tem pouco mais de duas semanas que os sete candidatos ao governo se enfrentaram nas urnas após uma campanha em que o mote principal foi a questão da fome, do Fundo Soberano e do dinheiro nos cofres do Estado.
Todos os candidatos de oposição ao governador Renato Casagrande (PSB) bateram nessa tecla: no número de pessoas abaixo da linha da pobreza – 1,079 milhão no Estado – e no saldo do Fundo Soberano (R$ 1,042 bilhão). Além do dinheiro em caixa – ora de R$ 4 bilhões, ora de R$ 6 bilhões – anunciado como poupança.
A crítica era sobre a destinação dos recursos do Fundo Soberano, as propostas que surgiram iam desde a criação de um fundo social para transferir esse recurso em políticas para a população de baixa renda, até a quitar dívidas de pequenos empreendedores ou colocar o dinheiro em outras pastas. Casagrande sempre rebateu seus adversários afirmando que eles queriam “raspar o tacho” e transformar o estado num “Rio de Janeiro”, comparado às contas públicas.
Mas, esse tema ficou para trás. Iniciada a segunda etapa da campanha, um só assunto permeia o programa eleitoral na TV, as sabatinas, os debates entre os candidatos Casagrande e Carlos Manato (PL): o crime organizado.
O tema foi trazido à tona pelo deputado federal Felipe Rigoni (União), ao declarar apoio a Casagrande. O vídeo com o apoio ao governador foi divulgado antes do início dos programas na TV e, desde então, tem pautado praticamente todas as inserções de Casagrande, declarações de aliados e atos da campanha.
Ontem (17), durante entrevista a uma emissora de TV, Casagrande voltou ao tema. E, à tarde, durante um debate com o setor produtivo, também. “Segurança pública exige continuidade de políticas públicas. Nós temos o Espírito Santo, o estado que já foi o mais violento desse país, com a Scuderie Le Cocq, que retirava a vida de muita gente”, disse Casagrande.
À noite, em seu programa eleitoral, mais referências. Há 10 dias, a campanha de Casagrande tem batido nesse tema incessantemente, sem que Manato respondesse à altura. Ontem, porém, ele começou a reagir.
Ex-secretário na TV
Manato foi o primeiro a ser sabatinado pelo Fórum de Entidades e Federações no “Diálogo com o setor produtivo”. E chegou tanto na defensiva quanto no ataque. “Já estão falando que Manato é do crime organizado. Agora, eu pergunto, quem é do crime organizado? Quem trouxe um diretor presidente de banco que estava sendo investigado por R$ 17 milhões em desvios, e que o governador, que era membro do conselho, botou aqui em um dia e ele foi preso no outro. Quem é do crime organizado, eu ou ele?”, questionou Manato, fazendo referência a Casagrande.
Mas foi no programa eleitoral da TV, veiculado na noite de ontem, que Manato apostou suas fichas. Levou o ex-procurador da República e ex-secretário da Segurança Henrique Herkenhoff, que teve como missão dissolver a Scuderie Le Cocq – foi, inclusive, o primeiro trabalho de Herkenhoff como procurador no Estado, no final da década de 90.
Herkenhoff fez parte de uma força-tarefa criada pelo governo federal que, no início dos anos 2000, resgatou o Espírito Santo das garras da corrupção e do crime organizado infiltrado nas instituições da sociedade.
O ex-procurador, que hoje é advogado e professor universitário, gravou um vídeo favorável a Manato, afirmando que ele não foi investigado por uma suposta atuação na le Cocq. “Nunca chegou a nós nenhuma suspeita sequer de que o Manato tivesse participado de qualquer atividade ilegal da instituição. Então, ele nem sequer foi investigado, até onde eu saiba”, disse o ex-procurador, no vídeo.
E continua: “Infelizmente parece que virou moda, virou uma estratégia de campanha política tentar imputar a participação de algum candidato no crime organizado. Pessoas que nunca combateram o crime organizado, que não tem nenhum fundamento histórico ou jurídico, fazem esse tipo de acusação e, vira e mexe, eu sou chamado a esclarecer à população sobre a verdade histórica”, afirmou, sem, porém, citar nomes, embora seja a campanha de Casagrande que esteja acusando Manato.
Herkenhoff também foi chamado, em 2020, para “esclarecer” a situação do então candidato a prefeito de Vitória Lorenzo Pazolini, associado pela campanha de Fabrício Gandini ao crime organizado, por uma suposta aproximação com Gratz num evento. O ex-secretário também apareceu no programa eleitoral de TV no 1º turno afirmando que Pazolini não tinha ligação com o grupo criminoso. Depois da eleição, o ex-procurador fez parte da equipe de transição do prefeito.
“Logo que eu entrei no Ministério Público Federal, como procurador da República, eu movi a ação que levou à dissolução da Scuderie Le Cocq. E qual foi o motivo disso? Formalmente ela se apresentava como uma instituição de caridade, mas investigações mostraram que um grupo paramilitar – que exercia atividade como um esquadrão da morte, um grupo de extermínio – atraiu pessoas de bem para criar um biombo, se esconder atrás de uma instituição aparentemente lícita, todas as pessoas que cometeram crimes foram processadas e presas”, afirmou Herkennhoff.
Manato não nega que tenha feito parte da organização. Ele, inclusive tem carteirinha e número de filiado. O que ele nega, e já disse isso à coluna, é que nunca fez parte de nenhuma reunião ou combinado “para matar ninguém”. Inclusive disse que se alguma ilegalidade for provada, que ele renuncia da candidatura.
Faltam 12 dias para as eleições do segundo turno e essa foi a primeira reação contundente de Manato às alegações da campanha adversária – que nunca chegaram a acusá-lo de nenhum crime, mas fazem sua associação com o fato de ter sido membro da Scuderie. Se isso será suficiente para arrefecer o assunto, só os próximos dias irão dizer. Fato é que nenhum outro tema tem tomado conta do noticiário político como este.