Após uma campanha eleitoral dura, acirradíssima, com troca de farpas e acusações, o governador Renato Casagrande (PSB) foi reeleito para comandar o Palácio Anchieta por mais quatro anos. Ele obteve 53,8% dos votos válidos contra 46,2% de Carlos Manato (PL).
Será o terceiro mandato de Casagrande à frente de um estado que ontem deu 58% dos votos válidos ao presidente Bolsonaro (PL), contra 42% dados a Lula (PT). Como explicar que a maioria do povo capixaba tenha votado em Bolsonaro e não eleito o seu candidato, Manato, para governar o Estado? Como Casagrande conseguiu vencer a estratégia do “único número” na urna (os números de urna de Manato e Bolsonaro eram 22)? Como ele conseguiu se esquivar do antipetismo?
O Espírito Santo é um estado majoritariamente conservador, no sentido amplo que esse termo significa – o que abarca tanto o pensamento político quanto a postura diante de possíveis mudanças. O capixaba é conhecido por ser um povo extremamente trabalhador, que defende a família, valores religiosos e que preserva suas tradições, tão ricas e singulares. Mas é também pouco afeito a mudanças bruscas de direção, principalmente aquelas que podem gerar consequências duradouras. E Casagrande e sua equipe sabiam e exploraram isso.
Quando virou o primeiro para o segundo turno, Casagrande reposicionou sua estratégia. Saiu da defensiva e foi para o embate, adotou o lema “governador de verdade” e fez de tudo para “desnacionalizar” a eleição, uma vez que 52% dos capixabas votaram em Bolsonaro contra 40% dos que votaram em Lula no 1º turno. Casagrande começou por não trazer Lula para a sua campanha – o que foi acordado com lideranças petistas no Estado.
Na visita da deputada federal eleita Marina Silva (Rede) ao Estado, na última quinta-feira (27), o ex-prefeito e deputado estadual eleito João Coser (PT) estava no palanque acompanhando o culto ecumênico e o ato político e conversou com a coluna De Olho no Poder sobre o fato de Casagrande não ter feito campanha para Lula e também permitir que seus apoiadores fizessem postagens casadas, pedindo votos para ele e para Bolsonaro.
“Nós sabemos que tem muita gente que apoia Casagrande e que vai votar no Bolsonaro. Aqui no Espírito Santo, Lula não tem mais votos que Bolsonaro, e nós queremos eleger Casagrande. Claro que nós do PT gostaríamos que Casagrande estivesse gritando ‘Lula, Lula, Lula’ toda hora, mas o contexto dele não permite isso. Importante é ele ser governador, pois é um homem de bem, tem bom coração, valorizou a vida, salvou muita gente na pandemia e está pagando um preço por isso”, disse Coser, na quinta-feira passada.
Um dia antes, havia viralizado um vídeo, de um ato político em Barra de São Francisco, em que uma eleitora diz que iria votar no 40 (número de Casagrande) e no 22 (em Bolsonaro) e Casagrande endossa, ressalvando que ela poderia votar no 22 para presidente, mas que antes votasse no 40 para governador.
Como a principal estratégia do seu adversário era nacionalizar a disputa, para “desnacionalizá-la”, Casagrande começou a chamar Manato para o embate. Fez isso logo nos primeiros dias do segundo turno, trazendo para o debate a filiação que Manato teve, por três anos, na Scuderie Le Cocq – um esquadrão da morte responsável por assassinar, segundo o Ministério Público Federal, cerca de 1.500 pessoas. Manato disse que fazia filantropia no grupo. Essa estratégia serviu para rebater as acusações que Manato fazia contra Casagrande por episódios envolvendo corrupção no governo.
Depois, quando uma ex-assessora de Manato o acusou de praticar rachadinha e de estar por trás da greve da PM, em 2017, a campanha de Casagrande explorou o assunto puxando para o lado das mortes e também para o prejuízo que o comércio teve na época, se contrapondo ao principal mote da campanha de Manato que dizia que Casagrande “assassinou” CNPJs durante a gestão da pandemia.
Mas, foi na comparação de projetos e de experiência de gestão que Casagrande teve vantagem. Ele começou a questionar, nos debates e nos programas eleitorais, qual era a experiência de gestão do candidato do PL, quais os projetos relevantes para o Estado apresentados por ele nos 16 anos que passou na Câmara Federal, explorou pontos mal explicados do plano de governo do adversário e aproveitou também suas falhas.
Manato chegou a dizer que a pandemia foi uma farsa, se colocou contra uma decisão judicial de um aborto legal numa menina de 10 anos vítima de estupro e pedofilia, disse que valorizaria as forças de segurança mandando fazer, para si, um uniforme da PM e do Corpo de Bombeiros. Casagrande conseguiu, com isso, trazer o debate para a discussão de projetos o que se mostrou uma estratégia acertada, ao transmitir para um eleitor conservador – que tem uma boa avaliação da sua gestão e é receoso em trocar o certo pelo duvidoso – mais segurança, preparo e experiência para comandar o Estado.
Só a título de comparação, foi a mesma estratégia adotada pelo agora governador eleito do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que foi para o segundo turno com Onyx Lorenzoni em desvantagem, mas conseguiu virar o jogo contra o candidato de Bolsonaro, ao tirar o debate da linha ideológica e nacional para o debate local de projetos, ainda que os eleitores gaúchos tenham também votado em peso no Bolsonaro.
Para rebater a estratégia do número fácil (2), começou a enfatizar que o primeiro voto era o 40, voltou com o jingle antigo que enfatizava o número. Para a estratégia do voto casado Bolsonaro-Manato, começou a pregar que o adversário deveria “sair da moita” e que não era Bolsonaro quem governaria o Estado. Para se desvencilhar do antipetismo, evitou assuntos espinhosos e disse que teria condições de governar com qualquer presidente que fosse eleito. Fora que investiu no apoio de lideranças religiosas e na área de segurança – bases fortes do bolsonarismo.
A diferença de votos entre os dois não foi tão grande (165.267 votos de diferença) e não se pode dizer que foi uma vitória acachapante – na verdade, pode ser considerada a mais difícil de sua trajetória política e pode até gerar uma certa dificuldade para o segundo mandato. Mas, por ora, Casagrande demonstra sua força política provando, com o voto de confiança da população capixaba, que seu ciclo ainda não chegou ao fim, como muito foi pregado por seus adversários durante a campanha.