O terceiro mandado de prisão da operação da Polícia Federal que mirou participantes de atos antidemocráticos, sob determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes, foi cumprido na madrugada de segunda-feira (19) contra o “pastor” Fabiano Oliveira.
Ele foi preso no acampamento montado na Prainha, em Vila Velha, na frente do 38º Batalhão de Infantaria. Desde a última quinta-feira (15) equipes da Polícia Federal tentavam prendê-lo, mas não conseguiam porque ele se refugiou no acampamento e era protegido por alguns manifestantes.
Já no sistema prisional, Fabiano passou por audiência de custódia e está na mesma cela que o vereador de Vitória Armando Fontoura, no Centro de Detenção Provisória de Viana 2. Sua defesa tenta revogar a prisão preventiva (a coluna já noticiou o que pesa contra Fabiano, leia aqui), mas ainda não obteve êxito.
A prisão de Fabiano repercutiu nacionalmente, mas entre os movimentos bolsonaristas locais, Fabiano não conta com apoio unânime, tanto que os principais grupos por trás da organização do acampamento não se manifestaram nem antes e nem depois da prisão. Entre associações e convenções de pastores e lideranças evangélicas, Fabiano também não é reconhecido. Aliás, há dúvidas se ele realmente tem o título de pastor.
Pastor de qual igreja?
A coluna conversou com pastores, lideranças de movimentos de direita, com o advogado de Fabiano e presidentes de associações e convenções evangélicas. Ninguém soube dizer ao certo de qual igreja Fabiano seria pastor, quem lhe outorgou o título religioso e ainda em qual denominação religiosa estaria congregando.
Um interlocutor do senador eleito Magno Malta chegou a dizer que Fabiano seria pastor da Igreja Evangélica Resgate, que fica em Vila Velha. Mas, o pastor presidente da denominação, ao ser questionado pela coluna, negou a informação. “Fabiano nunca foi pastor da igreja Evangélica Resgate. Somente frequentou a igreja, com a sua família, como membro”, disse o pastor Francisco Jorge.
Ele disse também que Fabiano se afastou da igreja. “Ele se afastou já tem algum tempo, nos últimos quatro meses, veio poucas vezes aqui. Ele vem de forma esporádica e não participa de nenhum ministério”, disse o pastor. Participar de um ministério significa ter um cargo ou desenvolver alguma atividade na igreja, seja de forma voluntária ou remunerada, como por exemplo, cantar no coral ou dar aula de música. Ser parte de um ministério demonstra também um vínculo de compromisso com aquela organização.
Um outro pastor procurado pela coluna disse que havia burburinhos de que Fabiano seria da Serra, mas o presidente da Associação de Pastores Evangélicos da Serra (Apes), Marcelo Ferreira, disse desconhecer a igreja da qual Fabiano faz parte e afirmou que ele não é associado da Apes, que conta com cerca de 500 lideranças religiosas.
A Cadeeso, uma das maiores convenções das igrejas Assembleia de Deus, também foi consultada pela coluna e afirmou, por meio da Coordenadoria Política da convenção, que Fabiano não faz parte dos seus quadros de ministros.
Outros pastores de pelo menos cinco grandes denominações atuantes do Estado foram procurados, mas também disseram desconhecer a origem do título de “pastor” de Fabiano.
Não há, no país, uma cartilha ou um rito para se tornar pastor ou abrir uma igreja evangélica. Diferentemente do que ocorre na igreja católica, em que um padre, antes de tomar conta de uma paróquia, precisa passar por um seminário e ser ordenado, nas igrejas evangélicas cabe a cada denominação definir os critérios para se levantar uma liderança.
Algumas optam pelo seminário teológico, outras por um número mínimo de anos servindo voluntariamente na comunidade local, mas a maioria segue o rito do título de pastor ser conferido a um fiel por outro pastor ou alguma outra liderança religiosa acima dele.
O questionamento sobre Fabiano ser ou não uma liderança religiosa chegou ao Ministério Público. Durante a cerimônia de diplomação dos candidatos eleitos, na última segunda-feira (19), a procuradora-geral de Justiça do Estado, Luciana Andrade, disse que o Ministério Público investiga se Fabiano é realmente pastor.
“É um livre pregador”
O advogado Marcelo Alves, também conhecido como Marcelo Brasileiro, se identificou como advogado de Fabiano Oliveira e disse que ele é chamado de pastor pelo fato de pregar e conhecer a Bíblia. “O que me consta é que ele é um livre pregador, conhecedor das Escrituras, prega na praça. Creio que não seja necessário uma diplomação, um curso de Teologia para isso”, disse o advogado ao ser questionado pela coluna.
Questionado se alguém ou alguma igreja teria ordenado Fabiano ao ministério pastoral, ele respondeu que isso “não seria necessário”. “Na audiência de custódia ele foi questionado, mas declinou de dizer a qual igreja estaria vinculado. Mas, se ele vai para o meio da praça, tem conhecimento, está motivado e prega, poxa… Vamos chamá-lo de pastor, de pregador livre, como João Batista no deserto, que não era sacerdote, não usava vestes sacerdotais, mas pregava”, justificou.
Marcelo disse ainda que esse questionamento se Fabiano é ou não é pastor no meio evangélico seria uma questão de “ego” de outros pastores. “Do ponto de vista legal, a ele é assegurada a liberdade de culto. Mas, vamos chamá-lo de livre pregador, porque isso é questão de ego. Assim, fica todo mundo em paz”.
Participação em campanhas eleitorais
Fabiano Oliveira trabalhou nas campanhas eleitorais do casal Manato deste ano. Para Carlos Manato, que disputou o governo do Estado, Fabiano fez trabalhos de panfletagem e de coordenador de pessoal. E, para a deputada federal Soraya, que tentou a reeleição, ele locou o veículo em que, antes, atuava como motorista de aplicativo. Nem Manato e nem a esposa tiveram êxito na eleição.
Na prestação de contas de Manato, disponível na plataforma DivulgaCand do TSE, consta que Fabiano teria recebido pelo trabalho de panfletagem na campanha o valor de R$ 4.000 e para ser coordenador, mais R$ 2.000. Os pagamentos estão datados em 19 de setembro (o de R$ 2 mil) e em 3 de outubro.
Já na prestação de contas de Soraya, também disponível no TSE, consta um pagamento a Fabiano no valor de R$ 4.200, no dia 18 de agosto, pela locação de um veículo Renault Logan. Ao todo, ele recebeu R$ 10.200 das duas campanhas.
Manato foi procurado e confirmou que Fabiano prestou serviços para ele e para sua esposa durante o período eleitoral. “Eu conheci o pastor Fabiano porque ele ficava no trio elétrico nas manifestações e era presidente do grupo ‘Soberanos da Pátria’. Não só ele, mas outros líderes de movimentos da direita conservadora também atuaram comigo, na minha campanha”, disse Manato.
O ex-candidato disse que Fabiano, na época, era motorista de aplicativo e alugou seu carro para a campanha. Também contou que ele atuou na panfletagem e na coordenação de pessoal para a panfletagem nas ruas. “Ele trabalhou, eu paguei, está tudo descrito na prestação de contas”, disse Manato, negando ter envolvimento com atos antidemocráticos ou qualquer ligação com a prisão de Fabiano.
Manato disse também que Fabiano atuou em outras campanhas, como por exemplo, em 2020, na campanha a prefeito da Serra do deputado Alexandre Xambinho. Pelo trabalho de caminhada e panfletagem, em outubro de 2020, Fabiano recebeu R$ 1.607,50 do deputado.
Manato também conhece o advogado Marcelo Brasileiro, que também já teria atuado em algumas ações contra adversários políticos. “Marcelo tem relação comigo, ele foi candidato a vereador de Vila Velha em 2020, no partido PSL. Ele tem motocicleta também, participa de motociata, ele participou quando Bolsonaro esteve aqui”, disse Manato. Ele negou, porém, que estivesse ajudando a pagar a defesa de Fabiano.
Racha entre os movimentos de direita
A presença de Fabiano no acampamento em frente ao 38º BI e a sua postura nos atos – que teria motivado os mandados de prisão e de busca e apreensão contra ele – causaram divergências entre lideranças de movimentos bolsonaristas, principalmente com os mais antigos, que estão nas ruas desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Não há consenso sobre o apoio a Fabiano. Entre as divergências listadas por dois líderes de movimentos de direita, que pediram para não serem identificados para não sofrerem represálias, estariam três pontos principais:
O primeiro seria uma divergência com relação ao discurso do pastor, que contaria com eventuais ataques à honra dos ministros do STF e de autoridades do Estado. As lideranças contaram que o movimento, desde o começo, estaria evitando atacar as instituições e personalizar os ataques, que estavam cobrando esclarecimentos sobre o processo eleitoral e seu resultado, mas sem descambar para os xingamentos e ataques à honra.
A segunda questão repassada para a coluna é a de que Fabiano estaria usando o movimento para se autopromover com a finalidade de colher, lá na frente, frutos para uma carreira política, uma vez que ele já é ligado a alguns políticos no Estado. “Ele queria ser preso para poder sair como herói”, disse uma das lideranças que coordena um dos movimentos bolsonaristas. Outros líderes também viam como temerário usar o título de “pastor”, o que poderia passar uma falsa mensagem de perseguição religiosa, respingando em outros pastores.
E a terceira questão seria o fato de aliados de Fabiano estarem pedindo doações em dinheiro, via PIX, sem apresentar prestação de contas aos outros movimentos. “Ele criou o próprio movimento dele, a despeito dos que já estavam aqui. Há pedidos de doação em nome dele, mas não há transparência para onde está indo esse dinheiro. Alguns falam que seria para pagar os advogados, mas ninguém apresenta um extrato e nem o valor dessas despesas”, disse um dos coordenadores.
Haveria até uma carta aberta, assinada por quatro movimentos, desvinculando os grupos do movimento de Fabiano. A carta tinha sido preparada e seria divulgada, mas foi abortada com a deflagração da operação da Polícia Federal.
Defesa voluntária?
O advogado Marcelo Brasileiro disse que está atuando na defesa de Fabiano de forma voluntária. “Eu estou trabalhando de forma voluntária. Eu sei que não posso trabalhar de graça, mas também não posso me silenciar. O que eu tive informação é que algumas pessoas começaram a articular fundos para pagar as despesas com os advogados. Mas ainda não estou recebendo nada”, disse Marcelo.
“Recebi mais de 30 ligações de que teria uma pessoa organizando doações de PIX, não vou falar o nome, mas estão levantando doações para o Fabiano”, afirmou o advogado, sem dar detalhes de valores, de contrato e dos custos da defesa.
Questionado sobre o racha que a postura de Fabiano estaria causando entre os movimentos e o fato de nenhum ter saído em apoio ao seu cliente, Marcelo alegou ser “difícil agradar todo mundo”. “Mas, na sexta-feira (16), todos estavam com ele”, afirmou.
O advogado disse ser militar da reserva do Exército (não quis revelar a patente) e que também estaria à frente da defesa do empresário Max Pitangui. Perguntado se saberia o paradeiro do empresário e se tem mantido contato com ele, Marcelo se esquivou: “Não posso dizer isso”.
Com relação a Fabiano, ele disse que agora vai pautar sua defesa na tentativa de relaxar a prisão preventiva. Disse também que pediu asilo político para o cliente. “Mantida a prisão dele, vamos entrar com pedido de revogação da prisão preventiva, junto ao relator (ministro Alexandre de Moraes). Se não revogar, vou entrar com habeas corpus, para que o pleno do STF decida. Eu também enviei um pedido de asilo para a embaixada de Israel”.