O Senado Federal é considerado a “Câmara Alta” do Congresso Nacional. É a Casa legislativa que representa os estados de forma igualitária, tem atribuições específicas e relevantes – como por exemplo julgar crimes de responsabilidade de presidentes da República e de ministros do STF – tem status de “Casa revisora” e se destina a travar os debates mais densos do País.
O Senado não tem mais nem menos poder que a Câmara Federal, mas por sua própria característica, espera-se que seus membros sejam mais maduros, experientes, responsáveis e menos inflamados na atuação parlamentar, dentro e fora da Casa, na tribuna ou nas redes sociais, na vida pública e na privada. Pois bem.
Nesta segunda-feira (10), uma postagem do senador capixaba Marcos do Val (Podemos-ES) em diversas plataformas chamou a atenção e causou polêmica por ir justamente na direção contrária ao que se espera de um membro da “Câmara alta”.
Na postagem, onde defende a criação de uma CPMI para investigar os atos golpistas do dia 8 de janeiro – sob a tese de que o governo federal sabia dos ataques às sedes dos Três Poderes e supostamente não teria agido –, o senador fez uma montagem com a imagem do presidente Lula (PT).
A imagem mostra Lula jogado ao chão, de barriga pra baixo e rosto no pó, algemado com os dois braços para trás, presos, pelos punhos, a uma perna. O senador aparece ao lado, em pé, com os braços cruzados, posando como se fosse o responsável pela imobilização.
Na legenda, ele diz: “Prevendo o futuro… Isso será possível não só com Lula, mas também com o ministro BanDino. Essa técnica chamamos em português de ‘pacotinho de lixo’”, escreveu o parlamentar, fazendo referência também ao ministro da Justiça, Flávio Dino.
A postagem foi publicada duas vezes e nos milhares de comentários que a seguiram, incitação à violência e de agressão física contra o Presidente. “A imagem mais linda do ano, só faltou um olhinho roxo aí no elemento. Só pra mostrar que o amor venceu”. Um outro perfil, de um suposto atleta, diz: “Joga ele no canal da transposição do rio São Francisco”.
As hostilidades, porém, não pararam por aí. Em alguns comentários havia o pedido explícito de assassinato do Presidente. “Faltou o tiro na nuca”, disse um seguidor do senador. “No caixão seria melhor, está insuportável”, disse uma internauta, com perfil comercial. Um outro escreveu: “Preso não, mata logo”.
A coluna De Olho no Poder entrou em alguns perfis dos autores dos comentários, todos com foto e nome, o que sugere que são autênticos. Em seus perfis pessoas, um histórico de outras postagens semelhantes de ataques ao Presidente.
A coluna também borrou os nomes e fotos dos internautas e decidiu não publicar a montagem postada pelo senador.
Só no Instagram, o senador tem 782 mil seguidores e até a noite de ontem (10), as duas postagens somavam mais de 65 mil curtidas e 5.810 comentários. Mas, nem todos apoiaram a atitude do parlamentar.
Alguns seguidores rebateram a postagem e escreveram: “Que foto do mal. Certamente vem (de) mentes doentes”, disse uma seguidora. Outro escreveu: “Vai trabalhar, senador (…), só envergonhando os capixabas”.
Um outro disse ter se arrependido de ter votado no parlamentar: “Lamentável uma postagem desse impacto vinda de um senador da República. Como me arrependo de ter votado em um candidato que achei que fosse trabalhar em prol do povo (…) Bora trabalhar pelo Brasil e pelo Espírito Santo”.
A coluna apurou que tanto a imagem quanto alguns dos comentários foram encaminhados por lideranças petistas capixabas para o PT nacional, com um pedido de providências.
O que alimenta os ataques
Muito se discute sobre como combater os discursos de ódio na internet. Projetos tramitam no Congresso e, na sociedade civil, há um esforço para trabalhar na prevenção e conscientização, abordando uma comunicação não violenta e envolvendo comunidade escolar, família, igrejas e ONGs na tarefa.
Mas todo esse esforço vai por água abaixo quando agentes políticos, representantes do povo, usam desse expediente na comunicação com seus milhares de seguidores. Por serem pessoas públicas, influentes, é difícil medir até que ponto aquele discurso não irá encorajar ou incitar atos de violência. Porque dificilmente ficam só nos discursos. Nunca são só palavras.
É o ódio que faz com que uma pessoa invada a festa de aniversário de um desconhecido e o mate. É o ódio que faz com que dois amigos se esfaqueiem após uma discussão. É o ódio que move atiradores a entrarem em escolas e assassinarem professores e crianças.
Pode ser que o autor do comentário “faltou o tiro na nuca” do Lula nunca encontre o Presidente, que nunca tenha acesso ao petista para tentar uma ação criminosa. Mas ele pode encontrar um vizinho que discorde dele no elevador e, em questão de minutos, provocar uma tragédia.
Ontem, pouco antes da postagem do senador, o Espírito Santo e vários outros estados acordaram com mensagens falsas de ataques a escolas, o que gerou pânico nos pais e o esvaziamento das salas de aula. Na dúvida e com medo, muitos estudantes não foram estudar.
Qual o papel das autoridades nesse cenário? Que decisões devem tomar? Colocar um policial armado em cada instituição de ensino à espera do próximo ataque? Rastrear todas as pessoas em todo tempo na internet? Fechar as escolas? É preciso se combater o problema onde ele nasce, em sua raiz.
Não adianta fazer nota de pesar, decretar luto, protocolar um projeto de “medidas efetivas para a prevenção da violência nas escolas brasileiras” se continuar tratando o coleguinha do outro partido como um inimigo que precisa ser exterminado, se continuar abrindo espaço para que o ódio e a violência viralizem, se continuar usando a influência de um cargo público para potencializar o que o ser humano tem de pior.
Desde que foi descoberto que discurso raivoso dá voto, o que não faltam são candidatos para engrossar a bancada. Mas não custa perguntar: que fruto bom pode ser gerado da semente do ódio?
É preciso ter consciência que quem escolhe levar o debate político para esse lado, não pode, depois, se furtar de arcar com as consequências. Não pode reclamar do que virá. Pois já diz um ditado bastante antigo e muito observado, principalmente por religiosos: “a lei da semeadura é implacável”. Todos são livres para plantarem o que quiserem, mas são escravos e não escaparão de colherem o que plantarem. Estamos preparados para essa colheita?