'Igreja pode interpelar Bolsonaro', diz secretário-geral da CNBB
A CNBB ainda deve ser reunir para analisar e decidir como se pronunciar sobre a convocação feita pelo presidente da República para a manifestação de 15 de março,
O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Joel Portella Amado, indicou nesta quarta-feira, dia 26, que a Igreja Católica poderá questionar o presidente da República, Jair Bolsonaro, por difundir vídeos que convocam para manifestações de apoio a ele e contra o Poder Legislativo, conforme revelado pelo site BR Político, do Grupo Estado. O bispo cobrou "responsabilidade" de quem foi eleito e "equilíbrio" entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
"A Igreja estará apoiando as iniciativas que preservem a democracia. Qualquer outra nós precisaremos ouvir, conhecer e até quem sabe interpelar", disse dom Joel Portella, também bispo auxiliar do Rio de Janeiro. "Existe a corresponsabilidade de cada cidadão e a responsabilidade daqueles que pelo voto foram investidos."
A cúpula dos bispos ainda deve ser reunir para analisar e decidir como se pronunciar sobre a convocação feita pelo presidente da República para a manifestação de 15 de março, cujo alvo é o Congresso Nacional e os "políticos de sempre".
Outros materiais de divulgação do protesto contra o poder Legislativo, de cunho "conservador e patriota", também exibem fotos de generais do Exército que "aguardam ordens de povo", numa alusão à intervenção militar. Apoiadores de Bolsonaro dizem que o ato será em defesa dele, apresentado como "única esperança" e um presidente "trabalhador, incansável, cristão, patriota, capaz, justo, incorruptível".
"Se nós queremos defender a vida, precisamos defender o diálogo e a democracia. Isso é a CNBB, isso é a Igreja, isso é o Evangelho. De algumas coisas não podemos abrir mão: a primeira delas é a vida, e a segunda, como consequência da vida, é a defesa da democracia. Ela implica no equilíbrio sadio dos três poderes", disse d. Joel Portella, sob aplausos na sede da entidade em Brasília, ao lançar a Campanha da Fraternidade de 2020.
Apesar de citar uma possível "interpelação" ao presidente, o secretário-geral da conferência deu um sinal de que a entidade se dispôs a deixar divergências com o governo para trás.
Como o jornal O Estado de S. Paulo mostrou na segunda-feira, o governo abriu, com aval de Bolsonaro, um canal de aproximação com a CNBB por meio da ministra Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Ela se dispôs a ser uma ponte com o presidente para distensionar uma relação conflituosa até então.
"Foi uma conversa muito fraterna, na qual se disse as preocupações da CNBB. Ela apresentou as preocupações do governo, nesse quadro geral de vida ameaçada, e as duas assessorias ficaram de entrar em contato posteriormente para ver o que é possível fazer. Se for para o bem das pessoas, de modo especial para quem precisa e está sofrendo, qualquer diferença, qualquer situação, precisa ser deixada de lado", disse o bispo Portella. "Faz parte da longa tradição de seis décadas da CNBB dialogar sempre. Até na cruz Jesus dialogou. Essa é uma casa de portas abertas para quem quer venha falar, mas também venha ouvir."
Por meio de uma assessoria política e da comissão episcopal de ação sócio transformadora, a CNBB mantêm conversas com representantes dos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário.
Campanha da Fraternidade
A CNBB divulgou nesta quarta a Campanha da Fraternidade de 2020. O tema é a preservação da vida. Um dos tópicos do texto-base é o uso de redes sociais para disseminar conteúdos violentos. A Igreja alerta para o risco de cristãos entrarem na "dinâmica perversa" da redes.
"As redes sociais, infelizmente, têm funcionado, em muitos casos, como uma caixa amplificada que reverbera todos esses tipos de violência, causando grande mal à vida. A banalização da vida alcançou o mundo virtual por meio das fake news, dos perfis falsos e da disseminação de notícias caluniosas e raivosas sem nenhuma preocupação em verificar a veracidade do que se compartilha ou do que se curte. Esse cenário vem crescendo e ceifando vidas", diz o texto-base.
O documento também aborda temas como aborto, feminicídio, mortes no trânsito, assassinatos de crianças e de indígenas, desemprego, conflitos por terra e água, e preservação ambiental, contra o uso de agrotóxicos e a mineração.
"Essas manifestações de morte estão fazendo parte da paisagem cotidiana. Nós estamos acostumados, passamos por cima de todos os sofrimentos. Aí chamamos de indiferença. Existe essa segunda atitude, a morte, o sofrimento, a violência, como proposta. Está me incomodando, eu mato. Será que isso resolve o problema? Eutanásia social? Eutanásia da humanidade inteira quando tem algum problema? Essa é a pergunta que a Campanha da Fraternidade faz", afirmou d. Joel Portella.
A CNBB reproduz uma crítica do papa Francisco a governos, ao afirmar que atualmente o Estado se decida mais ao viés econômico do que ao cuidado com as pessoas.
"Se, por qualquer razão, o Estado se omite, ele se equipara àquelas que promovem a morte como nos casos de guerra", afirma a CNBB. "A incapacidade do Estado de frear a violência contribui para a banalização do mal, na medida em que grupos de extermínio determinam os que devem viver e os que devem morrer. Os poderes paralelos são fortalecidos por um Estado distante e acuado. Com isso, eles impõem a violência e a morte. Como se este fato já não fosse grave em si, ainda mais grave é a concepção daqueles que nutrem uma visão na qual o extermínio do outro soa como alívio."
A Campanha da Fraternidade existe desde 1962, sendo lançada após o carnaval, na Quarta-feira de Cinzas, quando se iniciam os 40 dias da Quaresma até a Páscoa.
A Igreja arrecada doações nas dioceses para apoiar projetos sociais em todo o País, entre eles as APACs, (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados). Coordenador executivo de campanhas da CNBB, o padre Patriky Samuel Batista disse que a "mão da Igreja" chega onde práticas usuais não alcançam.