Saúde

Médico com sintomas de depressão tem 95% mais chance de relatar erro

Estudo aponta para problema de duas vias: saúde mental pode afetar trabalho do médico, enquanto um erro médico pode desencadear no profissional sintomas depressivos

Foto: Divulgação
Ao mesmo tempo, médicos que cometeram um erro tiveram risco 67% maior de apresentar sintomas depressivos no futuro.

Um artigo veiculado na revista médica Jama Network Open traz informações relevantes sobre a associação entre saúde mental de profissionais da medicina e erros médicos. Segundo a pesquisadora Karina Pereira Lima, primeira autora do artigo veiculado em novembro de 2019, o texto apresenta um indicador preocupante: um médico com sintomas depressivos tem 95% mais chances de relatar ter cometido um erro médico, na comparação com colegas de profissão que não apresentam estes sintomas. 

“Existem diversos estudos que demonstram que a depressão e os sintomas depressivos são altamente prevalentes entre médicos, que a prevalência é maior do que na população geral. Isso vai para dois lugares. Claro que há o prejuízo para o próprio médico. E, de duas décadas para cá, os estudos vêm sugerindo que a saúde mental do médico e dos outros profissionais de saúde está associada à qualidade do cuidado que eles prestam aos pacientes”, conta a pesquisadora.

Os inventários identificam sintomas típicos, como humor deprimido na maior parte do tempo, perda de prazer e interesse em atividades, alterações de apetite, alterações de sono e sentimento de culpa inadequada. “Esses inventários vão perguntar sobre esses sintomas de depressão. Se a pessoa atinge um determinado score, isso é sugestivo de que ela apresenta depressão”, explica Karina.

No entanto, só seria possível afirmar que esses médicos têm depressão se eles tivessem passado por uma entrevista clínica com um profissional de saúde mental qualificado para estabelecer o diagnóstico – o que não foi o caso.

Relação bidirecional

Além de calcular a probabilidade de médicos relatarem problemas, o trabalho de Karina também sugere que tanto erros médicos podem causar sintomas depressivos quanto o contrário. Nos dados analisados, médicos que cometeram um erro tiveram risco 67% maior de apresentar sintomas depressivos no futuro, na comparação com médicos que não relataram erros. Na direção contrária, a presença de sintomas depressivos resultava em um risco relativo de 62% de relatar um erro médico no futuro.

Os números trazem implicações importantes para o cuidado com os pacientes. Erros médicos estão listados entre as causas dos “eventos adversos” ocorridos dentro de hospitais. Segundo dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar da UFMG, 54.769 pessoas morreram em 2017 em decorrência de eventos adversos graves relacionados à assistência hospitalar. Mais de 36 mil desses casos poderiam ter sido prevenidos. São números que constam no 2º Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, produzido pelo instituto da UFMG. O anuário classifica como evento adverso qualquer incidente que resulte em dano ao paciente.

Prevenção e tratamento

Para Sonia Regina Loureiro, professora da FMRP e orientadora de Karina na pós-graduação, reduzir e prevenir a depressão entre os médicos exige dois focos distintos de atenção, um nas instituições e outro nos próprios médicos, especialmente naqueles que são residentes em formação.

As instituições formadoras de médicos devem propor “programas de prevenção ao desenvolvimento e o enfrentamento dos problemas de saúde mental, os quais são frequentes e persistentes” e “avaliações organizacionais contínuas e sigilosas”, afirma Sonia, que é coautora do artigo. Ela defende que as instituições devem também “oferecer além dos treinamentos técnicos estratégias sistematizadas de desenvolvimento de recursos pessoais como parte da formação médica e valorizar e oferecer programas de intervenção que abordem tanto estratégias individuais quanto institucionais de tratamento dos problemas de saúde mental, em especial da depressão”.

Por: USP

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