Reflexões de mãe: como nossas feridas infantis influenciam na educação dos filhos
O ano era 2020, e minha filha aprendeu a envergar os olhos e começou a fazer isso de forma espontânea. Tentei explicar que isso poderia forçar a visão, mas ela continuava a fazê-lo. Algumas vezes, eu reagia com uma cara de desaprovação, até que, em algumas ocasiões, ela me disse que não fazia intencionalmente.
Quando ela disse isso, um alerta acendeu em mim. Conhecendo minha filha, sabia que ela não mentiria sobre algo tão simples. Se ela estava fazendo sem perceber, então era uma consequência física, e não uma ação para me provocar ou se divertir.
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Voltamos ao oftalmologista, que já a havia atendido no início do mês. Fiquei aliviada ao saber que o problema era, de fato, hipermetropia, e que o envergamento dos olhos era involuntário.
A recomendação era o uso de óculos, já que, se não fosse tratado, ela poderia desenvolver estrabismo. Inicialmente, senti alívio, mas, à medida que a situação foi se desenrolando, percebi que aquilo me incomodava mais do que imaginava: “Minha filha, aos 5 anos, precisa usar óculos o tempo todo!” Parecia um “defeito”.
Uma lembrança da infância de minha mãe surgiu: ela usava óculos de “fundo de garrafa” e um tampão para corrigir seu estrabismo, o que a fazia se sentir feia. Percebi que estava revivendo, de certa forma, meus próprios medos e inseguranças sobre imagem física.
No dia em que fomos buscar os óculos na ótica, foi uma surpresa. Minha filha colocou os óculos e quis usá-los imediatamente, adaptando-se facilmente, como se tivesse nascido com eles. Ela só os retirava para tomar banho ou dormir, como a médica recomendou. Para minha surpresa, não houve incômodos nem dificuldades de adaptação.
Na verdade, me dei conta de que o desconforto e o estigma eram muito mais meus do que dela. Minha filha, ao contrário, se sentia incrível com os óculos. Não só aceitou a situação com naturalidade, como se sentiu orgulhosa de ter algo novo para usar.
Essa experiência me fez refletir profundamente sobre como as feridas da nossa própria infância podem influenciar a forma como tratamos nossos filhos. O medo de que minha filha sofresse com a imposição de um “defeito” físico estava enraizado nas minhas inseguranças e nas expectativas de perfeição que carrego desde pequena. Ao projetar essas preocupações em Camila, deixei de enxergar sua verdadeira capacidade de lidar com as situações de forma leve e positiva.
Isso me fez perceber que muitas vezes somos influenciados por nossas próprias experiências e feridas infantis ao educar nossos filhos. Podemos, sem querer, transferir nossos medos e inseguranças, criando um ciclo de ansiedade e projeções que não condizem com a realidade das crianças.
A forma como tratamos os “defeitos” ou limitações deles muitas vezes reflete como lidamos com as nossas próprias vulnerabilidades. O importante é aprender com essas experiências, ajustando nosso olhar para a capacidade e resiliência dos nossos filhos, e não projetando sobre eles os fantasmas que carregamos da nossa infância.