Obesidade infantil: como combatê-la a partir da compreensão da história evolutiva do corpo humano?
Em vários momentos das nossas vidas, colocamo-nos ou somos colocados em uma área de conforto, inevitável ou não, e tudo parece inquietantemente calmo. Temos a leve sensação de que algo inusitado vai acontecer e nos acordar, nos chacoalhar, nos ensurdecer com um ruidoso estrondo. E realmente isso acontece.
Em uma das muitas leituras que fazemos da vida, na vida e para a vida, deparei-me com uma resenha no jornal sobre um livro intitulado “A história do corpo humano. Evolução, saúde e doença”, cujo autor é Daniel E. Liberman, chefe do Departamento de Biologia Evolutiva de Harvard, um cientista muito renomado em sua área. Aconteceu o que precisava acontecer: meus olhos se fixaram no título do livro e minha sagaz ansiedade me levou ao site de compras, levando o meu inquietante conforto para longe, cedendo lugar às inúmeras possibilidades de criação, imaginação e trabalho. Fantástico, não é mesmo?
A leitura atenta e prazerosa do livro iluminou a diferença entre a evolução cultural e a evolução biológica, fez-me compreender as transformações e modificações sentidas pelo corpo humano- como o bipedalismo, o desenvolvimento de um cérebro grande, as interações cooperacionais promovidas pela linguagem e a importância da energia para o organismo humano. Fiquei extasiado com tantas informações relevantes e a cada caminhada, passeio, brincadeiras físicas e corporais com meus filhos, pegava-me prestando atenção nas calçadas, nas escadas, em cidadãos caminhando e flanando pela cidade. Refleti sobre como poderíamos nos tornar menos consumistas e exagerados em relação às calorias e mais dispendiosos em relação às energias vitais do nosso corpo, buscando o tão almejado equilíbrio.
Avancei um pouco mais na concretude das ideias, embora muitas ideias ainda permeavam e vagavam sem um norte preciso em minha imaginação. Neste momento, para atender a uma exigência institucional do curso, precisei redigir um trabalho de conclusão para o Curso de Ciências Biológicas do Centro Universitário Católico de Vitória. A tarefa neste momento seria estabelecer uma relação entre as ideias do livro e as minhas inquietações cada vez mais frequentes e ter uma orientação pedagógica segura e incentivadora, fato que consegui magistralmente. Por que não propor a importância da contextualização da história evolutiva do corpo humano como uma ferramenta reflexiva e propiciadora de ações e práticas preventivas para a obesidade infantil? A obesidade infantil é considerada um problema de saúde pública global e tem aumentado significativamente nos últimos anos.
A evolução cultural, rápida e agressiva, trouxe mudanças importantes nas relações do Homo sapiens com os alimentos. Essas mudanças não foram acompanhadas pela herança biológica, pela evolução biológica que perpassou centenas de anos. Não estamos acostumados à alta ingestão calórica e ao baixo gasto energético (sedentarismo), levando-nos a experimentar um amargo incremento na prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, como a diabetes e a obesidade infantil.
Nesse sentido, temos de discutir com seriedade o assunto, levando-se em consideração as faixas etárias envolvidas e os eixos temáticos essenciais para o entendimento da história evolutiva do corpo humano, por exemplo, as vantagens do bipedalismo na história da linhagem humana, impactando positivamente na caça, na coleta e nos deslocamentos; na aquisição da postura ereta, evitando a perda desnecessária e altamente significante de calor/energia; a importância dos movimentos de apreensão mecânica, possibilitando as ações de pega e captura; da produção de suor como regulador da temperatura corporal, permitindo o percurso de longos trajetos sem sobreaquecimento da máquina corporal; na distribuição equilibrada da anatomia, um balanço ergonômico positivo de braços, pernas e troncos; nas práticas alimentares historicamente construídas e dos processos metabólicos responsáveis pelos ganhos e perdas de energia.
Esses eixos temáticos devem ser trabalhados por meio de propostas didáticas com metodologias apropriadas. A prevenção à obesidade, dessa forma, poderia ser discutida a partir do momento em que a história evolutiva do corpo humano fosse compartilhada didaticamente, principalmente, com alunos no ambiente escolar. Se formos capacitados e instigados, poderemos influenciar a elaboração de projetos e políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de cidades mais sustentáveis e receptivas à nossa história biologicamente construída e, assim, ajudarmos na prevenção de algumas doenças, como a obesidade infantil.