Quem sou eu nesta história?

Foto de Dr. Antonio Carlos Pacheco Filho
Dr. Antonio Carlos Pacheco Filho

A leitura da vida nos permite o encontro com muitas histórias. Mais de 20 anos atrás, uma das minhas crônicas se perdeu em alguma pasta de arquivo. O título? A Revolução dos Laptops. Naquela época, o laptop era a cereja do bolo da modernidade, representando um salto tecnológico imenso e a promessa de um futuro mais conectado e prático. Hoje, a palavra “inteligência artificial” ocupa esse posto de vanguarda. O que antes parecia impossível, agora é uma realidade que molda nossas vidas de formas que nem imaginávamos. É curioso pensar como a tecnologia evolui e como nossas noções de modernidade e inovação mudam junto com ela.

LEIA TAMBÉM: O papel fundamental da Vigilância Sanitária nas festas de fim de ano

Vivemos em um tempo marcado por dias quentes, rápidos, agitados e recheados de compromissos. Um mosaico de humanos e de máquinas se desenha no tempo. O tempo do agora, do imediato, do instantâneo, do “já…foi”!

Os humanos tornaram-se agentes transformados e de transformação, apertando e desapertando botões, ativando dispositivos, fazendo compras, aplicando moedas e bitcoins em ações, transferindo por aplicativos diversos euros e dólares em transações. Rabiscam-se as linhas de um mundo imerso em tecnologia. A promessa de uma revolução parece ao alcance de todos, mas muitas vezes vem acompanhada de um preço — um preço que, frequentemente, pagamos sem perceber.

Em um piscar de olhos, máquinas poderosas e aplicativos rápidos atraem olhares sedentos pela promessa de uma conexão instantânea a um mundo “gigabático” a ser explorado. Deslumbramo-nos com a criação, nos vemos envoltos em terras distantes, sem placas ou mapas, guiados apenas pelo fascínio do desconhecido. A tecnologia acelera nossas vidas e o mundo parece avançar a passos largos demais. Revoluções tecnológicas, impulsionadas pela inteligência artificial (IA), transformam a maneira como vivemos e nos relacionamos. As máquinas já não são apenas ferramentas; começam, agora, a moldar nosso comportamento, nossa criatividade e até nossas emoções.

O que antes era inovação agora se transforma em um novo modo de pensar — e, por vezes, de existir. A IA não é apenas uma ferramenta; é uma força transformadora, capaz de aprender, adaptar-se e, em muitos casos, tomar decisões por nós. Algoritmos preveem nossas necessidades, sugerem desejos e, em alguns momentos, sabem o que queremos antes mesmo de percebermos.

Imagine isso: uma máquina que “sabe” o que você quer antes de você mesmo. Agora, as máquinas fazem mais do que nos oferecer respostas: elas nos “conhecem” de maneira quase íntima, personalizando nossas experiências online e, frequentemente, nos conduzindo a escolhas que já não são totalmente nossas. Mas, à medida que a IA acelera nossas vidas, uma pergunta persiste: até que ponto estamos dispostos a abdicar da nossa autonomia, autoria e autenticidade em nome da conveniência tecnológica?

Será este o fim da solidão criativa que, por tanto tempo, alimentou os grandes pensadores, criadores e cientistas da história? Não se trata de qualquer solidão, mas daquela que se volta, roda e rodopia para o ato da criação. O isolamento criativo nos permite resgatar o imaginário, a capacidade de idealizar e construir um “herói interior”. Afinal, são as ideias — aquelas que desafiam o conformismo — que formam as bases de uma sociedade que se recusa a se render.

Estamos encantados pelas iluminadas telas, mas não podemos perder de vista que a verdadeira transformação precisa ser interior. Enquanto as crianças se divertem com jogos digitais, por que não iniciar uma mudança silenciosa e essencial? Um resgate do poder dos livros, das conversas genuínas ‘face a face’, da troca autêntica de ideias e, é claro, do bom som do tilintar das moedas, dados e dedos nos jogos de tabuleiro espalhados no chão. Devemos aprender a equilibrar a tecnologia com que é essencial à nossa humanidade.

“Como posso ajudá-lo?” — pergunta-me a inteligência artificial. Prontamente, respondo: “Escreva um desfecho para esta crônica”. E, em milissegundos, as possibilidades se abrem diante de mim.

O futuro não precisa ser apenas uma corrida para acompanhar a velocidade da tecnologia. Ele pode ser também uma jornada para resgatar o que temos de mais humano: a capacidade de sonhar, de ser autêntico e, mais importante, de construir um mundo onde a conexão verdadeira nunca seja substituída pela imediata interação das máquinas. O que nos torna humanos não é o número de dispositivos que possuímos ou a velocidade com que nos conectamos ao mundo, mas sim a nossa capacidade de refletir, criar e, acima de tudo, viver de maneira plena, com autonomia e autenticidade.

Muito obrigado, IA!

Foto de Dr. Antonio Carlos Pacheco Filho

Dr. Antonio Carlos Pacheco Filho

Biólogo, Bacharel em Direito e Doutor em Odontologia Preventiva e Social. @dr_antonio_pacheco