Central de videomonitoramento de Vitória. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória
Central de videomonitoramento de Vitória. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Reportagem especial

Câmeras no ES identificam adesivos em veículos e até diferenciam gêmeos

O Folha Vitória fez um raio X das câmeras inteligentes no Espírito Santo; entenda como funcionam

As câmeras não só gravam, como interpretam contextos por meio de dados. Com códigos e inteligência artificial, esses pequenos dispositivos podem evitar crimes, identificar placas e características, recortar detalhes, pesar veículos e, até mesmo, diferenciar irmãos gêmeos e encontrar pessoas desaparecidas.

A tecnologia das câmeras inteligentes já existe no Espírito Santo e está mais próxima dos capixabas do que imaginam. São os olhos da segurança pública, em pontos estratégicos, transformando em quase onipresente a vigilância.

O Cerco de Inteligência, integração de câmeras inteligentes criada pelo governo do Estado, é composto por 1.650 câmeras espalhadas por todo o Espírito Santo, organizadas em 290 pontos estratégicos, principalmente em regiões limítrofes entre as cidades.

Todas possuem tecnologia para leitura de placa e leitura de contexto, como cor do veículo ou alguma característica, como um adesivo de time colado na lataria. Os dispositivos também identificam se o motorista está usando cinto de segurança.

Na imagem, é possível ver retângulos em verde. É a Inteligência Artificial trabalhando.

Cerco Inteligente. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória.

Entre os anos de 2023 e 2025, houve redução de 27% no furto e roubos de veículos no Estado por influência do Cerco Eletrônico. Desde 2022, foram 1.389 veículos recuperados com ajuda das câmeras.

Em uma sala de reuniões da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), o subsecretário de Comando e Inovação, Guilherme Pacífico, recebeu a equipe do Folha Vitória e forneceu detalhes sobre o uso das câmeras pelo Estado e suas múltiplas funcionalidades.

Secretaria de Segurança Pública. Foto: Thiago Soares.

“Nós temos uma infinidade de bancos de dados, civis, criminais, de inteligência, de veículos e da Fazenda. São protegidos pelo Estado. As imagens coletadas ajudam a controlar o ambiente físico em todos os seus aspectos: na segurança pública, no trânsito, nas catástrofes, nas questões de sinistros… Ou seja, a câmera não está apenas para a segurança pública, ela regula o crescimento da cidade. A câmara serve para tudo“, explicou.

Câmeras inteligentes do ES já podem reconhecer pessoas e tecnologia está em fase de teste

Em 2024, o Estado lançou um projeto-piloto para reconhecimento facial nas câmeras do Cerco Inteligente.

Com o reconhecimento facial, será possível identificar procurados pela Justiça, outras pessoas que estão em grau de vitimização e localizar desaparecidos.

Neste momento, a Sesp testa a tecnologia, com dois grupos de trabalho em andamento, para definir qual a melhor tecnologia de reconhecimento facial a ser utilizada. A previsão é de contratar uma delas ainda no primeiro semestre deste ano.

Guilherme Pacífico. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

“O reconhecimento facial é fabuloso. Em frações de segundo, a tecnologia pode pegar a sua foto de quando você tinha oito anos e, agora, mesmo já adulta, conseguir identificar. Da mesma forma, pegar uma pessoa que tá de boné, de barba, de óculos… a câmera trabalha com algorítimos. Consegue diferenciar gêmeos, por exemplo, porque interpretam dados. As câmaras do nosso estado conseguem fazer isso, nós estamos treinando”, disse.

Machine Learning: câmeras inteligentes podem ser treinadas para prever crimes

Na Sesp, existe um núcleo de cientistas de dados para trabalhar com a Inteligência Artificial das câmeras.

A ideia é transformar as informações da segurança pública em algorítimos e condicionar as câmeras a prever alguns crimes, o chamado machine learning.

Esses profissionais reúnem informações, por meio de estudos, de quais seriam as pistas para um crime de feminicídio ou tráfico de drogas, por exemplo, e condicionam a máquina a ler estes sinais e emitir avisos. Assim, a tecnologia responde automaticamente ao que precisa.

Hoje, no Espírito Santo, o treinamento das máquinas para prever crimes está em teste, mas para reconhecimento de placas, por exemplo, a assertividade das câmeras é suficiente.

Max Costa Machado é analista da Gerência de Tecnologia da Informação da Sesp. Ele conta que, no início, precisaram treinar as câmeras cruzando os bancos de dados manualmente, até a tecnologia ter ferramenta para trabalhar sozinha.

Max Costa. Foto: Thiago Soares/Folha Vitoria.

“A gente analisava todos os dados e o índice de assertividade da leitura da câmera, porque não é 100% de acurácia, não tem nenhum sistema no mundo que vai ter 100%. No início, essa verificação era feita manualmente, porque eu precisava dizer se aquela placa que o sistema leu realmente estava de acordo com a realidade. Será que era um L ou um i? Será que era um zero ou era um O?”, explicou.

O treinamento da tecnologia atende, também, outras áreas do Estado. O Departamento Estadual de Trânsito (Detran), por exemplo, realizou customização da tecnologia para identificar vans escolares irregulares.

Então, a câmera inteligente emite um aviso, com base no cruzamento de dados, se aquele veículo está irregular.

A Secretaria da Fazenda também possui sua funcionalidade específica. São 90 pontos espalhados pelo Estado para pesar veículos por meio das câmeras.

São sensores no asfalto que ajudam a câmera a estimar o peso por meio do dimensionamento do veículo.

Cerco Inteligente não é videomonitoramento; saiba a diferença

Com tantos artifícios, é fácil de imaginar que exista uma grande sala com várias telas e profissionais da segurança pública observando as imagens. Mas, o Cerco Inteligente não possui essa funcionalidade, que é o de videomonitoramento.

Para o que o Cerco Inteligente se propõe a fazer, não é preciso que os policiais vigiem as câmeras em busca de identificar um carro ou uma pessoa. A própria máquina já está treinada para fazer essa identificação.

Se for o caso, vai emitir um alerta e, então, os profissionais verificam as imagens.

Em Vitória, capital do Espírito Santo, a proposta é de videomonitoramento. Neste, sim, existe uma grande sala onde os guardas municipais acompanham o movimento da cidade, já que estão lidando com um território mais limitado e, portanto, podem observar atentamente um bairro, por exemplo.

Com as câmeras, os sistemas de segurança do município é interligado com outras funcionalidades, como o Botão do Pânico da Lei Maria da Penha, Botão do Pânico Escolar e SOS Comércio.

Quando um destes alarmes toca, os guardas podem utilizas as câmeras para identificar as movimentações recentes no local.

A inteligência artificial também está presente nas 1.128 câmeras da Capital, com uma dinâmica parecida com o que ocorre no Cerco Inteligente.

É possível treinar a máquina para identificar carros suspeitos e até monitorar uma área, como explica Sedrik de Andrade, gerente da Central Integrada de Operações e Monitoramento da Guarda Civil Municipal de Vitória.

Sedrik de Andrade. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória.

“Eu tenho a opção de fazer filtros. Por exemplo, eu posso pegar todos os carros brancos que passaram naquela avenida ou selecionar apenas ônibus. Nós temos também o que chamamos de detecção de intrusão. Eu faço determinadas marcações em alguns ambientes onde temos as câmeras e digo para ela: ‘Olha, se alguém entrar aqui das 23h às 6h da manhã, toca o alarme para mim’. A câmera toca um alarme para a gente e mostra a imagem em tempo real do que está acontecendo”, informou.

Sorria, você está sendo filmado

Outras cidades da Grande Vitória também possuem seus próprios meios para o videomonitoramento. Quando necessário, são utilizados em parceria com o Cerco Inteligente do Governo do Estado.

Em Vila Velha, são 52 câmeras que fazem parte do que o município chama de Muralha Eletrônica, localizadas em pontos estratégicos para a segurança pública, e outras 110 câmeras de videomonitoramento.

O município da Serra possui mais de 200 câmeras de videomonitoramento distribuídas nos bairros. Elas ficam em pontos estratégicos com grande movimentação de pessoas, com concentração de comércios, nas proximidades de escolas, praças e unidades de saúde.

Cariacica possui um sistema de monitoramento, composto por 100 câmeras distribuídas em pontos estratégicos da cidade. Segundo a prefeitura, a tecnologia é utilizada tanto para organizar o trânsito quanto para reforçar a segurança pública.

As tantas câmeras inibem as atitudes criminosas. Antes de agir, o suspeito sabe que está sendo vigiado e, possivelmente, será identificado, como diz o Secretário de Segurança Urbana de Vitória, Amarílio Boni.

Amarílio Boni. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória.

“A tecnologia faz parte de um todo para reduzir a criminalidade. Então, quando colocamos as câmeras, mostramos para o cidadão: olha, aqui está sendo monitorado. A câmera permite uma resposta rápida. Quando nosso agente chega ao local, ele já tem informações do que está acontecendo, porque nossas câmeras estão ali”.

A privacidade e a segurança dos dados são importantes nestes casos. É preciso entender que a tecnologia usada nas câmeras inteligentes tem um foco específico, é condicionada para monitorar atitudes suspeitas e não invadir a privacidade da sociedade.

O engenheiro da computação e especialista em segurança da informação, Otávio Lube, afirma que a transparência é palavra-chave para o poder público dar uma resposta à sociedade sobre a vigilância, principalmente quando envolve dados.

“São muitas aplicações positivas. O que pode acontecer é uma sensação de controle demasiado por parte dos entes públicos. Por isso a importância de lidar com transparência e ética com os dados. É preciso deixar claro o não compartilhamento desses dados com entidades privadas e garantir, claro, uma infraestrutura segura que impeça o vazamento de dados, o que é um grande desafio. O governo pode e deve ser auditado pela Autoridade Nacional de Dados Pessoais (ANPD), para garantir isso”, disse.

A tecnologia caminha em busca da perfeição. Cada dia mais possibilita um trabalho minucioso utilizando técnicas de retroalimentação, o que permite uma infinidade de funcionalidades por parte da gestão pública.

Não só no Espírito Santo, mas em outros estados e países a tecnologia permite que ninguém passe despercebido, seja por reconhecimento facial ou geolocalização.

Carol Poleze, repórter do Folha Vitória
Carol Poleze Repórter
Repórter
Graduada em Jornalismo e mestranda em Comunicação e Territorialidades pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).