Ditadura no ES

"Cadê meu bebê?": envie a sua história para a reportagem da TV Vitória

Pessoas que perderam um filho, irmão, neto ou outro familiar de forma repentina durante a ditadura militar podem enviar seus relatos ao jornalismo da Rede Vitória

Foto: Reprodução/ TV Vitória
Foto: Reprodução/ TV Vitória

Alguém da sua família foi dado como morto, mas você nunca teve acesso ao corpo ou à certidão de óbito? Você nasceu em um hospital de Vitória na época da ditadura e nunca conheceu seus pais biológicos?

Pessoas que perderam um filho, irmão, neto ou outro familiar de forma repentina durante a ditadura militar podem enviar seus relatos ao jornalismo da Rede Vitória.

Durante três anos, o jornalismo da TV Vitória/Record ouviu relatos de famílias que tiveram bebês registrados como mortos, sem explicação, após serem internados em um hospital infantil da Capital capixaba durante a ditadura militar.

Com direção de Thiago Bruniera, a repórter Nathalia Munhão, os cinegrafistas Bruno Alves, Diego Simão e Patrick Loureiro e a produtora Mayra Bandeira realizaram varreduras em arquivos públicos, fizeram buscas por certidões de óbito, visitaram cemitérios e conversaram com os protagonistas dessas histórias.

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Os relatos narrados em quatro reportagens especiais da série “Cadê meu bebê?”, estão sendo exibidas ao longo desta semana no Balanço Geral ES. Você pode revê-las na página especial no Folha Vitória.

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Famílias capixabas ainda procuram bebês registrados como mortos na ditadura

Era 28 de julho de 1966 quando Angélica Hollunder nasceu em uma casa no distrito de Paraju, em Domingos Martins, na Região Serrana do Espírito Santo.

Com menos de duas semanas de vida, a criança passou mal e os pais a levaram até o consultório médico. O profissional de saúde indicou que a família fosse com Angélica até o Hospital Infantil de Vitória.

Ela tinha apenas 14 dias de vida quando foi internada. A família tinha apenas o hospital na Capital como referência para tratar a criança.

“Na época, não era permitido ficar acompanhado. Os pais não podiam acompanhar a criança. Ela ficou lá. Passados dois dias, a minha mãe voltou lá e viu a menina. Isso foi acontecendo por um mês. A cada vez que mamãe chegava lá, a menina estava melhor”, disse Alair Hollunder, irmã de Angélica.

Foto: Reprodução/TV Vitória

Após quase dois meses internada, a família recebeu a notícia da morte de Angélica. “Na segunda-feira, minha mãe foi decidida. Falou: ‘Hoje eu não volto para casa sem a minha filha’. Quando ela chegou lá, as enfermeiras estavam na porta. Não a deixaram entrar no hospital. Simplesmente falaram para ela que a criança morreu e já foi enterrada”.

Começava ali, a angústia e o sofrimento. “‘Aonde vocês enterraram a minha filha?’ Naquela humildade, muito simples, sem instrução, pensar o que fazer, eles só perguntaram isso. Falaram que foi enterrada no Cemitério de Santo Antônio. Eu sempre ouvi o lamento da minha mãe. Quando ela voltou para casa, as pessoas começaram a falar: isso não tá certo. Eles não poderiam ter enterrado sem vocês verem o corpo”.

Nós íamos olhar todo dia como ela estava. A cada vez ela melhorava mais. Ela ficou quase dois meses lá. Só falaram que ela morreu e que já estava sepultada”, conta Alida Hollunder, mãe da criança.

A família de Wanderli Marchiori passou por uma situação semelhante cerca de um ano depois, em julho de 1967. O garoto de Linhares, no norte capixaba, foi levado ao mesmo hospital aos 2 anos após passar mal.

“Quando eu passei pela porta, fiquei assustada. Tinha muitas crianças, muitas mães estavam dentro do hospital. Como nunca tinha vindo no Hospital Infantil, fiquei assustada. Eu não sabia o que estava reservado para mim naquele momento”, desabafou a mãe.

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Cerca de dois dias após deixá-lo no hospital, os parentes voltaram para saber notícias da criança.

“Quando a gente voltou, eles procuraram a criança dentro do hospital todo e não acharam. Foram ao fichário dele e falaram que o bebê tinha morrido no mesmo dia em que eu o internei, e que enterraram a criança no sábado. Eles não falaram a causa da morte. Não deram nada de documento para a gente. Nunca mais vimos a criança”, conta Maria da Glória Marchiori, mãe de Wanderli.

Segundo ela, Wanderli estava bem. Para ela, não há explicação a morte do garoto. “Ele estava bem, eu nem sei porque o médico de Linhares mandou a gente vir para cá”.

Mortes inexplicadas de bebês do ES começaram antes

Outros casos semelhantes já haviam ocorrido antes. Em novembro de 1964, uma criança de Marilândia, no interior do Estado, teria nascido intersexo — com os dois órgãos sexuais. Com dois anos, foi marcada uma cirurgia para redesignação sexual de José Roque Fabres.

“O médico disse que tinha que esperar ele completar 2 anos para fazer a cirurgia. Quando ele completou, o meu avô e o meu pai o trouxeram à Vitória. Deixaram ele internado. Na época, não podia ficar acompanhante com criança”, contou Rita Fabres, irmã do garoto.

Dois dias após a cirurgia, a família conta que, ao voltar do interior para o Hospital Infantil da Capital para visitar o menino, recebeu a notícia da morte.

Falaram que ele tinha morrido e que tinha enterrado. Meu avô pediu a documentação, a certidão de óbito que teria sido assinada pela minha mãe e pelo meu pai, mas não apareceu nada“, afirma Rita Fabres, irmã do menino.

Para as três famílias ouvidas pela reportagem, as mortes não tinham explicação. As perdas dos bebês capixabas nunca foram compreendidas e esquecidas.

“O que aconteceu com o meu irmão? Não teve certidão de óbito, não teve nenhuma documentação entregue pelo hospital. Quero muito encontrá-lo, se ainda estiver vivo”, desabafou Rita.

Foto: Reprodução/TV Vitória

O que aconteceu com os bebês?

O jornalismo da TV Vitória/Record analisou dezenas de livros de registro de óbito dos cemitérios da Prefeitura de Vitória. Em um deles está o nome de Angélica Hollunder. Para fins oficiais, ela morreu em 16 de setembro de 1966 e foi enterrada como indigente.

Wanderli Marchiori está registrado como morto e, embora também tivesse família e documentos, no livro oficial do município é apresentado como indigente.

O nome de José Roque Fabres não foi encontrado nos registros oficiais da Prefeitura.