Fortes chuvas que geram enchentes, alagamentos e deslizamentos de terra; períodos longos de estiagem e ondas de calor cada vez mais frequentes são alguns dos efeitos das mudanças climáticas que atingem o Brasil. E o desafio hoje é justamente prevenir desastres climáticos em cidades mais quentes e vulneráveis, principalmente na Grande Vitória.
Diante de fenômenos como esses, a atenção é voltada para a necessidade dos municípios se prepararem no Espírito Santo. Para isso, a reportagem do Folha Vitória conversou com especialistas e com as administrações municipais da Grande Vitória.
Desastres climáticos: planeta cada vez mais quente
Há várias propostas que visam mitigar os problemas, mas uma certeza é unânime: não dá mais para ignorar os sinais do nosso planeta, que está cada dia mais quente. Dentre as alternativas contra desastres climáticos estão investimentos em áreas verdes, jardins de chuva e drenagem urbana.
Um dos exemplos do quanto as cidades são vulneráveis aos eventos climáticos ocorreu no mês de janeiro, quando mais de mil pessoas precisaram deixar suas casas por conta das chuvas que atingiram municípios como Cachoeiro de Itapemirim, Rio Bananal e Sooretama.
Leia também:
> Golfinhos são avistados na costa de Vitória e biólogo explica fenômeno
> Água limpa, vida saudável: a importância do saneamento
“Só consegui salvar o fogão e a roupa do corpo”, diz porteira
Prejuízo, destruição e recomeço. Muitos moradores e comerciantes conhecem o ciclo gerado pelos efeitos climáticos e entre eles está a porteira Josiana dos Santos, de 41 anos, afetada pelas chuvas no mês de dezembro, na Ilha das Flores, em Vila Velha.
Sabemos que ali é uma região feita de morros e alaga. Após uma forte chuva, a água entrou na minha casa e ficamos com água até a cintura no primeiro andar, tudo isso foi muito rápido. É uma cena que não desejo para ninguém, conta Josi.
Ela disse que acabou perdendo todos os móveis e eletrodomésticos na chuva. “Só consegui salvar o fogão, televisão e a roupa do corpo. O resto perdi tudo, não tive coragem de voltar e aluguei em outro lugar”.
Veja o vídeo:
E essa não foi a primeira vez que a chuva afetou a moradora: “Todo fim de ano é a mesma apreensão, também fui afetada pela chuva no ano de 2023”.
Desequilíbrio climático e agravamento de eventos extremos
A coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Ufes, Daniella Bonatto, destaca que a urbanização desordenada ou planejamento urbano mal direcionado geram consequências sobre os desequilíbrios climáticos e agravamento de eventos extremos.
A expansão urbana desnecessária, pressionada pelo setor imobiliário, leva à mudança do uso da terra, ocorrendo supressão das áreas verdes, excesso de impermeabilização do solo, formação de ilhas de calor, alterações nas dinâmicas hídricas, alagamentos e deslizamento de terra, diz a professora.
Aumento do verde urbano e despoluição de águas
Segundo Daniella, as estratégias para o enfrentamento dos problemas passam pelas duas maiores causas: a mudança do uso da terra com supressão de áreas verdes e impermeabilização do solo e os transportes, responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa pela queima de combustíveis fósseis.
“As estratégias envolvem: aumentar o verde urbano, como arborização viária, praças, parques lineares ao longo de cursos d’água; uso de telhados e paredes verdes; horta urbanas; despoluir as águas urbanas, renaturalizar córregos e rios”, afirma a professora.
Daniella também apontou a necessidade de usar estratégias de infraestrutura verde e outras soluções para serem implementadas pelas grandes cidades.
“Usar estratégias de infraestrutura verde e outras soluções baseadas na natureza para drenagem de águas pluviais, substituir asfalto e concreto por pisos drenantes, implantar jardins de chuva, usar bacias de contenção; usar cisternas para captação e reuso de águas pluviais; frear a expansão urbana desnecessária”.
Além disso, entre as alterações necessárias estão aliar o planejamento urbano e o ambiental, com ações que já são, por exemplo, realizadas em outros países, deixando “as cidades mais andáveis” para pedestres e ciclistas.
De olho no céu e nas chuvas intensas
O meteorologista do Climatempo, Guilherme Borges, afirma que o aumento das chuvas previstas para o verão de 2025 está associado à mudança nos padrões de circulação atmosférica e na dinâmica dos sistemas meteorológicos.
“A atuação do fenômeno La Niña, que influencia o regime de chuvas em diversas regiões do Brasil, pode provocar um aumento da umidade e da instabilidade atmosférica, favorecendo a formação de nuvens de chuva mais intensas”.
Além disso, o aquecimento das águas do Atlântico Tropical contribui para o transporte de umidade para o interior do continente, intensificando a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), um dos principais sistemas responsáveis pelas chuvas no verão brasileiro.
Segundo Borges, o aumento da umidade disponível na atmosfera potencializa a ocorrência de eventos de chuva intensa e prolongada.
Outro fator importante é o aumento da temperatura da superfície terrestre, que favorece a convecção, ou seja, o movimento ascendente do ar quente e úmido, resultando em maior formação de nuvens carregadas e, consequentemente, em chuvas mais volumosas.
“Buscar soluções na própria natureza”, diz arquiteto
Para o arquiteto e urbanista, ex-presidente e conselheiro vitalício do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/ES), Tito Carvalho, uma das propostas mais categóricas para enfrentar o aquecimento urbano é buscar soluções na própria natureza.
Cidades do mundo todo estão implementando soluções baseadas em princípios ecológicos, como a criação de parques lineares e cidades-esponja, capazes de absorver a água das chuvas e liberar lentamente para o sistema de drenagem.
Além disso, o especialista explica que a integração de espaços urbanos com a natureza gera impactos. “Podemos não só mitigar os efeitos do aquecimento global, mas também promover um ambiente de vida mais saudável e equilibrado”.
Alguns exemplos de soluções são a criação de parques, espaços verdes e áreas-esponja. Além disso, a recuperação e preservação de rios e áreas de várzea, ao invés de sua canalização e ocupação desordenada, são fundamentais para a prevenção de enchentes e deslizamentos.
Como as cidades da Grande Vitória enfrentam o problema?
Procurados pelo Folha Vitória, municípios da Grande Vitória informaram que já atuam no sentido de conter os impactos das mudanças clímáticas.
Dentre as ações estão investimentos em obras de macrodrenagem, microdrenagem, intervenções em corpos hídricos, estações de bombeamento, construção de galerias, contenção de encostas e retirada de pessoas de áreas de risco de alagamentos.
A Serra já possui um parque linear na Avenida Civit I, dentro do Sistema Viário Sérgio Rogério de Castro, e Vila Velha vai construir área semelhante no Canal da Costa.
Prefeitura de Vitória
A Prefeitura de Vitória explicou que grande parte do território de Vitória é uma ilha formada por morros cercados por áreas baixas de aterro.
Com isso, a administração destaca que investe em caráter permanente em ações e obras para mitigar os deslizamentos de terra e alagamentos.
Diante disso, foram realizadas novas redes de drenagem e manutenção das redes, contenção de encostas e ações para retirada de pessoas de áreas de risco de alagamentos e deslizamentos de terra, com a oferta de imóveis em áreas geologicamente seguras.
“Além disso, está em andamento o maior investimento em macrodrenagem da capital em um único contrato: é a macrodrenagem da Grande Santo Antônio (R$ 139,6 milhões), que beneficia os bairros Mário Cypreste, Santo Antônio, Inhanguetá, Estrelinha, Grande Vitória e Universitário”.
O segundo contrato em vigor, segundo a prefeitura, é a requalificação das cinco estações de bombeamento de águas pluviais (R$ 93.872.061,58). “Elas controlam o nível das águas das chuvas nas galerias de macrodrenagem da cidade, evitando ainda que a maré alta entre nas galerias, provocando alagamentos em períodos secos”.
Também é explicado que, a cidade é monitorada, em caráter permanente, pelo projeto Mapenco (Mapeamento das Áreas de Risco das Encostas do Município de Vitória).
Esse serviço tem como principais objetivos a caracterização, a localização, o dimensionamento, a classificação e a disponibilização de dados de risco de caráter geológico-geotécnico.
Prefeitura de Vila Velha
Segundo a Prefeitura de Vila Velha, em parceria com o Estado, estão sendo investidos R$ 1 bilhão na construção de nove novas estações de bombeamento de águas pluviais, com a entrega seis e outras três em andamento.
Também é realizada construção de galerias; no programa de desassoreamento dos canais; na construção de comportas para a água do mar não entrar na cidade; e na limpeza e manutenção programada dos canais e da microdrenagem, evitando a retenção de água.
“As seis novas Estações de Bombeamento de Águas Pluviais (Ebaps) são Cobilândia, Marilândia, Foz do Costa, Laranja, Aribiri e Rio Marinho. Outras três Ebaps estão em construção: Bigossi, Parque das Gaivotas e Pontal das Garças”.
A Secretaria de Obras da Prefeitura Vila Velha está realizando obras de macrodrenagem do Canal do Congo que vão beneficiar 13 bairros da Região 5, uma vez que a água da chuva é direcionada naturalmente para esse canal.
Prefeitura da Serra
A Prefeitura da Serra destacou que, possui, desde 2016, o próprio Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), que realiza o mapeamento das áreas com potencial de erosões, deslizamentos, inundações e outros tipos de desastres.
Esta análise detalhada permite que a Prefeitura da Serra implemente medidas para reduzir os riscos e melhorar a qualidade de vida dos moradores.
De acordo com o coordenador da Defesa Civil da Serra, Tenente Coronel Fábio Maurício, o município já obteve resultados significativos nos últimos anos. “Temos um plano de 2016 que foi implementado e mostrou que após o trabalho de investimento houve uma redução de 50% nas situações de risco mapeadas na época”.
A Serra foi o único município capixaba selecionado para participar do projeto, que conta com recursos federais e cuja coordenação dos trabalhos está sob responsabilidade da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), por meio do Laboratório de Geomorfologia e Gestão de Redução de Risco de Desastres (LabGR2D).
Além disso, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) informa que para prevenir enchentes e alagamentos, é realizada a manutenção constante de todos os canais existentes do município, os mesmos são assoreados naturalmente com carreamento de material quando chove, então são desassoreados pela Secretaria Municipal de Serviços (Sese), para que o fluxo de água corra sem problemas.
A equipe da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur) também afirmou que realiza constantemente uma fiscalização efetiva de ocupações irregulares de pessoas em aterro de áreas ilegais, para que a população não ocupe áreas que estão sujeitas a alagamentos.
Para enfrentar os problemas gerados pelas mudanças climáticas, a Serra vem fazendo diversas ações a um tempo, como: o município conta com sete unidades de conservação.
Além de ter várias ações para realizar a economia de energia, como as placas de energia solar em todas as escolas do município, a mudança de toda a iluminação da cidade para as lâmpadas de LED que iluminam mais e economizam mais, obtendo menos gastos de energia.
Prefeitura de Cariacica
Desde 2021, a Prefeitura de Cariacica já investiu mais de R$ 61 milhões em obras de contenção e prevenção contra desastres naturais em diversas regiões.
Além das obras, foram criados o Plano Municipal de Redução de Risco, o Plano Diretor de Águas Pluviais da Bacia do Rio Itanguá e o Plano Municipal de Contingência.
O Plano Municipal de Redução de Risco identifica e analisa as condicionantes geológico-geotécnicos e ocupacionais que determinam se pode haver deslizamentos de encostas que afetem a segurança de moradias.
“O Plano Diretor de Águas Pluviais da Bacia do Rio Itanguá tem por objetivo criar os mecanismos de gestão da infraestrutura urbana relacionados com o escoamento das águas pluviais e dos rios em áreas urbanas e rurais. Já o Plano Municipal de Contingência tem por objetivo integrar as ações de agentes externos e das secretarias municipais às ações de proteção e Defesa Civil em benefício da população”.
Além disso, a Secretaria de Obras informa que realiza intervenções pontuais para prevenir alagamentos, como em obras de pavimentação e drenagem a fim de melhorar o escoamento de águas pluviais.
Prefeitura de Viana
A Prefeitura de Viana informou que investe em diversas obras para a prevenção de desastres naturais e a mitigação dos efeitos extremos associados a esses eventos. Entre os investimentos estão obras de macrodrenagem, microdrenagem, drenagem e pavimentação e construção de muros de contenção.
O município realizou um estudo hidrológico abrangente das áreas de risco identificadas. Este estudo envolveu uma análise detalhada das características hidrográficas locais, incluindo padrões de precipitação, escoamento superficial, capacidade de drenagem e topografia, a fim de identificar áreas suscetíveis a alagamentos e deslizamentos.
O que o governo do Espírito Santo está fazendo?
Diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas e pela urbanização, o governo do Espírito Santo, por meio da Secretaria de Estado de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano (Sedurb), tem adotado medidas estratégicas para minimizar os impactos de alagamentos, enchentes e deslizamentos de terra.
“Com um investimento de R$ 724 milhões, o Estado tem avançado na macrodrenagem urbana, entregando e executando obras em municípios como Vila Velha, Cariacica, Viana, Colatina e Cachoeiro de Itapemirim”.
As ações incluem a construção de estações de bombeamento, comportas de maré, parques lineares e sistemas de drenagem pluvial, reduzindo alagamentos e promovendo maior segurança hídrica.
Além da infraestrutura, o governo do Estado também aposta em soluções sustentáveis, como a preservação de áreas verdes e a criação de parques lineares, como o de Vila Velha, no Canal da Costa, que ajudam na absorção da água da chuva e contribuem para a resiliência urbana.
“O compromisso do governo do Estado é seguir investindo em planejamento urbano e tecnologia para enfrentar os desafios climáticos e melhorar a qualidade de vida da população capixaba”.