Arte com Lacan
O grande psicanalista Jacques Lacan, em texto no qual faz homenagem à Marguerite Duras – por seu livro O Arrebatamento de Lol V. Stein –, afirma que a escritora revela saber e antecipar, sem ele e sem se dar conta, o que ensina em seus Seminários. Com isso Lacan diz que os artistas precedem os psicanalistas pois, mesmo que estes não saibam o que dizem – Duras lhe afirma não saber de onde veio Lol, sua personagem – eles o fazem antes que qualquer outro possa fazê-lo. Trata-se, para Lacan, da antecipação de algo a ser dito, a ser desvelado. Trata-se do próprio inconsciente, esta outra cena que nos rege e da qual nada sabemos.
Aí está, pois, a importância da arte para a psicanálise, encontro para o qual o próprio Freud jamais faltou ou chegou atrasado, visto que sempre se deixou por ela ensinar. Podemos pensar, então, que é o psicanalista que vai ao encontro da arte, porém, o Centre Pompidou-Metz (França), resolve inverter a ordem deste encontro e, de 31 de dezembro de 2023 à 27 de maio deste ano, 2024, decidiu mostrar ao público não somente obras de arte que estiveram/estão presentes no percurso de Lacan, mas sobretudo trabalhos inspirados pelos efeitos do encontro de diversos artistas com a psicanálise. Por isso esta importante iniciativa/homenagem, seus organizadores a denominaram, originalmente, em francês, « LACAN, L’EXPOSITION : Quand l’art rencontre la psychanalyse » ou, em português, «Lacan, a exposição: Quando a arte encontra a psicanálise».
A ideia da origem, propulsora desta «expo», foi a de que seu pensamento – essencial não somente para a clínica psicanalítica, mas também para compreender nossa contemporaneidade – permaneceu, até nossos dias, no plano museológico, inexplorado, ainda que Lacan tenha mantido uma relação mais que estreita com as obras de arte, bem como com muitos artistas. Muito próximo a vários deles do século XX (S. Dalí, A. Masson, G. Bataille, Picasso e Dora Maar, Duchamp, Duras e outros, e de outros séculos, como Velásques e seu As Meninas, por exemplo), Lacan jamais deixou de recorrer à arte em todos os momentos de seu ensino. Assim, esta exposição, que acaba de se encerrar, deu lugar à obras que «mostram», de alguma forma, conceitos e noções que atravessam seu ensino como «o estádio do espelho», o «corpo despedaçado» «a queda», «lalangue», o «gozo» o «Nome-do-pai», o «falo», o «objeto a»: o «seio», a «merda», a «voz», o «olhar» e, finalmente, «o furo». Também foram contempladas algumas de suas aporias como «A mulher não existe» e «Não há relação sexual».
Para cada um destes conceitos/fórmulas lacanianas foi criada uma secção da exposição com obras nelas inspiradas. E não poderiam faltar as figuras topológicas, pois a topologia, os nós borromeanos e outras, serviram a Lacan, melhor, ele delas se serviu, para fazer a «monstração» (termo forjado para distinguir seu encaminhamento daquele da ciência, que é o da «demonstração») do que queria sustentar como uma «novação», como a teorização de sua práxis que era não sem a arte.
Meus olhos tiveram a feliz chance de admirar este trabalho cujo catálogo, com textos de vários psicanalistas, tende a ser o registro de um momento histórico para a psicanálise.