Arte Visual: apreciar ou ritualizar?
A imagem escolhida para introduzir este assunto foi obtida de uma fotografia tomada diante do retrato de Mona Lisa (veja abaixo), uma das obras mais conhecidas de Leonardo da Vinci, pertinente ao acervo do Museu do Louvre em Paris.
Diante dela, vê-se o aglomerado de pessoas ávidas para observá-la ou, melhor dizendo, ávidas para tomarem uma imagem dela. Esta conduta se assemelha à sanha dos paparazzi na ânsia de obterem fotografias de celebridades. Obviamente a Mona Lisa é, de fato, uma celebridade.
No contexto da Arte e ao longo de sua existência estimulou muitas histórias em torno dela. A mais famosa foi o furto que sofreu em 1911 perpetrado por Vincenzo Peruggia, que, durante a noite, retirou a pintura de sua moldura e a levou sem qualquer constrangimento.
O furto do qual foi vítima e a publicidade que se desdobrou em torno dele, tem sido apontado como um dos motivos de tê-la tornado tão famosa no mundo todo. É uma das obras mais reproduzidas em todos os tempos.
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Quem sabe seja justamente sua popularidade que estimule milhares de pessoas a frequentarem a sala do nicho blindado no qual ela reside, passando a alguns metros distantes dela por alguns minutos apenas para olhá-la rapidamente, fotografá-la ou fotografar-se.
Não se pode dizer que, sob tais condições, alguém possa apreciá-la. O termo Apreciação é usado para identificar processos que observam estruturas e procedimentos capazes de gerar sentido e significação, portanto, Apreciação implica em: Contemplação, Avaliação, Análise, Crítica e outros meios de estudo.
O mais insólito, na situação de apreciação de uma Obra de Arte concorrida como a Mona Lisa, é impossível fazer isto em minutos, neste sentido, este tipo de visita se torna apenas um ritual turístico.
Por outro lado, não se pode ignorar que o contexto social também é constituído de “rituais” e visitar museus é um deles. Um ritual se configura como uma ação cerimonial, ou seja, impregnada de sensações e sentidos que operam no nível dos valores simbólicos ou representativos.
A visita a um museu quebra a rotina do dia a dia ao se tornar uma experiência inusitada, isto se deve em parte à configuração dos ambientes museográficos que contam com iluminação, disposição dos elementos, obras, objetos, estruturas expositivas que, ao fugirem dos lugares comuns, instauram cenários cujas sensações se afastam das percepções habituais e evocam, potencialmente, uma experiência simbólica.
Não se pode perder de vista que as manifestações artísticas não são apenas a parte ornamental e decorativa da cultura, tampouco são apenas objetos de distinção social apropriados pelo poder para mostrar-se como dominante.
Elas existem como um campo onde se travam debates, diálogos e lutas nas quais estão em jogo não só os aspectos formais ou estéticos, mas conhecimentos e valores humanos.
Não é o mercado ou os altos preços pagos por certas obras de arte que as qualificam, mas os valores humanos que contém. Independente do gosto ou o interesse mercantil as obras de arte são relevantes para a sociedade e a cultura na medida em que são capazes de estabelecer interações entre os seres humanos.
Desde os primeiros tempos, ao criar imagens, o ser humano passou a promover relações que se diferenciavam das interpessoais que deviam ser realizadas entre os componentes do mesmo grupo. Pode-se supor que o princípio das interações intergrupais pode ter surgido a partir da apreciação das primeiras imagens.
Ao criar uma imagem na superfície da caverna um ser humano requeria a interação, a mediação com outras pessoas que, por hábito, acaso, necessidade ou movidas pela curiosidade, pelo estranhamento, deslumbramento ou encantamento a apreendiam.
De um modo ou de outro, não é crível que uma imagem passasse despercebida, tampouco que não chamasse a atenção das pessoas que a vissem dado o potencial de atratividade que possuísse. Era, no mínimo, algo curioso: algo que se encontrava fora da natureza, mas que se referia a ela; algo que não era palpável, mas que sugeria que sim.
É de se supor que a interação com uma imagem não fosse algo insensível às percepções humanas e, por isto, simbólica.
Quando se fala em simbólico, se fala de algo que vai além do sentido ou informação imediata ou literal, no qual entram aspectos subjetivos, afetivos ou transcendentes como ideias, valores e sentimentos. Esta é também uma característica da arte visual na medida em que só a aparência não revela tudo, é necessário interagir com ela para apreender seus significados.
Se visualizar, vislumbrar, ver uma imagem implica em questionar várias de suas características – sua configuração, sua origem, quem, como e por que a produziu. Uma imagem não passa incólume, requer reflexões e questionamentos destinados a apreendê-la e aprendê-la.
O mesmo acontece com as demais manifestações da arte visual contemporânea. Não se pode apenas buscar as configurações imagéticas, mas também acessar as proposições que implicam em análises mais abertas, livres e conceituais.
Não se pode esperar que instalações, intervenções e performances usem as mesmas estratégias que as imagens, pois requerem interatividade. Não se espera uma atitude passiva, mas ativa. Há que se interrogar, desafiar, confrontar o que se propõe para extrair sentidos e significações. Não se deve esquecer também que são justamente estas interações ativas por meio da análise, reflexão e crítica que promovem o conhecimento sobre Arte e em Arte.
Apreciar obras de arte não é dar uma “olhadela”, de passagem, mas desenvolver um processo de apropriação e construção de conhecimento.