Entenda qual é o papel do orientador na arte
O artista mineiro Amílcar de Castro, que lecionou muitos anos na UFMG e na Escola Guignard, em Belo Horizonte, disse-me em uma das várias entrevistas que realizei, que não ensinava arte, o que ele fazia era observar o trabalho do aluno e indicar possibilidades pelas quais poderia desenvolver seu caminho.
Orientar e ensinar são metodologias diferentes. A primeira trabalha com a premissa de que o aluno já desenvolve uma pesquisa e o que requer é um olhar para melhor avançar; a segunda, pressupõe um estudo mais dirigido onde o professor passa exercícios diversos com o objetivo de constituir, junto a este aluno ou aluna, todo um arcabouço técnico-téorico da matéria.
Em minhas notas de aula e de atelier, volta e meia encontro alguns escritos de aulas e/ou orientações que julgo interessantes para quem transita por este mundo fascinante que é o aprender e o ensinar. Este pequeno artigo trata-se de uma dessas experiências.
Uma estudante, em um dos encontros para orientação de arte comigo, chegou com vários trabalhos debaixo do braço e um sorriso. Perguntei-lhe: “O que você trouxe hoje?” E ela respondeu, em tom de brincadeira, que trazia ela mesma.
Em seguida, mostrou um certo número de desenhos de uma série que tem a denominação geral “Paisagem Sonora”, mas que dependendo do viés tem outros nomes; alguns desenhos feito com costura e fotografia sobre um tecido fino e o projeto de um livro infanto-juvenil que ela escreveu e pretende ilustrar.
Achei interessante ela dizer que trazia ela mesma, a disponibilidade de estar presente, de colocar-se à disposição. À disposição de quê? À disposição do projeto, do fazer, das demandas da arte que, uma vez acionadas, passa a exigir. Lembrei-me da frase: “você se ajoelha diante do seu trabalho?”, extraída de um texto do Elias Canetti, que discuti aqui nos meus dois artigos anteriores. Dizer que trazia a si mesma, significava devotar-se ao trabalho?
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Algumas reflexões dessa orientação
Paisagem sonora – desenho do chão. Trata-se de dois exercícios fundidos em um só: o “paisagem sonora” é o exercício de desenhar de olhos fechados os ruídos e demais sonoridades do entorno, utilizando somente os elementos: pontos, linha e plano sem o apelo da figuração, é o exercício de desenhar um detalhe do chão que estiver pisando, em qualquer lugar onde se encontrar, a lápis ou caneta, e depois descrever no verso do papel, como foi o processo, as observações do momento, as lembranças que vierem à cabeça, seguindo o fluxo mental. Ela apresentou alguns desenhos do quintal da casa dela, e outros de suas caminhadas pela praia.
Na praia, ela ficava parada em um determinado lugar, os pés na areia, deixando a água vir e ir, levando e trazendo os grãos de areia que rolavam em seus pés, formando estrias curvilíneas no chão. Desenhando com atenção, ela transformava esses acontecimentos em pontos e linhas que, iam surgindo fluídas na folha branca.
No emaranhado das linhas, características do lápis ou da caneta, ela buscava transpor com este material conceitual mínimo (ponto e linha), a diversidade de sensações que aquela proposição lhe trazia: estar de pé na areia, ficar imóvel, sentir o movimento das águas nos pés, ver, escutar, deixar existir os pensamentos, lembranças que vinham à mente e ter tempo…
O suporte. Ele dizia que não sabia porque desenhava sempre em uma pequena folha de papel medindo 21x21cm. Mas na continuidade do discurso, entendeu e disse que este era um tamanho mais à mão, mais fácil de carregar e de desenhar em pé.
E acrescentou que, ao se colocar de pé na areia, ela sentia que ocupava um espaço, mais ou menos de um metro quadrado, e que essa medida (1 m2) é de onde ela parte para tirar medidas do corpo de uma pessoa para costurar uma roupa. Achei essa justificativa muito plausível, o suficiente para ela abandonar a proporção áurea (21x32cm), dos papeis oferecidos nas papelarias e construir um conceito de quadrado (21x21cm.) Uma medida “mais à mão” para quem caminha e desenha em pé.
O quadrado que deixa, portanto, de ser conceitual e apresenta na vida, na mão, no pé, no corpo, na ideia: Com o quadrado ela pensa a casa, pensa o quadro, pensa o imensurável: o corpo. E aí podemos dizer: pensar o imensurável, não é essa a tarefa da arte?
Considerações. Ela já vinha fazendo esses desenhos há alguns meses, sua gaveta já guardava quase uma centena desses desenhos. Ela gosta deste processo e percebe que ele é prenhe de possibilidades, que se conecta a outras práticas e que se expande.
E agora, ela pergunta, como continuar? Comento: esses desenhos existem e se desdobram, continuam acontecer em papel e passaram a acontecer em costura. São desenhos de uma qualidade estética admirável. Penso então que é tempo desses desenhos aparecerem, serem mostrados.
Os meios (os espaços) estão aí na cidade, abertos ou fechados, mas que precisam ser conquistados, pensados, escolhidos construídos ou inventados. Não é só postar no instagram ou mostrar numa galeria, ou tentar um edital, são todas essas coisas e um pouco mais, porque mostrar, expor também faz parte do ensino e aprendizado.