Vida secreta de Sr. José: uma leitura de “Todos os Nomes”
Há alguns anos, impactada pela leitura do livro “Todos os nomes”, de José Saramago, inseri alguns de seus aspectos em textos acadêmicos sobre o processo de criação em artes visuais.
Acreditando que aspectos da obra do escritor português são bastante atuais, dou-me ao direito de recolocar aqui aquele romance.
De modo sucinto, há um cartório geral de registros civis em que trabalha o Sr. José. Ele possui uma particularidade, que é viver em uma casa geminada ao cartório.
Trata-se de uma interessante arquitetura – duas casas contíguas, três portas – sendo que a porta que as interliga é trancada por uma chave.
Pois o Sr. José é o possuidor desta chave; no entanto, embora ele a possua, não lhe é permitido o direito de uso, com o risco de ser demitido e desalojado da casa.
Fato de interesse é que o Sr. José, em suas horas vagas, coleciona notícias de celebridades de seu país.
Dando-se conta de que muitas das informações sobre famosos constavam nos arquivos do cartório, ele passa a acessá-lo à noite, quando seria impossível repreendê-lo pela conduta.
Desse modo, o Sr. José constrói para si uma jornada dupla de trabalho. Digamos que o trabalho diário o submete às ordens de seus superiores.
No entanto, a noite o transforma em senhor daquela “grande nave de arquivos”, pois pode acessar o quê e como quiser, no intuito de abastecer sua singular coleção.
Temos então duas figuras para o mesmo personagem: a figura solar do funcionário e a figura lunar do colecionador de notícias.
(Esta história continua na próxima semana)