Você se ajoelha diante do seu trabalho?
O fato se deu por intermédio de Anna Mahler, que gostava de conviver com artistas e personalidades da cultura austríaca e gostava também de promover encontros de artistas. Canetti chegou ao atelier e Anna conduziu-o a um jovem, que ajoelhado diante da escultura, trabalhava em sua porção inferior.
“Quando entrei no atelier e Anna disse meu nome, Wotruba estava de costas para mim e não se levantou. Não tirou os dedos da argila, mas continuou a modelá-la. Ainda de joelhos, voltou a cabeça em minha direção e disse numa voz profunda, encorpada: ‘O senhor também se ajoelha diante do seu trabalho?’ Canetti entendeu que era um gracejo que servia de desculpa por ele não ter prontamente se levantado para o aperto de mãos. Nele, porém, mesmo um gracejo tinha peso e significado. Com o “também” dava-me as boas vindas, equiparando seu trabalho ao meu; o “ajoelha” expressava uma expectativa, ou seja, a de que eu levasse meu trabalho tão a sério quanto ele levava o dele.
Foi um bom começo.” Pode ser que o estar ajoelhado, trabalhando fosse apenas uma posição mais cômoda para aquele fazer, mas propô-la como questão, o escultor trazia à cena um caráter espiritual, o da devoção. Devoção que segundo Kant seria “a disposição espiritual que nos torna capazes de sentimentos de dedicação para com Deus”, a qual se pratica mediante certas formas, onde ajoelhar é um dos seus gestos mais elevados.