Você também se ajoelha diante do seu trabalho? Parte 2
No artigo anterior escrevi sobre a questão “trabalho”, tecendo uma reflexão a partir de uma foto enviada pela profa. Margarete Sacht e a frase “você também ajoelha diante do seu trabalho?” dita pelo escultor Wotruba ao escritor Elias Canetti.
Conforme prometido aqui contínhamos o assunto, começando pelo entendimento comum do significado da palavra trabalho em nossos dias: obrigação, necessidade, castigo, tarefa obrigatória e indesejável, da qual aspiramos nos livrar, viver sem fazer nada ou aproveitar a vida na desejável aposentaria.
Sim, desde a antiguidade, o trabalho era visto sim como condenação, ou coisa para os servos. A própria Bíblia mostrava o trabalho como castigo divino. Foi preciso São Paulo ressignificar esse conceito ao escrever: “Quem não quer trabalhar, não coma”. A preguiça entrou para o hall dos pecados capitais e o trabalho passou a ter dignidade: não era mais, tarefa de escravos e vassalos, mas atividade livre a ser exercitada por todo mundo, segundo sua necessidade.
Com isso, surgiu no meio do caminho, a contraposição entre trabalho manual e atividade intelectual, artes mecânicas e artes liberais. O intelecto passou a reinar sobre o corpo. Filósofos e literatos defenderam a vida contemplativa em oposição à vida ativa. E há quem pense assim até hoje. eles não entenderam Giordano Bruno: “se ocupe na ação das mãos e na contemplação do intelecto de tal maneira que não se contemple sem ação e não se obre sem contemplação”. E ele não estava sozinho, artistas e sonhadores, pensadores como Galileu, Descartes, Leibniz, insistiram na importância do trabalho dos agricultores, dos marinheiros, dos músicos, dos comerciantes, dos artesãos, não só em proveito da ciência, mas também da civilização e da vida. O trabalho educa, constrói.
Para ler a primeira parte deste artigo, acesso o link:
https://www.folhavitoria.com.br/colunas/artemais/artigos/voce-se-ajoelha-diante-do-seu-trabalho/
Trabalhar não simplesmente um ofício executado por um salário, mas o caminhar para conhecer a cidade, ir aos parques para conhecer árvores, se banhar na praia para sentir o balanço do mar, fazer teatro para se emocionar, cozinhar para se alimentar e também reunir pessoas, cuidar do jardim da rua para ela ficar mais bonita e habitável, e em contrapartida, como diz um amigo, o jardim cuidar de você, escrever para pensar, desenhar, pintar para criar imagens… e está lista não terminaria aqui.
O trabalho assim pode nos salvarmos da escravidão, da ignorância (porque estudar é um trabalho), da pobreza, aquela pobreza da qual falava Sêneca: “pobre é aquele que precisa de muito”. É desse trabalho que fala Wotruba, um trabalho ao qual voce dedica, devota sua atenção e se transforma. Claro que há no trabalho partes que não temos afinidade, mas que é preciso ser feito para que alcancemos o que gostamos e temos afeto. O grande Henry Thoreau já tinha feito as contas, ele disse que só precisaríamos trabalhar 75 dias por ano, para ter o suficiente para viver. o resto do tempo seria …?
É de se perguntar, na franja da modernidade, que está acontecendo com a vida moderna? Porque ela não consegue cumprir a promessas de um vida melhor? Talvez porque uma vida melhor não se encerre em sistemas políticos, econômicos ou científico, mas em experiências individuais e coletivas que tenham foco na generosidade, na comunhão, no amor (amor, essa palavras gasta, mas da qual nunca nos abdicamos).
A Profa. Margarete Satch ao escrever na legenda da fotografia a palavra oração, certamente viu ali aquela disposição espiritual que nos torna capazes de sentimentos de dedicação ao trabalho como ato de construção, de aprendizagem, de invenção, da qual a arte, a consciência, o trabalho são caminhos.