Você também se ajoelha diante do seu trabalho? Parte 2

Foto de Fernando Augusto
Fernando Augusto

No artigo anterior escrevi sobre  a questão “trabalho”, tecendo uma reflexão a partir de uma foto enviada pela profa. Margarete Sacht e a frase “você também ajoelha  diante do seu trabalho?” dita pelo escultor Wotruba ao escritor Elias Canetti.

Conforme prometido aqui contínhamos o assunto, começando pelo entendimento comum do significado da palavra trabalho em nossos dias:  obrigação, necessidade, castigo, tarefa obrigatória  e indesejável, da qual aspiramos nos livrar, viver sem fazer nada ou aproveitar a vida na desejável aposentaria.

Sim, desde a antiguidade, o trabalho era visto sim como condenação, ou coisa para os servos. A própria Bíblia mostrava o trabalho como castigo divino. Foi preciso São Paulo ressignificar esse conceito ao escrever: “Quem não quer trabalhar, não coma”. A preguiça entrou para o hall dos pecados capitais e o trabalho passou a ter dignidade: não era mais, tarefa de escravos e vassalos, mas atividade livre a ser exercitada por todo mundo, segundo sua necessidade.

Com isso, surgiu no meio do caminho, a contraposição entre trabalho manual e atividade  intelectual, artes mecânicas e artes liberais. O intelecto passou a reinar sobre o corpo.  Filósofos e literatos defenderam a vida contemplativa em oposição  à vida ativa. E há quem pense assim até hoje. eles não entenderam Giordano Bruno: “se ocupe na ação das mãos e na contemplação do intelecto  de tal maneira que não se contemple sem ação e não se obre sem contemplação”.  E ele não estava sozinho, artistas e sonhadores, pensadores como Galileu, Descartes, Leibniz, insistiram  na importância  do trabalho dos agricultores, dos marinheiros, dos músicos, dos comerciantes, dos artesãos, não só em proveito da ciência, mas também da civilização  e da vida. O trabalho educa, constrói.

Para ler a primeira parte deste artigo, acesso o link:

https://www.folhavitoria.com.br/colunas/artemais/artigos/voce-se-ajoelha-diante-do-seu-trabalho/

Trabalhar não simplesmente um ofício executado por um salário, mas o caminhar para conhecer a cidade, ir aos parques para conhecer  árvores, se banhar na praia para sentir o balanço  do mar, fazer teatro para se emocionar, cozinhar para se alimentar e também  reunir pessoas, cuidar do jardim da rua para ela ficar mais bonita e habitável, e em contrapartida, como diz um amigo,  o jardim cuidar de você, escrever para pensar, desenhar, pintar para criar imagens… e está lista não terminaria  aqui.

O trabalho assim pode nos salvarmos da escravidão, da ignorância (porque estudar é um trabalho), da pobreza, aquela pobreza da qual falava Sêneca: “pobre é aquele que precisa de muito”. É desse trabalho que fala Wotruba, um trabalho ao qual voce dedica, devota sua atenção e se transforma. Claro que há no trabalho partes que não temos afinidade, mas que é preciso ser feito para que alcancemos o que gostamos e temos afeto. O grande Henry Thoreau  já tinha feito as contas, ele disse  que só precisaríamos trabalhar 75 dias por ano, para ter o suficiente  para viver. o resto do tempo seria …?

É de se perguntar, na franja da modernidade, que está acontecendo com a vida moderna? Porque ela não consegue cumprir a promessas de um vida melhor? Talvez porque  uma vida melhor não se encerre  em sistemas políticos, econômicos ou científico, mas em experiências individuais e coletivas que tenham foco na generosidade, na comunhão,  no amor (amor, essa palavras gasta, mas da qual nunca nos abdicamos).

A Profa. Margarete Satch ao escrever na legenda da fotografia a palavra oração, certamente viu ali aquela  disposição  espiritual que nos torna capazes  de sentimentos de dedicação ao trabalho como ato de construção, de aprendizagem, de invenção, da qual a arte, a consciência, o trabalho são caminhos.

Foto de Fernando Augusto

Fernando Augusto

Artista plástico, pintor, desenhista e fotógrafo. Professor do Departamento de Artes da UFES. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP - Sorbonne).