Como se começa a ser professor

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Larissa O’Hara

Huberman, em sua obra “O ciclo de vida profissional dos professores”, caracteriza os primeiros dois ou três anos de atuação docente como um período de “sobrevivência” e “descoberta”. Esse estágio inicial envolve o contato direto com a prática pedagógica, em que o professor começa a se adaptar ao ambiente escolar e às demandas do ensino.

A fase de sobrevivência está ligada ao que ele chama de “choque do real”, uma experiência marcada pelo confronto com a complexidade da profissão. Nesse momento, o educador percebe a discrepância entre suas expectativas idealizadas e as exigências da rotina diária, o que pode gerar desafios significativos.

Por outro lado, o aspecto da descoberta se relaciona à excitação inicial, quando o docente se encontra motivado pela novidade da prática e pela possibilidade de testar diferentes métodos e abordagens. Há um certo fascínio em estar à frente de uma turma e assumir responsabilidades pedagógicas.

Huberman também aponta que, segundo a literatura empírica, esses dois aspectos — o da sobrevivência e o da descoberta — ocorrem simultaneamente. É o entusiasmo gerado pela descoberta que acaba servindo de suporte emocional para que o professor consiga enfrentar as dificuldades inerentes à fase de sobrevivência.

Pude vivenciar a descrição de Huberman sobre as fases iniciais da docência, marcadas por “sobrevivência” e “descoberta”, de maneira bastante prática. Iniciei minha carreira docente aos 19 anos, ainda no começo da graduação em Letras na Universidade Federal do Espírito Santo. Sem a formação completa para atuar em escolas, vi em um cursinho preparatório para concursos públicos a chance de dar os primeiros passos na profissão.

As aulas ocorriam aos sábados, com três horas de duração, e eu recebia R$ 30,00 por hora-aula, sem qualquer benefício ou segurança trabalhista. Mesmo assim, para mim aquilo representava uma oportunidade valiosa de vivenciar a profissão que eu tanto almejava.

No meu primeiro dia de aula, optei por uma blusa social com gola, calça formal e sapatos fechados, na tentativa de parecer mais madura. No entanto, minha aparência juvenil não seria tão fácil de disfarçar. Decidi usar maquiagem, pois sabia que ela ajudaria a me dar um aspecto um pouco mais envelhecido.

Lembro-me de um episódio que acabou marcando toda a minha trajetória como professora. Um aluno, desconfiado da minha capacidade por conta dessa aparência jovial, decidiu me testar com uma pergunta inesperada. Eu explicava que a Gramática Normativa engloba o estudo da ortografia, morfologia, sintaxe e semântica, quando ele me interrompeu com a pergunta: “Como se escreve a palavra ‘muçarela’?”

Respondi que era com dois “s”, mas estava equivocada.

A palavra “muçarela” tem origem no italiano “mozzarella”, que é escrita com dupla consoante “z”. É provável que, no Brasil, o “ss” tenha sido usado instintivamente como uma adaptação ao “zz” da grafia original, até se tornar amplamente aceito.

A razão para a grafia correta envolve o próprio sistema ortográfico da Língua Portuguesa. Em palavras de origem estrangeira que foram aportuguesadas, o “z” da forma original foi frequentemente substituído pelo “ç”, para aproximar-se dos sons que já existem no nosso idioma.

Embora a versão mais comum no uso cotidiano seja “mussarela”, com dois “s”, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), publicado pela Academia Brasileira de Letras (ABL), reconhece “muçarela” como a grafia correta, adaptado do italiano “mozzarella”.

Ao fazer uma pergunta no estilo de “pegadinha” e fora de contexto, ficou evidente que o aluno estava testando meu conhecimento para desafiar minha autoridade naquele ambiente. E, para ser honesta, ele não estava totalmente errado — eu não estava preparada para dar aula de português para concurso. Mas eu tinha cara de pau suficiente para me arriscar e aprender a ser professora sendo professora. E é bem verdade que só se aprende a ser algo, realmente, sendo-o.

A maior lição que tirei desse episódio no início da minha jornada profissional foi o valor da honestidade quando não se tem uma resposta. Em vez de tentar disfarçar, o mais autêntico é admitir: “Não sei, mas vou verificar” ou “Vou pesquisar e na próxima aula te trago a resposta”.

Essa transparência fortalece a confiança dos alunos, mostrando que o professor é humano e está à vontade em não saber tudo. A humildade, afinal, é essencial, pois permite que reconheçamos nossas limitações e nos mantenhamos abertos ao aprendizado contínuo.

Hoje, se eu pudesse oferecer um conselho a um jovem professor que está começando na carreira, eu diria: no corpo, vista a sua melhor blusa de gola; na face, a sua maior cara de pau; e no coração, a sua crescente humildade.

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Larissa O’Hara

Graduada, mestra e doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Possui especialização em Revisão de Texto e em Psicopedagogia. Trabalha como professora há mais de quinze anos, tendo atuado em diversas instituições. Já acompanhou o desenvolvimento de centenas de alunos em aulas ministradas em seu curso de redação. Publicou variados livros. Atualmente, é professora efetiva na rede estadual de ensino do Espírito Santo.