“Antifragilidade”: o que escolas e famílias podem fazer
Quando minha filha era criança, eu frequentemente me divertia ao observá-la caminhar. Na verdade, muitas vezes eu a via mais saltando do que caminhando. Se havia uma poça d’água, então, o salto sobre ela era quase certo!
Quantas vezes nós, pais e educadores, presenciamos nossos filhos “fazendo arte” e nos perguntamos: “Por que gostam tanto de correr riscos?” Parte da resposta pode estar no fato de as crianças serem antifrágeis por natureza.
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O termo “antifrágil”, criado pelo estudioso Nassim Nicholas Taleb, refere-se a “sistemas, organizações ou indivíduos que não apenas resistem ao caos e à incerteza, mas que se beneficiam e crescem com eles.”
Neste texto, vamos focar nos indivíduos e refletir sobre como escolas e famílias podem ajudar a desenvolver a antifragilidade em crianças e adolescentes.
Pais de crianças que estão começando a vida escolar sabem que o ingresso em uma creche ou escola tende a trazer algumas “ites”: otite, faringite, rinite, gastroenterite, entre outras.
Isso é o sistema antifrágil das crianças em ação (apesar de todas as vacinas que tenham). Além disso, passamos a lidar com mordidas de outras crianças, arranhões e machucados de quedas, por exemplo.
O que podemos fazer para evitar essas situações? Na verdade, o aprendizado, para crianças e adultos, está em como lidamos com esse caos e incerteza, ao invés de simplesmente tentar evitá-los. Afinal, nenhuma família considera deixar o filho fora da escola para evitar as “ites” e os arranhões.
O autor Jonathan Haidt, em seu best-seller A Geração Ansiosa, explica: “As crianças são antifrágeis e se beneficiam do brincar com risco e de uma base segura, que as ajuda a reativar o modo descoberta. E uma infância baseada no brincar tem muito mais chances de oferecer isso que uma infância baseada no celular.”
Como escolas e famílias podem ajudar as crianças a desenvolver a antifragilidade? Aqui estão algumas dicas, baseadas no trabalho de Haidt, no projeto Let Grow (Deixe Crescer) – disponível em [letgrow.org](https://letgrow.org/) – e em minhas observações cotidianas como educador.
As escolas podem:
– Fornecer uma base segura, impondo menos regras e confiando mais: as crianças precisam de um ponto de referência seguro, um adulto a quem podem recorrer em caso de dificuldades. Haidt afirma que “a função da base segura é ser o ponto de partida para aventuras longe dela, onde ocorre o aprendizado mais valioso.” O excesso de controle impede que as crianças criem suas próprias regras e relações com os colegas e aprendam a explorar o ambiente.
– Proibir smartphones durante o dia: essa medida permite que as crianças brinquem e socializem mais presencialmente, expondo-se a riscos a partir de uma base segura e vivenciando conflitos próprios de cada faixa etária.
– Rever as estruturas dos parquinhos nas escolas: parquinhos com estruturas fixas oferecem poucas possibilidades de exploração e entretêm por um tempo limitado. Disponibilizar peças soltas para que as crianças possam construir seus próprios objetos não apenas incentiva a criatividade, mas também as habilidades de negociação e trabalho em equipe, essenciais para lidar com o caos concreto do mundo físico e o abstrato das relações.
– Criar clubes propostos pelos alunos: fomentar a criação de clubes a partir dos interesses dos alunos, como ocorre em muitas escolas americanas, abre espaço para protagonismo de fato e tomada de riscos. Para os mais novos, pode-se oferecer o “clube do brincar”, em que os alunos podem permanecer no ambiente escolar brincando livremente com outras crianças sob supervisão de um adulto, que intervém apenas em emergências.
– Engajar as famílias na educação coletiva para desenvolver a autonomia das crianças: a promoção de cursos e palestras para pais sobre temas relacionados ao desenvolvimento dos alunos deve ser uma constante. Quando toda uma comunidade compartilha valores e objetivos claros, a missão de educar se torna mais fácil e eficaz.
Os pais podem:
– (0 a 5 anos) Garantir um ambiente com boa nutrição e uma base segura: o desenvolvimento da criança nessa idade depende de necessidades básicas de alimentação e interação, tanto com adultos da base segura quanto com outras crianças.
– Deixar espaço para o brincar livre: é importante distinguir cuidado de controle. As crianças precisam de liberdade para criar suas próprias brincadeiras, sozinhas ou em grupo.
– Monitorar o tempo de tela: a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Organização Mundial da Saúde oferecem recomendações específicas para cada faixa etária. Consulte esses órgãos.
– Atribuir responsabilidades: quando recebem confiança para executar tarefas, as crianças tornam-se mais autoconfiantes e menos propensas a sentimentos de inutilidade. As responsabilidades devem ser adequadas a cada faixa etária.
– Oferecer ferramentas em vez de soluções para resolução de problemas: quando a criança reclama de um colega, a tentação de ir à escola para resolver o problema é grande. No entanto, é importante lembrar que não estaremos sempre presentes – nem devemos estar. Capacitar nossos filhos a resolver problemas é reconhecer e estimular a antifragilidade que já faz parte de sua essência.
Há alguns anos, conheci o termo “helicopter parents” (pais helicópteros), usado para descrever pais superprotetores e controladores, em casa e fora dela. Recentemente, aprendi sobre os “lighthouse parents” (pais faróis), aqueles que oferecem um norte, uma luz no oceano que é a vida de uma criança ou jovem.
No desenvolvimento da antifragilidade, seja em casa ou na escola, precisamos ser educadores faróis para que nossas crianças prosperem em um mundo caótico e cheio de incertezas.