Feliz Dia dos Professores para quem?

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Larissa O’Hara

A docência é uma das categorias profissionais que mais demanda licenças médicas. De acordo com um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cerca de um terço dos professores da educação básica sofre da Síndrome de Burnout.

Esse estudo avaliou 397 professores de diferentes estados, tanto de escolas públicas quanto privadas. Raphaela Gonçalves, que conduziu a pesquisa, aponta que os estressores vão além da regência de sala de aula e da burocracia. O professor enfrenta violência física e verbal, falta de estrutura e pressões tanto da gestão escolar quanto dos pais, além da defasagem salarial. Sim, os salários são vergonhosos!

Neste dia dos professores, nós não queremos parabéns. Queremos que saibam: estamos esgotados. Freud nos alertou que educar, governar e curar são três ofícios impossíveis. Essa frase pode ser interpretada em um sentido mais cotidiano, refletindo a sensação de impotência que muitos professores enfrentam.

Embora esta não fosse a intenção original do aforismo, ele ressoa com a realidade atual, em que o peso de nossas responsabilidades continua a ser desproporcional ao apoio que recebemos.

Por isso, em vez de exaltar a figura do educador, afirmo que não há muito o que comemorar. Agradecemos o reconhecimento, mas o que realmente desejamos é ser ouvidos. É urgente abrir um diálogo sobre o papel problemático que o professor ocupa na educação atual. Por que tantos educadores sofrem com o desgaste emocional no exercício de suas funções?

A responsabilidade do professor é gigantesca, impossível de mensurar, porque se trata da ordem do intangível: a formação educacional, a construção psíquica e o cuidado de crianças e adolescentes. Hoje, espera-se que o professor saiba executar manobras de desengasgo e saiba acolher um aluno com síndrome do pânico, entre outros exemplos. São demandas que vão muito além do conhecimento técnico de uma disciplina.

Então, o professor se sente como Sísifo, realizando um trabalho interminável: todos os anos, novos alunos chegam, mas os problemas estruturais permanecem. Dia após dia, ano após ano, empurramos uma rocha montanha acima, sem encontrar clareza de sentido nas nossas ações, condenados a um esforço solitário e contínuo — verdadeiros heróis do absurdo.

Rinaldo Voltolini, pesquisador e professor da Universidade de São Paulo (USP), em sua obra “Psicanálise e formação de professores”, levanta uma verdade que insiste em retornar: o professor é o proletário da educação. Espera-se que seja um super-herói capaz de atender a todas as exigências tecnocráticas, sem que lhe sejam oferecidas as mínimas condições para isso.

Nesse ambiente de pressão e exaustão, o professor, inevitavelmente, erra. Solta um palavrão, perde a paciência, diz algo que não deveria, é mal interpretado, e sua prática pedagógica é rapidamente questionada. Até mesmo a sugestão de um livro que não corresponda à moralidade familiar pode levá-lo a ser execrado pela sociedade.

Isso porque a figura do professor está continuamente presa a um papel idealizado, sendo responsabilizada por tudo que vai mal na educação. Se há fracasso escolar, “não ensinou bem”; se há indisciplina, “não controla a sala”. Carregado de expectativas irreais, o professor se transforma no bode expiatório de um sistema que não lhe oferece as condições adequadas para exercer sua função plenamente.

Além disso, o professor precisa se adaptar às constantes reformas educacionais que, nos últimos 30 anos, só se intensificaram, criando a sensação de que está sempre ultrapassado, em um ciclo contínuo de desatualização e de ostracismo.

No cotidiano das escolas públicas, vejo professores que tremem, vejo rostos apáticos, reações lentas, resultado do excesso de medicamentos que usam para controlar o humor. Ah, sim, “O horror, o horror”!

O artigo acadêmico “Do mal-estar docente ao abandono da profissão professor: a história de Estela”, de Flavinês Rebolo, revela os problemas que levam muitos educadores ao desânimo e, em alguns casos, ao abandono da carreira. A história de Estela é emblemática e demonstra que o abandono docente constitui um processo multifacetado. Além dos baixos salários e da desvalorização, há fatores pessoais e sociais que influenciam essa decisão.

Seu pai esperava que fosse advogada, mas, por escolha própria, acabou optando pelo magistério. Mesmo com um mestrado, o Estado não a remunerava conforme sua qualificação. Foi designada para uma escola periférica, distante de sua vivência. Licenças médicas foram se acumulando, pequenos “abandonos” temporários, até que ela decidiu largar de vez a profissão, incapaz de lidar com o choque entre expectativa e realidade.

O caso de Estela não é isolado. Se nada for feito, se os professores continuarem trabalhando nessas condições, o futuro será sombrio. Estima-se que até 2040 o Brasil enfrentará um apagão de professores na educação básica, com um déficit de 235 mil docentes, segundo projeção do Instituto Semesp de 2022.

A falta de interesse dos jovens pela carreira, considerada pouco atraente, é a principal causa. O que será da sociedade sem professores? O que será da educação de nossos filhos sem professores saudáveis? A sociedade pode prosperar enquanto seus educadores adoecem?

Uma cidade sem professores simplesmente para. Os pais não podem trabalhar. A economia não pode girar. Mas os professores estão tão exaustos que não conseguem, nem ao menos, se organizar para uma greve. Os sindicatos, na maioria das vezes, atuam “para inglês ver” — e “assim caminha a humanidade”.

Neste Dia dos Professores, nossa voz se ergue não para receber aplausos, mas para alertar sobre uma realidade amarga. Não há um professor que não se veja refletido na história de Estela. Comprometidos emocionalmente com seus alunos, diante de suas vidas diversas e complexas, os professores são atravessados por pequenas e grandes angústias cotidianas.

Esperamos que a sociedade se implique neste relato, entenda a dimensão deste ofício impossível e busque formas reais de valorizar o trabalho docente. Este é o apelo do Dia dos Professores: que nossas vozes sejam ouvidas, que nossas dores sejam compreendidas, e que a educação, essencial para o futuro da país, seja tratada com a seriedade que merece.

Encerro meu discurso com o tocante poema de Cecília Meireles. De alguma forma, suas palavras capturam a tristeza e o desgaste que sentimos. Elas nos lembram de que, no espelho da nossa sociedade, a face dos professores se perde na indiferença. Mas ainda há tempo para recuperá-la, se ouvirmos e agirmos.

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Foto de Larissa O’Hara

Larissa O’Hara

Graduada, mestra e doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Possui especialização em Revisão de Texto e em Psicopedagogia. Trabalha como professora há mais de quinze anos, tendo atuado em diversas instituições. Já acompanhou o desenvolvimento de centenas de alunos em aulas ministradas em seu curso de redação. Publicou variados livros. Atualmente, é professora efetiva na rede estadual de ensino do Espírito Santo.