Educação e tecnologia: proibir celulares nas escolas ou não?
Recentemente tivemos conhecimento de que o Ministério da Educação e Cultura (MEC) está preparando um projeto de lei que visa à proibição dos celulares na escola. Em 2023, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), produziu um relatório no qual destaca preocupação com o uso excessivo de celulares e alerta para impacto negativo no aprendizado de crianças e jovens.
Sempre que uma norma surge com caráter restritivo, versos de orientação, o exercício da criticidade se torna imperativo para todos os envolvidos na aplicação dessa nova norma. Uma importante consideração a ser feita acerca do tema é que a escola é um microcosmo da sociedade onde estamos todos inseridos, desde o nível local até o global. Portanto, tal complexidade que nos une precisa nortear as reflexões e decisões.
Convido o leitor a aguardar alguns parágrafos antes de entrar na escola. E convido também a responder mentalmente a essas perguntas. Você já viu uma mesa em um restaurante em que adultos almoçavam enquanto crianças eram entretidas por celulares? Já viu pai ou mãe empurrando carrinho de bebê e olhando um celular? Já se deparou com um adulto atravessando a rua olhando para a tela de um celular?
Se respondeu que sim a essas perguntas e se há uma alta recorrência dessas cenas, não se espante. Você, assim como eu, está em 2024, em um mundo em que as ações e relações estão intermediadas por telas.
Em A Sociedade do Cansaço, o autor Byung-Chul Han, nos alerta para o fato de que a sociedade moderna considera ser multitarefa uma vantagem, o que ele discorda veementemente. Segundo ele, os animais na savana se alimentam para matar a fome e o fazem de olho no predador.
Nós, homo sapiens, nos alimentamos para matar a fome, mas também por prazer na degustação do alimento e nas relações que se constroem durante uma refeição. Sentarmos à mesa com celulares em punho ou ao lado de nossos pratos, à espera de uma notificação de WhatsApp ou rede social, nos afasta de nossa essência humana e nos aproxima do animal na savana.
Nossas crianças e jovens, que aprendem mais por modelo do que por discursos ou leis, estão vendo grande parte de nós, adultos responsáveis por sua educação, modelar uma forma de nos relacionarmos que para elas é natural. Mas não é nem deveria ser.
Entramos na escola. As listas de material trazem livros, cadernos, lápis, e, em escolas mais tecnológicas tablets ou computadores para que os alunos usem plataformas e/ou programas educativos. Ainda não localizei lista de material solicitando celular deste ou daquele modelo. No entanto, sabemos que as crianças e adolescentes possuem celulares e os levam para a escola. Algumas crianças de 7, 8 anos, levam celulares e, acreditem, às vezes recebem mensagens dos pais enquanto estão na escola. Como a escola deve se posicionar, a despeito de qualquer lei?
Pensar em propósito costuma nos ajudar e recorrer ao analógico também. Por que vamos à escola? O que aprendemos lá? Certamente aprendemos a ler e a escrever, a pensar criticamente, e desenvolvemos diversas competências, dentre as quais as sociointeracionais, que estão entre as que mais nos distinguem em relação às outras espécies que habitam nosso planeta.
Sabemos que os recursos dos quais dispomos são limitados e a atenção é um deles. Para estarmos atentos, precisamos estar presentes no presente. Um problema de matemática requer concentração, análise e reestruturação. Disputar esta atenção, este tempo, com uma notificação em um celular afasta os alunos do desenvolvimento das aprendizagens mais duradouras e significativas.
Mas não pode usar nem no recreio? Para dar uma descansada? Permitir o celular nas pausas na escola é negligenciar as aprendizagens que ocorrem também fora da sala de aula. Alunos que tendem ao isolamento estão mais propensos a recorrerem ao celular para evitar os “riscos” de fazer novas amizades. O desenvolvimento das habilidades sociointeracionais fica comprometido e a superficialidade passa a predominar nas relações. Quantas memórias temos de nossos recreios? Nem sempre boas, mas sempre com inúmeras aprendizagens para a vida.
No livro A Geração Ansiosa, o autor Jonathan Haidt compartilha pesquisas que mostram que quando adolescentes americanos passaram a usar smartphones, o tempo cara a cara com amigos despencou de 122 minutos em 2012 para 67 minutos por dia em 2019. Isso antes da pandemia por Covid-19 em 2020.
Além das relações, o uso de telas em momentos também afeta o descanso, uma vez que não contribui para o relaxamento necessário da mente para que ela se reconecte e dê continuidade aos estudos. O cérebro fica em permanente estado de alerta, quando poderia estar voltado para um bom papo, uma atividade física, ou até mesmo para não fazer nada. Precisamos garantir que o recreio e os tempos de descanso na escola sejam de desconexão virtual para reconexão intra e interpessoal.
Então o celular deve ser banido da vida acadêmica? Novamente recorro ao analógico. Quando precisamos de uma régua ou um dicionário, recorremos a esses materiais como ferramenta. O celular ou tablet pode ser um deles. Trabalho com alunos que usam ferramentas tecnológicas, como celular, computador ou tablet, para gravar vídeos ou podcasts para aulas de literatura ou história.
O cartaz que eu fazia na antiga 7ª série mudou para um vídeo ou uma apresentação em canva que um aluno ou um grupo produz hoje em 2024. Usar uma enciclopédia como recurso era comum no passado. Hoje há Google e outras tantas ferramentas de pesquisa. No entanto, há que se ensinar a usar essas ferramentas. Abrir mão da educação midiática, também preconizada nos documentos da UNESCO, é como não ensinar uma criança a andar pelas ruas de uma cidade.
Voltando à pergunta que abre o texto, banir ou não banir não deveria ser a questão. Cabe a nós adultos, educadores, conhecer e colocar os limites adequados à cada faixa etária, tempo e espaço. Estarmos orientados por propósito nos guia para um uso benéfico e adequado de uma ferramenta. Assim como um lápis, que pode escrever um poema ou ferir alguém, um celular é um meio, uma extensão, que precisa da decisão humana sobre quando, onde e como usar.