Como aprender a ler e a escrever? Veja 10 pontos sobre o letramento

Foto de Marli Siqueira Leite
Marli Siqueira Leite

Escrever sempre foi um processo trabalhoso e, às vezes, até doloroso. Trata-se de uma via de mão dupla entre o pensar e o converter as ideias em palavras. Elas são limitadas e exigem arte nas escolhas, combinações, no encadeamento, para que se aproximem do pensado.

Em contrapartida, o exercício rico dessa tarefa também desafia o nosso pensar, tornando-o mais complexo e consciente. O texto verbal é o nosso espelho e, quando o resultado não traduz exatamente o nosso desejo, a nossa imagem nos parece distorcida. 

>> Quer receber nossas notícias 100% gratuitas? Participe da nossa comunidade no WhatsApp ou entre no nosso canal do Telegram!

Com os avanços da tecnologia, esse desafio se tornou ainda maior, justamente porque as pessoas estão escrevendo mais, em menos tempo e os leitores são incalculáveis. O objetivo deste artigo é propor alguns caminhos para cumprir essa missão do escrever hoje.

  • A escola, o tempo e o poder das telas

Para ensinar a ler e a escrever, nesta era da supremacia da informação e da tecnologia, a escola precisa reinventar-se, não só veiculando conteúdos, mas também selecionando-os, analisando-os, processando-os, recriando-os. 

Para isso, a escrita escolar implica, paradoxalmente, resgatar elementos perdidos: o silêncio, a calma, a concentração, em busca de uma visão mais holística do mundo e das linguagens.

  • Ler e escrever em tempos digitais

Com o fácil acesso à tecnologia, ler e escrever mudaram, mas continuam sendo práticas sociais coletivas. A tecnologia sozinha não garante avanços; o professor desempenha papel fundamental na coordenação e no planejamento de todo o processo. 

Além disso, é ele o primeiro leitor do texto do aluno e é quem vai dar uma devolutiva de sua escrita. É o primeiro espelho do autor que pretende formar.

  • A escola e suas “derrapagens” no ensino da leitura e escrita

A escola brasileira enfrenta inúmeros desafios para ensinar a ler e a escrever. Falta de recursos, distanciamento entre teoria e prática, desvalorização do professor e pouco investimento na sua formação continuada. 

Falta, em um espectro menor, um objetivo claro para a escrita, o respeito às variantes linguísticas, mas, também, foco no domínio da linguagem padrão, em tempos de tanto relaxamento nas formas do escrever.

Criança mexendo em celular

Criança mexendo em celular | Foto: Freepik

  • Um novo professor para novos alunos

Há tempos, mesmo antes de os computadores se popularizarem, Jean Piaget propunha novos olhares sobre o aprendizado, valorizando a atuação ativa do aluno e a mediação social no processo de ensino-aprendizagem (da escrita). 

A necessidade dessa interação só aumentou e o papel do professor se modificou radicalmente, mas não se desvalorizou. Tornou-se outro.

  • A escrita: um aprendizado para a vida

A produção textual é um processo marcado pelo dialogismo e exige participação ativa e reflexiva. Não se escreve para ninguém. A conceituação de alfabetização e letramento, por exemplo, varia entre estudiosos, mas é consenso que escrever deve ser objeto de ensino significativo, não reduzido a códigos estáticos, que não dizem nada para ninguém.

  • O papel da escola na formação de leitores e autores

A escola tem o papel fundamental de formar sujeitos interlocutores, criativos e críticos, tanto quanto leitores e autores. Para isso, é necessária uma abordagem dinâmica, em um mundo marcado pela pluralidade, variabilidade e complexidade.

  • O texto para além do que “o autor quis dizer” e do que “eu tenho de escrever”

O leitor é parte do “jogo” da leitura, em um diálogo constante com o texto. Este espera um outro que reconheça suas pistas, levante hipóteses, possibilitadas por aquele conjunto verbal acabado, definitivo e compartilhado. 

O texto, sobretudo os literários, estão abertos a leituras. Ele nunca será o mesmo, porque o tempo, a cultura, os aspectos subjetivos o fazem se transformar sob os olhos do leitor, sempre mutantes. 

LEIA TAMBÉM: Educação Infantil: como construir a relação com o conhecimento?

Na sala de aula, não cabe “o que o texto quis dizer”, mas “o que eu, leitor, posso interpretar a partir dele”, desde que haja uma boa argumentação para defender a interpretação apresentada. Em relação à escrita, é preciso que se ofereçam situações significativas para o aluno: um interlocutor definido, um motivo, uma temática que lhe diga respeito. 

  • A produção de texto como um “mutirão de todos”.

Em relação especificamente à língua escrita, pode-se dizer que todo seu processo está calcado numa relação dialógica entre um autor e um leitor, desencadeada pelo texto. 

Vive-se em um mundo de múltiplas vozes, marcado por identidades e diferenças, aproximações e conflitos, e as manifestações linguísticas em torno do que se vive são constituídas dessa polifonia. 

Viver é, enfim, estar mergulhado nesse “grande simpósio universal” (Mikhail Bakhtin) e escrever é um ato alimentado por esse viver.

  • Alfabetização e letramento: conceituações múltiplas sobre o ler e o escrever

Muitos teóricos divergem entre os conceitos de alfabetização e letramento. É necessário, no entanto, garantir que a escrita seja, de fato, objeto de ensino, em vez da língua estática e seus códigos. 

Muito distante de uma metalinguagem (ou uma “gramática pela gramática”),  sem algum significado. 

  • O ler e o escrever em sala de aula

Ler é fruto da construção de sentidos. Escrever, semelhantemente, é um processo que envolve não só o domínio de um código, mas implica uma dimensão simbólica, contextual, lúdica. 

Escrever é dar “forma ao conteúdo de nossas experiências” (Lev Vygotsky) vividas com o outro. 

A formação do sujeito/professor em relação aos processos de leitura e escrita são experiências (e não vivências), porque envolvem um pensar, um sentir, um significar, individual e único, por cada sujeito, em diálogo com o outro. 

Em tempos de fragmentação, descontinuidade, efemeridade – de muita oferta e pouca articulação – , é necessário um esforço gigantesco do leitor e produtor de textos – do aluno, do professor, da escola – para essa costura tão necessária.

Ler e escrever demandam tempo de mergulho e de entrega. (Re)ler, (re)escrever: ações que requerem dedicação, diálogo, troca, tempo para si e para o outro.

Foto de Marli Siqueira Leite

Marli Siqueira Leite

Professora há mais de 30 anos, formada em Letras pela PUC-SP com especialização em Educação pelo Espaço Pedagógico-SP. Após Mestrado em Letras na Ufes, foi professora na própria universidade, no Centro de Educação. Sua dissertação sobre o poeta Ronaldo Azeredo rendeu um livro e a curadoria de uma exposição na Casa das Rosas-SP e no Museu de Arte do Espírito Santo (MAES). Fez Doutorado em Educação na FEUSP e hoje atua como professora na Escola Americana de Vitória. [email protected]