Saiba como lidar com a decepção e superar expectativas

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Prof. Dra. Kathy Marcondes

Será que conseguimos encarar nossa decepção de frente? Encarar nos olhos mesmo? Está aí uma tarefa complexa: distinguir decepções, nomeá-las e superá-las… 

O primeiro lugar onde vamos estabelecer com mais clareza conceitual o que é conjugar o verbo “decepcionar” é na escola. Não que em casa não decepcionemos e não sejamos decepcionados.

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Porém, na escola, formaliza-se desde muito tenra idade, muito cedo para julgar, a noção de que há um jeito de não decepcionar “quem-sabe-mais” que a gente: aprender o que eles querem que aprendamos e que, depois, demonstremos isso.

Como a criança não “escolhe” nascer… sua casa e sua família são para ela naturais. Já a escola é uma imposição mais ou menos agradável, mas jamais se confunde com um “lugar-só-meu”.

Ali é o lugar de muitas naturezas, muitas famílias, muitas outras crianças, muitos “quem-sabe-mais” que ela… Ali se estabelece a certeza de que alguém “sabe” e quer que ela “saiba” também. Se ela conseguir “aprender” direitinho, ok. Se não… se não “aprender” estará decepcionando o que dela se esperava.

Papel da família e da escola na concepção de decepção

Cada criança e cada família aprenderá a lidar de algum jeito bem próprio com o “decepcionar” e ser “decepcionado”. Há escolas e escolas.

Há famílias e famílias. Há famílias que gastam horas e horas escolhendo e participando da escola de seus filhos. Sabem da importância dos aprendizados emocionais fundamentais da vida. Outras famílias só querem um lugar “seguro” para deixarem seus filhos enquanto trabalham.

Esse par família-escola será a base de nossa noção de decepção. Nenhuma escola ou família, contudo, conseguirá evitar a experiência humana com a decepção. Essa é constitutiva. Como olhamos para isso é a forma como a decepção olha de volta para nós mesmos.

Conexão entre autoestima e decepção

São muitos anos de terapia ou de vida muito reflexiva para, finalmente, superarmos os traumas iniciais de nos crer desprovidos de valor porque havíamos decepcionamos alguém sendo “apenas” quem éramos.

Leva tempo para compreendermos como nosso medo primordial de decepcionar quem amamos vai nos moldando vida afora.

Por amor à mãe, à professora, ao pai ou ao cônjuge… por horror a se decepcionar outra vez ou da mesma forma que no primeiro término de namoro… para merecermos admiração ou para nos proteger de confiar e então nos desiludirmos… enfim… por muitos motivos e experiências com a decepção… vamos construindo nossa personalidade.

Profundidade das decepções

Só quem amamos pode nos decepcionar profundamente. E tememos decepcionar a quem amamos. Decepcionados demais ou sentindo que decepcionamos a quem nos importa, sofremos a dor mais profunda possível: a perda do valor de sermos quem somos.  

Se as experiências com a legitimidade (ou não) das decepções é tão fundamental, é importante aprender a conjugar o verbo decepcionar.

Usemos como exemplo a experiência da criança com seu professor favorito. Se ela não entrega para seu “professor admirado” o que pensa que ele espera de um bom aluno, ela conclui que não é um bom aluno e conjuga “eu decepciono”.

Aqui essa conjugação soará como “sou insuficiente como sou”. O que obviamente não é verdade, mas dá perfeitamente para entender a relação entre a expectativa suposta no outro significativo e o que a criança (e nós mesmos) concluímos ser o nosso valor.

Quem conjuga “eu decepciono” atrai um encarreirado grupo de pensamentos autodepreciativos e se convence secretamente de que deveria ser diferente (do que é) para ser melhor.

Podemos disfarçar muito bem nossas decepções conosco, aparentar até indiferença ou desvalorizar. Mas, não nos livramos da auto avaliação profunda e inconsciente do que significa não entregar o que pede um “professor admirado”.  

Enfrentar a realidade: decepções e expectativas

Se o “professor admirado” nos trair e colocar na “prova” uma coisa que não estava combinada e, por isso, fracassarmos, conjugamos então o “tu decepcionas”.

Obviamente se por muito tempo conjugarmos o erro alheio nos tornaremos nisso muito hábeis. Azar o nosso.

Doravante só perceberemos o quanto a realidade da vida e das pessoas serem quem são nos maltratam injustamente.

E, cá para nós, a realidade é o que é e não foi feita para nos prejudicar. Isso se chama mania de perseguição ou autopiedade.

A realidade é tal qual é. E mesmo quando nos aborrece, atropela ou decepciona… o dia seguinte amanhece. Tudo de novo. Outras chances. Outros dias. Outras conjugações e oportunidades.

Decepção é um sentimento universal. Logo conjugaremos o “eles decepcionam”. A dolorosa experiência de ter nossas expectativas descumpridas em relação a nós e/ou aos outros significativos não será possível evitar por completo. Não podemos fugir, embora o queiramos primordialmente, de conjugar o verbo decepcionar. 

Consequências de ignorar a decepção

Encobrir ou negar a decepção pode até parecer uma solução temporária, mas a verdade é que esses sentimentos não-enfrentados tendem a se transformar em outras emoções nocivas.

Raiva, ressentimento, rancor, tristeza profunda e até apatia são algumas das consequências de uma decepção não processada. Se essas emoções não são geridas corretamente, podem nos levar a danos mais significativos no longo prazo, afetando nossa saúde mental e relacionamentos.

Quando a escola nos ensinou o jogo de ensinar-e-aprender incessantemente e evolutivamente em grau de complexidade havia nisso uma mensagem subliminar importante sobre “decepções”: são temporárias. Ou podem ser.

“O mundo continuará a mover-se. Não se detenha.” A escola e a escola da vida repetirá isso muitas vezes!

Claro que, emocionalmente, é difícil se decepcionar. Dói, dói muito. Mas… decepções ensinam (1) que as expectativas definem a importância real ou irreal das decepções e (2) que a duração e profundidade de nossas decepções são de nossa responsabilidade e não de quem supostamente nos as causaram.

O mesmo fato pode ser enfrentado de formas absolutamente diferentes por diferentes pessoas devido as diferentes personalidades de cada uma! 

Tamanho do erro não define tamanho da tristeza

Não há “decepção-nossa” que não se relacione com “nossas-emoções”. Não é o tamanho do erro ou da não-entrega que define o tamanho de nossa tristeza com a decepção. É sim a nossa permissão de criar expectativas como se o mundo (e as escolas) fossem lugares-sagrados-de-meritocracia. Não são!

As coisas mudam, as pessoas são diferentes e, em oportunidades iguais, podemos reagir diferentemente. A grande lei da vida é a impermanência!

O que estava errado pode originar um grande acerto futuro. Ou não. Vejamos. O que estava corretíssimo pode redundar num desastre inesperado devido a força estranha dos imprevistos. Ou não. Vejamos.

E haja mundo para se ver! Porque – caramba – como existem imprevistos e reviravoltas neste mundo!!

Aprender a conjugar o verbo decepcionar

A realidade é uma complexa teia de mudanças aonde nos incluímos e podemos aprender a conjugar o verbo decepcionar e o verbo contentar, entre outros! Ao moderar nossas expectativas, conseguimos lidar melhor com os imprevistos.

Conjugando muitos verbos (como agradecer, repensar, perdoar, reavaliar, simplificar, ponderar, perspectivar – sim, existe! –, superar, dimensionar, etc…) passamos a ter mais coragem de conjugar nossa decepção… e impermanecer nela e em sua tristeza…

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Para encarar nossa decepção de frente é vital um processo de autoconhecimento profundo. Chamar pelo nome o que sentimos… tem a capacidade de deixar aquele sentimento ir… e deixa vir outros… novos.

Reconhecer e aceitar que somos vulneráveis e que está tudo bem em se sentir decepcionado é o primeiro passo para a cura emocional.

Expressar abertamente nossos sentimentos e expectativas pode prevenir futuras desilusões. É importante lembrar que a outra pessoa também pode ter seu ponto de vista e seus limites, e isso deve ser respeitado.

Reavaliando expectativas e definindo nosso valor

Talvez não tenhamos decepcionado, talvez sim. Talvez nos tenham decepcionado demais, talvez não. Este verbo que não queremos conjugar… nos ensina a rever nossas expectativas sobre os outros e, principalmente, a não deixar que as expectativas alheias nos definam para nós mesmos.

Somente nós estamos aqui dentro de nós… E nesse movimento de conjugar… somente nós podemos repetir EU SOU, TU ÉS e ELE É… que belo é aprender isso… profundamente, o verbo ser!

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Prof. Dra. Kathy Marcondes

Psicóloga Clínica, psicoterapeuta na abordagem junguiana; foi Prof. Titular de Psicologia da UFES; Pós-doutora em Educação, Mestre e Especialista em Psicologia Analítica; Especialista em Mitologia, Arte e Literatura; formações em Hipnoterapia, Biblioterapia e Arteterapia. Autora de livros e palestrante. kathymarcondes.com.br tem alguns outros textos seus.