Ler e escrever: um refúgio em tempos de ansiedade
Um dos problemas do nosso tempo tem sido o alto nível de ansiedade. Os sinais dessa inquietação acentuada têm-se manifestado em casa, no ambiente de trabalho, na escola e, surpreendentemente, também nos espaços de entretenimento.
São os imprevistos no cotidiano da família, além de toda a rotina, já bastante exaustiva; são as demandas na profissão e nos estudos, em tarefas sempre intermináveis; é a fila do supermercado, do cinema ou do teatro que não anda; é o carro do aplicativo que não chega na saída de um bar ou restaurante; é o elevador que demora para um encontro descomprometido com amigos.
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A velocidade, enfim, está fora e dentro de nós: na batida acelerada do coração, na circulação acelerada do sangue, na respiração ofegante.
Quando se consegue parar e prestar atenção nos movimentos do corpo, de forma um pouco mais consciente, descobre-se ser difícil compreender o motivo de tanta pressa.
Não se aproveita o passado como referência de aprendizado; não se curte o presente porque o futuro nos espera; não se vislumbra um bom futuro porque o medo nos sufoca.
Os processos de leitura e escrita não passam ilesos nessa correria toda. Ler e escrever requerem concentração, capacidade contemplativa, paciência, persistência. Silêncio. Solitude. Um universo de calmaria pouco disponível hoje: tempo de muita fala e pouca escuta.
Para ler ou ter algo consistente para dizer ou escrever, é necessário, muitas vezes, não fazer “nada”, como defendeu o sociólogo italiano Domenico De Masi, em seu livro O ócio criativo.
Pode parecer romântico em demasia, mas é preciso reservar um tempo para se deitar numa rede e olhar para as nuvens e suas formas móveis, enxergando pessoas, bichos e plantas; observar os desenhos da água da chuva no asfalto sob o reflexo do sol ou da lua; sentir o cheiro de terra molhada em um dia de chuva; ver quem nem sonha ser visto por alguém.
É preciso, ainda, considerar o que não está explícito na realidade observada, aquilo que não foi dito e passou despercebido; acompanhar os acontecimentos à nossa volta, tantas vezes incompreensíveis e revoltantes.
Não seremos capazes, evidentemente, de modelar o mundo à nossa semelhança (e ele seria uma chatice se assim fosse), mas nos cabe auscultar esse ritmo veloz do lado de fora com o interior sereno, buscando converter as percepções em verbo bem-soado e preciso, para que outros fiquem alertas também.
O ler e escrever pedem silêncio, em uma realidade na qual muitos só querem se expor, falar ou escrever, sem direito à revisão.
Não há tempo de elaboração entre o pensar e o expressar. Esse descompasso acumula ruídos, mal ditos, conflitos. Alguém expõe uma ironia em uma rede social, e sua (in)compreensão é literal. Está armada a confusão.
Apesar da detecção desse descompasso atual, não há motivos para um veredicto sobre o fim da leitura demorada e profunda e da escrita bem-elaborada e poderosa. Nada disso.
Acredita-se até que as pessoas estejam lendo e escrevendo mais, não necessariamente melhor e nem sempre com chances de grandes aprendizados.
O alerta é para o fato de que esses processos, de forma construtiva e enriquecedora, não costumam ser frutos de imediatismo, impulsos e pressão.
Atenciosamente, caro leitor, resta aqui a insegurança de que este texto, lido neste momento, possa não alcançar o critério desta que escreve e, principalmente, de quem me lê.
Mas já me satisfaço por dois motivos: primeiro porque parei, dei um tempo na correria para pensar em tudo isso, o que já é muito bom; segundo, porque suspeito ter contribuído, de alguma forma, para que você fizesse uma breve pausa também.
Quem sabe, no instante final desta leitura, você não resolve acomodar o corpo numa poltrona, respirar fundo, pegar um livro às mãos? Ou sentar-se à mesa para escrever um texto?
Ou, ainda, simplesmente (desculpando-me de antemão por parecer piegas, corro esse risco), abrir a janela e observar os desenhos das nuvens no céu?
Fica o convite!