Existe “certo” e “errado” nos nomes próprios? Veja como escrever corretamente

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Larissa O’Hara

Os nomes, especialmente os próprios, carregam significado, história, identidade, simbolismo e ancestralidade. Como profissional da área de linguagens, considero todos esses aspectos extremamente relevantes. Além disso, acredito que a escolha de um nome para um bebê exige análise, reflexão, pesquisa e, por que não, até a consulta a um profissional de língua portuguesa.

A antroponímia, um ramo da onomástica — a ciência que estuda os nomes —, dedica-se exclusivamente à análise dos nomes próprios de pessoas, como os prenomes e sobrenomes, chamados de antropônimos. Essa área investiga a origem dos nomes, suas transformações ao longo do tempo e suas variações em função do local, do período histórico e dos costumes culturais. O termo vem do grego, combinando anthropos (pessoa) e onoma (nome).

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Essa carga simbólica dos nomes próprios é explorada de forma marcante na literatura, como no poema “José”, de Carlos Drummond de Andrade, um dos mais conhecidos da literatura brasileira. O título traz um nome familiar e amplamente usado no Brasil, que, no contexto do poema, transcende sua função de identificação.

A anáfora “E agora, José?” coloca o nome como elemento central, simbolizando a inquietação e a busca por um sentido diante das adversidades. Com isso, o poema evoca sentimentos universais como vazio, solidão e desesperança, ao mesmo tempo que reforça o papel dos nomes na construção da identidade.

Como grafar os nomes próprios?

Desde 1943, o Formulário Ortográfico, elaborado pela Academia Brasileira de Letras, com força de lei, estabelece que “os nomes próprios personativos, locativos e de qualquer natureza, sendo portugueses ou aportuguesados, serão sujeitos às mesmas regras estabelecidas para os nomes comuns”. Isso significa que, como qualquer outra palavra da língua, os nomes próprios devem seguir as normas de ortografia e acentuação gráfica.

No entanto, na prática, o que se percebe, especialmente em listas de chamada escolares, é uma grande diversidade de grafias. Essa situação reflete as liberdades tomadas no registro civil, que resultam em composições criativas, como misturas de nomes dos pais, usos decorativos de letras como “Y”, “W”, “K” e “H”, além da apropriação de substantivos de outras áreas. Esses casos, muitas vezes, acabam carregando um estigma associado, que pode reforçar preconceitos, como a suposta baixa escolaridade dos pais.

Além disso, muitos nomes próprios, como Taís, Laís, Pâmela e Túlio, são frequentemente escritos sem os acentos, o que, embora não afete a pronúncia, contraria as normas vigentes.

Existe “certo” e “errado” nos nomes próprios

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Alterações e o princípio da imutabilidade do nome

O sistema brasileiro de registro civil é bastante flexível, permitindo que os cartórios aceitem nomes “ao gosto do freguês”. O único impedimento ocorre quando o nome pode ser considerado vexatório, como “Hitler”.

Conforme indica Cláudio Moreno, em “Guia prático do português correto: ortografia”, a grafia original do nome é alterada “por ignorância ou por mera idiossincrasia dos pais; se o filho suportar a carga que isso representa, ele tem o direito de conservar o nome assim como está no registro”. Cita o exemplo de “Cerjio”, que poderia ser alterado para “Sérgio”.

Se alguém teve seu nome registrado com grafia incorreta, há duas opções: usar o nome como consta nos documentos, prática mais comum, ou solicitar a correção. Com a Lei nº 14.382/2022, qualquer brasileiro maior de dezoito anos pode alterar o nome diretamente, sem necessidade de processo judicial ou restrição de prazo, tornando o procedimento mais simples e menos burocrático, desde que seja respeitado o princípio da imutabilidade do nome.

Sobre a alteração da grafia dos nomes após a morte, Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante, em “Gramática da Língua Portuguesa”, observam que “a grafia dos nomes de todos os que se tornam publicamente conhecidos aparece corrigida em publicações feitas após a morte dessas pessoas”, citando como exemplo Érico Veríssimo (e não Verissimo).

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Em contrapartida, o “Manual de Comunicação do Legislativo” orienta que, nos textos institucionais, se mantenha a grafia pela qual a pessoa é publicamente reconhecida, seja ela viva ou morta, como nos casos de Ruy Barbosa, José Sarney, Ulysses Guimarães e Luiz Inácio Lula da Silva.

Nomes portugueses x nomes estrangeiros

Os nomes de origem estrangeira são bastante comuns no Brasil e, em sua língua de origem, seguem grafias como George, William, Jean e Elizabeth, consideradas corretas nesses contextos. Contudo, as versões aportuguesadas, como Jorge, Guilherme, João e Elisabete, refletem uma maior identificação com a nossa língua.

Os nomes estrangeiros também acabam por gerar confusões na grafia ao serem registrados ou adaptados no Brasil, refletindo tanto a influência de diferentes idiomas quanto as preferências pessoais de quem os escolhe. Exemplos como Wagner e Vágner; Karoline e Karolayne; Jeferson, Jéferson e Jefferson; ou Mike e suas variações Maikon, Maicon e Maicom, mostram como a falta de padronização pode dar origem a múltiplas formas de escrever o mesmo nome.

Nomes com K, Y e W

As letras “K”, “W” e “Y” foram incorporadas ao alfabeto da língua portuguesa pelo Novo Acordo Ortográfico e possuem usos específicos. Segundo Rocha Lima, em “Gramática Normativa da Língua Portuguesa”, essas letras aparecem em abreviaturas e como símbolos de termos técnicos de uso internacional, como o “K”, que representa o elemento químico potássio.

Essas letras também são usadas em antropônimos originários de outras línguas e seus derivados, como em Kant, kantismo e Darwin, darwinismo. Além disso, aparecem em topônimos de outras línguas, como em Kuwait, e Malawi, com suas respectivas formas derivadas, como kuwaitiano e malawiano. Assim, alguns sobrenomes, mantendo sua origem em outras línguas, acabam por adotar essas grafias.

Na prática, as palavras de língua portuguesa não utilizam essas letras, e elas poderiam ser evitadas no registro de prenomes, como sugere o Formulário Ortográfico de Língua Portuguesa. A utilização dessas letras reflete a globalização e a influência de outros idiomas na nossa língua.

Lista de nomes grafados segunda a ortografia da língua portuguesa

Antônio (e não Antonio);

Cláudia (e não Claudia);

Sílvia (e não Silvia);

Sônia (e não Sonia);

Luís (e não Luis ou Luiz);

Luísa (e não Luisa ou Luiza);

Mateus (e não Matheus);

Taís (e não Thaís ou Thais);

Neusa (e não Neuza);

Teresa (e não Tereza);

Pâmela (e não Pamela);

Vítor (e não Vitor ou Victor);

Ângelo (e não Angelo);

Juçara (e não Jussara);

Lis (e não Liz);

César (e não Cesar ou Cezar);

Elisa (e não Eliza);

Helena (e não Elena);

Heitor (e não Eitor ou Heitôr);

Éverton (e não Everton ou Heverton);

Manuel (e não Manoel);

Manuela (e não Manoela);

Susana (e não Suzana);

Isabel (e não Izabel);

Isabela (e não Izabela);

Carla (e não Karla);

Júlia (e não Julia);

Tiago (e não Thiago);

Sofia (e não Sophia);

Mariana (e não Marianna);

Ana (e não Anna);

Tomás (e não Thomás);

Etc.

Pacificando a situação…

Nós não escolhemos nosso nome próprio; ele é escolhido por outros, muitas vezes ainda na gestação, e, nesse momento, não indica ainda um ser, mas um “vir a ser” — uma projeção. O nome é uma marca identitária, que tem grande relevância em nossas vidas e na construção de nossas personalidades.

Se você recebeu um nome que foge às regras ortográficas ou é de origem estrangeira, sugiro que, em vez de focar no “erro” ou na idiossincrasia, pense que, provavelmente, seu nome foi escolhido com afeto. Caso não tenha sido, você tem a possibilidade de ressignificá-lo e criar uma conexão emocional com ele.

Por outro lado, se está na posição de escolher um nome, recomendo optar por nomes de origem portuguesa que sigam as normas ortográficas da nossa língua. Isso facilita tanto a vida da criança quanto das pessoas ao seu redor. Nomes que aderem às regras ortográficas são geralmente mais fáceis de serem pronunciados e escritos corretamente, minimizando equívocos em documentos e outros registros.

Existe “certo” e “errado” nos nomes próprios

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Severino e Severinos

Deixo aqui trecho do belíssimo poema “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, em que o nome “Severino” é apresentado como símbolo de anonimato e universalidade entre os nordestinos pobres e marginalizados. Esse nome transcende o indivíduo, representando um coletivo que compartilha histórias de luta e sobrevivência, tornando-se um rótulo genérico que expõe a despersonalização e a invisibilidade social desses sujeitos.

O meu nome é Severino,

como não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,

que é santo de romaria,

deram então de me chamar

Severino de Maria;

como há muitos Severinos

com mães chamadas Maria,

fiquei sendo o da Maria

do finado Zacarias.

Mais isso ainda diz pouco:

há muitos na freguesia,

por causa de um coronel

que se chamou Zacarias

e que foi o mais antigo

senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falo

ora a Vossas Senhorias?

Vejamos: é o Severino

da Maria do Zacarias,

lá da serra da Costela,

limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:

se ao menos mais cinco havia

com nome de Severino

filhos de tantas Marias

mulheres de outros tantos,

já finados, Zacarias,

vivendo na mesma serra

magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida:

na mesma cabeça grande

que a custo é que se equilibra,

no mesmo ventre crescido

sobre as mesmas pernas finas

e iguais também porque o sangue,

que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos

iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual,

mesma morte Severina:

que é a morte de que se morre

de velhice antes dos trinta,

de emboscada antes dos vinte

de fome um pouco por dia

(de fraqueza e de doença

é que a morte Severina

ataca em qualquer idade,

e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos

iguais em tudo e na sina:

a de abrandar estas pedras

suando-se muito em cima,

a de tentar despertar

terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar

alguns roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam

melhor Vossas Senhorias

e melhor possam seguir

a história de minha vida,

passo a ser o Severino

que em vossa presença emigra.

 

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Larissa O’Hara

Graduada, mestra e doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Possui especialização em Revisão de Texto e em Psicopedagogia. Trabalha como professora há mais de quinze anos, tendo atuado em diversas instituições. Já acompanhou o desenvolvimento de centenas de alunos em aulas ministradas em seu curso de redação. Publicou variados livros. Atualmente, é professora efetiva na rede estadual de ensino do Espírito Santo.