Proteja seu cérebro: como evitar o “brain rot” no mundo digital

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Cristiano Carvalho

“Enquanto a Inglaterra se esforça para curar a podridão da batata, não haverá quem se esforce para curar a podridão do cérebro – que prevalece de forma muito mais ampla e fatal?”

Na obra Walden, do escritor transcendentalista americano Henry David Thoreau, o narrador da história, o próprio Thoreau, isola-se da civilização e decide viver uma vida simples e autossustentável próximo ao lago Walden, no estado de Massachusetts.

Lá, o autor/narrador constrói sua própria habitação e passa dois anos vivendo em contato íntimo com a natureza.

Em sua obra, Thoreau explora temas como auto-suficiência, espiritualidade, individualismo e crítica à sociedade materialista da época. O que isso tem a ver com a expressão brain rot (cérebro podre), eleita a palavra do ano pelo dicionário Oxford?

A citação que abre este texto foi retirada do livro Walden e é o primeiro registro escrito do termo brain rot. No contexto da obra publicada em 1854, o autor critica a desvalorização de ideias complexas e compara o brain rot ao apodrecimento de batatas na Inglaterra.

Quase dois séculos depois, em 2024, o termo passou a ser usado para se referir ao impacto causado pelo consumo excessivo de conteúdo online de baixa qualidade, especialmente nas redes sociais.

Pesquisas já comprovaram que esse consumo abusivo causa confusão mental, letargia, redução do tempo de atenção e declínio cognitivo. Como o adulto educador pode identificar comportamentos potencialmente apodrecedores do cérebro e, assim, modelar pelo exemplo e orientar os comportamentos de crianças e adolescentes?

Como em qualquer processo de melhoria de hábitos, o primeiro passo é reconhecer os comportamentos observáveis que desejamos alterar.

A seguir, apresento alguns tipos de “comportamentos brain rot“, de acordo com o Newport Institute, centro americano de pesquisa em saúde mental:

Videogames: os jogos em si não são necessariamente um indicativo de dependência. No entanto, a fixação excessiva em jogos, a ponto de comprometer outras formas de interação social ou contato com o meio ambiente, tem alto potencial de apodrecer o cérebro humano.

  Rolagem zumbi: esse comportamento de “podridão cerebral” refere-se ao hábito de rolar telas sem propósito ou benefício, de forma automática e sem pensar. Se você já se pegou ou viu algum adolescente rolando telas no “piloto automático”, cuidado. O cérebro pode estar em processo de apodrecimento, especialmente se esse hábito for rotineiro.

Doomscrolling: o doomscrolling envolve a busca por informações perturbadoras e notícias negativas. Quem não conhece aquela pessoa que sempre traz notícias ruins, muitas vezes checadas de forma superficial no X (antigo Twitter), Instagram ou outra rede social? Como os humanos tendem a priorizar notícias negativas, abre-se uma janela para um círculo vicioso de informações nocivas à saúde mental. O cérebro de quem pratica doomscrolling está em constante modo de luta ou fuga, inundado de adrenalina e com baixa capacidade de expansão cognitiva e relações sociais saudáveis.

Vício em redes sociais: esse vício é caracterizado por um impulso persistente de verificar as redes e por um sentimento de inquietação ao tentar romper o hábito. Um novo termo, FOMO (fear of missing out), descreve um dos sintomas de pessoas viciadas em redes sociais: o medo de perder atualizações e eventos. Esse temor leva a checagens constantes, resultando em confusão mental, baixa atenção e declínio cognitivo. Como se aprofundar em algo com um comportamento assim?

Como podemos prevenir o brain rot?

Algumas dicas simples podem ajudar a evitar o apodrecimento de nossos cérebros e o de nossos filhos:

Defina limites para o tempo de tela: como as telas podem viciar, definir limites é essencial. Use aplicativos que monitoram o tempo de uso, exclua aplicativos com alto potencial de distração e evite telas perto do horário de dormir. Observe como seu corpo e mente respondem a uma rotina mais offline.

Selecione seus feeds: em tempos de inteligência artificial generativa, o risco de aprisionamento em bolhas é alto. Diversifique suas fontes de mídia para ter uma perspectiva mais equilibrada do mundo. Deixe de seguir contas que fomentam raiva ou ansiedade e substitua-as por aquelas que inspirem e elevem você. Seu cérebro irá agradecer, e conexões neurais mais saudáveis germinarão.

Busque interesses não digitais: pratique esportes, cozinhe, ouça música, dance, cante, passeie com seu cachorro ou jante com a família sem interrupções de telas. Converse com quem você ama. Seja voluntário em algo relevante para você. Medite. Leia um livro. Permita-se o tédio – ele é importante para abrir portas à criatividade e à inovação.

Fortaleça sua mente: a mente é como um músculo. Precisa se exercitar para se manter forte e saudável. Por isso, ao invés de rolar telas, aprenda um novo idioma, esporte ou instrumento musical. Faça novas amizades, inicie a leitura de um livro que você está “querendo ler” há algum tempo mas nunca “tem tempo” para ler. Escreva um diário, um texto para uma coluna, para sua família ou para seus colegas de trabalho. Viaje e explore os lugares novos, com muita contemplação e tempo livre. Não precisa postar tudo…

Em 2024, talvez mais do que em 1854, os estímulos para permanecermos na superficialidade são mais numerosos e variados. Contudo, temos acesso a muito mais informações de qualidade que podem nos reconectar à nossa essência humana. Podemos buscar nosso Walden a qualquer momento e viver uma vida mais simples, sustentável e significativa. Assim, daremos um pump à saúde de nossos cérebros e ao nosso bem-estar geral.

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Cristiano Carvalho

CEO da Escola Americana de Vitória. Educador há mais de 30 anos, professor de Inglês com especialização em linguística aplicada. Coordenou projetos bilíngues e de educação internacional em escolas de educação básica, construindo e gerindo currículos e equipes docentes.