Tocar de ouvido e ler partitura: modelos de aprendizado musical
A sala de aula é um ambiente plural e diverso de personalidades. Reconhecer os diferentes padrões de comportamento e de aprendizado em um grupo faz parte do trabalho do professor.
Ano vai, ano vem, as novas turmas de estudantes são compostas por aqueles mais estudiosos, os mais sociais, os mais quietinhos, os atletas, os desinteressados, os desafiadores, os perfeccionistas, dentre tantos outros que na verdade enriquecem o ambiente de aprendizado, criando oportunidades para o educador adaptar sua abordagem de ensino.
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Essa lista é certamente limitada e descreve traços de superfície que não devem ser tomados como estereótipos.
Mas a partir dessa introdução trago para nossa reflexão semanal dois modelos gerais de aprendizado muito presentes no universo do ensino musical e que dizem bastante sobre nossos modos de aprender: tocar de ouvido e ler partitura.
Comparando “tocar de ouvido” e “ler partitura” na educação musical
Imagine uma turma com cerca de 20 alunos onde será tratada a teoria e a percepção musical.
Nessa turma, existem aqueles que “tocam de ouvido” mas ficam muitas vezes bloqueados diante de uma partitura, e aqueles que “lêem partituras” com muita facilidade, mas ficam paralisados quando são demandados a criar música extemporaneamente.
Naturalmente, há também aqueles que são mais desenvoltos nos dois aspectos, mas dificilmente passam de 2 ou 3 nesse conjunto.
De forma muito simplificada e sintética:
- “Tocar de ouvido” nos remete ao sentido tátil (tocar) e auditivo (ouvido), enquanto
- “Ler uma partitura” nos remete ao sentido visual e à decodificação de símbolos musicais e sua gramática.
Daí, é possível falar de dois tipos gerais de cognição musical: uma cognição audiotátil e uma cognição visual.
Complexidade das habilidades musicais
A habilidade de tocar de ouvido é tão complexa quanto a habilidade de leitura de partitura. São como sistemas operacionais distintos, de computador, que executam funções semelhantes a partir de suas próprias rotinas internas.
Quem toca de ouvido consegue intuir gestos de uma totalidade e executá-los com precisão a partir da escuta.
É como um mestre de escola de samba que mostra uma virada complexa no Tarol ou no Tamborim, e de imediato o aprendiz realiza a virada inteira, imitando e incorporando os gestos em sua quase totalidade e reproduzindo boa parte da sonoridade com elevado grau de precisão a partir de uma “atitude audiotátil”.
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Um riff de guitarra, de rock por exemplo, para ser executado, demanda uma percepção que vai muito além das notas que fazem parte do acorde tocado.
Mais importante é o complexo de gestos e a força adequada para reproduzir a atitude representada no riff, inclusive as regulagens de amplificadores e efeitos de distorção necessários.
Em suma, envolve apreender através do ouvido a partir do som, o todo, o complexo, (o riff, a sonoridade, a pressão sonora, a atitude) e executá-lo em um gesto que envolve uma inteligência do corpo.
Quem lê partitura, por sua vez, consegue conectar partes segmentadas e codificadas (as notas e os tempos da notação musical) e estruturar o todo a partir dos segmentos.
Aplicação dos modelos cognitivos na educação
Em suma, uma habilidade parte do todo para as partes; e a outra das partes para o todo. No universo da Educação e dos estudos sobre a cognição sabe-se o valor do conhecimento das propriedades dessas habilidades para o desenvolvimento pleno do estudante.
Na sequência dessa série, pretendo trazer outras conexões desses modelos de percepção musical com processos já conhecidos no campo das ciências cognitivas, como os processos top-down (de cima para baixo) e bottom-up (de baixo para cima).
Viva a educação! Viva a música!