Uma risada mais alta que a minha: lições do meu avô
Quando eu era criança, nas minhas férias, eu acordava muito cedo para aproveitar a “roça”, os animais, o rio, as frutas no pé. E diariamente ouvia minha vó perguntar ao meu vô: “já fez sua reza hoje?”, ele respondia algo que demorei muito para entender: “Já sim, o ouvi agorinha” ou então “ainda não o ouvi hoje, pera lá que eu escutarei!”
Meu avô era um homem direto, ativo e muito franco. Aquele entendimento – que só ele tinha – que cumprira sua “obrigação diária” se tivesse “ouvido a Deus”, se chocava com tudo que eu sabia sobre orações.
Minha vó, as pessoas das igrejas e até na escola, todos haviam me levado a crer que “rezar” era também um jeito de dizer “orar” e que as duas coisas eram uma fala, uma súplica, uma gratidão ou um louvor dirigido a Deus ou a quem quiséssemos dirigir. Só meu vô rezava quando escutava, não quando falava. Isso na cabeça dele, claro.
Ainda bem que no meu último verão de “roça” esclareci o que meu vô ouvia e chamava de sua prece. Ele me explicou algo que ficou para mim arrumado assim:
“Não há quarto ou sala, descampado ou buraco, cômodo trancado ou igrejas abertas onde Deus não nos ache. Em qualquer lugar onde a luz da consciência humana brilha, ou seja, vendo um palavra escrita, ouvindo uma sinfonia tocando, experimentando um pão quentinho, ou qualquer outra atividade humana quer seja pensar, contemplar, raciocinar, emocionar-se ou exercitar-se, enfim… onde há o brilho da consciência… ali Deus fala conosco.” Disse vovô.
“Deus nos acha antes de acharmos Ele, sempre antes. Quando eu presto atenção e vejo Deus vendo o que eu estou vendo, sabendo o que eu estou sentindo, quando eu vejo que Ele ver… aí eu escuto. Tudo que penso e sinto se torna, então, um jeito dele falar comigo… e eu gosto dessas horas… escuto e me sinto calmo. Sem pressa volto a minha distração de viver, mas vou tranquilo… vivendo eu comigo… até que resolvo rezar de novo… aí é escutar de novo… Quer saber? Deus não cansa de mim! Posso resolver escutar quando quiser… Ele vai estar lá falando sem parar para eu ouvir. Deus nunca se atrasa ou se desimporta. Deus não abandona ou esquece de perguntar. Sente rente… na horinha mesmo das coisas. Eu já não sou de conversa muito longas com Ele, nem com ninguém, até porque me distraio de viver… mas acho bom Ele nunca se afastar, tá sempre onde escuto, basta eu escutar… Eu gosto mais quando eu rio no comecinho de tentar escutar Ele… rio porque penso assim: o danado não desiste de mim… e rio… e Ele ri disso mais alto que eu.”
Esse pensar do meu vô foi o que ficou para mim, mais bonito dele.
Nestes anos seguintes, na minha vida na cidade, eu me esqueço frequentemente dessa relação que meu vô me fez ter com Deus.
Naquele dia eu escutei Deus dizendo aquelas coisas para mim na boca do vô. E acho que eu devia também escutar sempre… mas não se passa assim.
Hoje em dia, quando eu vou de ter vergonha de ter esquecido Dele ou duvidado de como seria bom ouvi-Lo… logo logo quando começa a sessão-culpa de não ter orado… ou não ter sido grato… blá-blá-blá… nestas horas escuto uma risada mais alta que a minha.
Escuto Deus rindo solto, achando graça e todo feliz de ver que O escuto na alegria! Aí rio também pensando que meu avô usufruía de ter Deus para si e me deu esse presente de memória!
Para 2025, eu me fiz uma promessa: escutar mais vezes… quando quiser abraço, abraçar… quando quiser força, dançar minha música favorita… quando quiser ter voz, cantar a canção de meu coração…
Queria mesmo é que vovô e vovó soubessem que eu saí da roça… mas que a roça… a roça nunca saiu de mim… e lá quando em torno da mesa ou da fogueira as pessoas riem… tem sempre Uma risada a mais… ela é contente mais alto que as outras… Deus ri solto entre os homens simples… eu ouvi!
Dialetos, criptogramas, IAs, códigos e identificação facial pra lá e para cá sempre me deixam mais surdo. Já reparei que paro de escutar ou escuto menos, não sei, quanto mais na cidade estou e civilizado quero me parecer.
Quando leio… às vezes escuto. E depois de escutar já não cessa mais a voz de Deus em tudo… velho e engraçado, protetor e benevolente como vô… Escutou agora? Acabei de escutar ele rindo… É ano novo… ao som do universo que dança e brinca de onda-e-partícula…