Você sabe para que serve a escola? Entenda

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Larissa O’Hara

Muito se fala sobre as funções da escola, e sabemos que suas finalidades foram se modificando ao longo do tempo.

Hoje, entende-se que a escola serve para a formação intelectual dos estudantes, para seu desenvolvimento social, físico e mental, para a preparação para o mercado de trabalho, para a formação da cidadania e dos valores éticos das crianças e dos jovens.

Percepção do aluno sobre a escola

Esses dias, uma colega professora, na posição de coordenadora escolar, me contou que havia feito uma pergunta a um “aluno-problema”, durante uma conversa na sala da coordenação: “O que você vem fazer na escola?” Ele respondeu: “Comer, estudar um pouquinho e fazer bagunça”.

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Nós trabalhamos em uma escola da periferia de Vitória-ES. Enfrentamos os dilemas da escola pública brasileira todos os dias.

Ao ouvir a sinceridade do estudante, relatada a partir da observação da minha colega, achei fantástica a clareza com que ele expressou suas razões para vir à escola.

Também fiquei pensativa, porque a serventia do espaço escolar para ele fugia bastante do que lemos nos livros teóricos de pedagogia.

Escola como espaço de atendimento de necessidades sociais

Acredito que a resposta dele seja cirúrgica para resumirmos de forma metafórica a função da escola pública nas últimas décadas:

“Comer” evidencia o problema da fome, da desigualdade social, da necessidade nutricional das crianças e dos adolescentes e da dificuldade rotineira de seus responsáveis em prover a alimentação adequada, por falta de recursos ou por falta de tempo, já que fazem parte da classe trabalhadora, que vive nos “corres” da vida.

O papel do ensino e da aprendizagem na escola

“Estudar um pouquinho” demonstra que o aluno compreende bem o papel escolar do ensino-aprendizagem, reconhecendo a necessidade de estudar, mas dando limites a essa ação.

“Um pouquinho” indica que ele não quer passar todo o tempo estudando, pois há muitas outras experiências a serem vividas na escola. O diminutivo, com seu tom cômico e jovial, reflete a essência do próprio aluno, capturando sua visão leve e espontânea da vida escolar.

Importância do lúdico e da criatividade na formação

“Fazer bagunça” evoca a essência da infância, trazendo à tona a brincadeira e o lúdico. A ludicidade é vital no universo pedagógico, afinal, são ainda crianças ávidas por brincar.

Mais que isso, o substantivo carrega um sentido subversivo, representando aquilo que desafia os limites impostos pelos adultos e pelas instituições, como a escola. Movida pela força do desejo, a criança transcende as normas, encontrando sua própria forma de existir na criatividade.

Visão crítica sobre a repressão do desejo na escola

Félix Guattari, em seu livro “Revolução Molecular: Pulsações Políticas do Desejo” (1987), argumenta que, na escola, é comum reprimir a criança por se desviar do tema.

Há uma exigência constante de manter o foco no assunto, mas o desejo, por sua natureza, tende a se desviar e derivar.

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Existe muito desejo nessas crianças, e precisamos estar atentos às suas falas. Podemos construir juntamente com elas uma nova compreensão do seu próprio texto, ou melhor, acessar o subtexto presente em qualquer ato de fala.

Se me perguntarem para que serve a escola, direi que uma vez ouvi de uma professora, que ouviu de um aluno, que a escola serve para “comer, estudar um pouquinho e fazer bagunça”. Não há resposta teórica ou acadêmica que se compare a essa.

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Larissa O’Hara

Graduada, mestra e doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Possui especialização em Revisão de Texto e em Psicopedagogia. Trabalha como professora há mais de quinze anos, tendo atuado em diversas instituições. Já acompanhou o desenvolvimento de centenas de alunos em aulas ministradas em seu curso de redação. Publicou variados livros. Atualmente, é professora efetiva na rede estadual de ensino do Espírito Santo.