Em setembro de 2024, a Nicarágua deu mais um passo na escalada autoritária ao aprovar uma nova legislação que prevê a prisão para aqueles que criticarem o governo nas redes sociais[1]. Denominada popularmente como “Lei da Mordaça[2]“, essa medida representa um ataque frontal à liberdade de expressão, ao consolidar a repressão estatal contra os opositores. Do mesmo modo, a aprovação dessa lei lança luz sobre os perigos crescentes de uma regulação estatal das plataformas digitais, uma questão que vem sendo discutida continuamente em terras brasileiras.
Desde a chegada de Daniel Ortega ao poder, a Nicarágua tem vivenciado uma série de retrocessos no campo dos direitos individuais e das liberdades civis. A nova legislação aprovada pelo parlamento nicaraguense, controlado pelo partido de Ortega, estabelece penas de prisão para qualquer cidadão que publique conteúdo crítico ao governo em plataformas como Facebook, X e Instagram. As penas variam de um a cinco anos de reclusão, dependendo da gravidade da “ofensa” e da suposta “periculosidade” das publicações.
Esse movimento é parte de um esforço mais amplo do governo de Ortega para silenciar jornalistas, ativistas e opositores políticos, que, há anos, enfrentam perseguição por parte do governo. Desde a onda de protestos de 2018, o regime nicaraguense tem intensificado a repressão à liberdade de imprensa, fechando veículos independentes e promovendo o exílio forçado de diversos jornalistas e figuras públicas. Agora, com essa nova lei, o governo transfere a repressão para o campo digital, com o objetivo de neutralizar o que resta da oposição online.
A aprovação da Lei da Mordaça é também uma tentativa de calar a crescente insatisfação popular com as políticas do governo, em um momento em que o país enfrenta uma crise econômica, denúncias de corrupção e falta de serviços públicos essenciais. Ao proibir críticas online, o governo busca controlar a narrativa e impedir que a oposição use as redes sociais para organizar manifestações ou para expor abusos. Essa busca nos remete à famosa frase da obra-prima de Orwell: “Quem controla o passado controla o futuro: quem controla o presente, controla o passado”.
Embora as redes sociais tenham se consolidado como espaços de debate e engajamento político, elas também passaram a ser vistas como uma ameaça por governos com tendências autoritárias. O caso da Nicarágua é um exemplo claro de como a regulação excessiva e mal-intencionada dessas plataformas pode se tornar uma arma de repressão. A justificativa apresentada pelo governo de Ortega é a de que a nova lei seria uma resposta ao que chamam de “fake news” e “desinformação”.
No entanto, ao observar o teor dessa legislação, fica claro que a intenção real é sufocar qualquer discurso que não seja favorável ao regime. O conceito de “fake news” torna-se, assim, um rótulo conveniente para deslegitimar toda crítica ao governo, enquanto o controle sobre o que pode ou não ser dito nas redes sociais se transforma em uma ferramenta eficaz para garantir a manutenção do poder.
O risco dessa prática vai além da Nicarágua. O controle estatal das redes sociais é uma tendência que pode facilmente se espalhar por outras nações, especialmente em tempos de crescente polarização política e desinformação. A regulação das plataformas digitais carrega consigo o risco inerente de ser pervertida em um mecanismo de vigilância e controle, minando as liberdades individuais dos cidadãos.
A liberdade de expressão nas redes sociais, uma conquista recente das sociedades modernas, está sob ameaça constante, principalmente por governos que temem o poder das massas e da opinião pública organizada. Plataformas como o X, o Facebook e o Instagram permitiram a democratização da comunicação, dando voz a pessoas comuns e proporcionando uma ferramenta para a denúncia de injustiças e a mobilização popular.
Ao controlar o que pode ou não ser dito nesses espaços, governos estão, na verdade, em busca de um retorno a um modelo em que o Estado detém o monopólio da informação e a verdade oficial é imposta à população. A aprovação da Lei da Mordaça na Nicarágua, se não for combatida, pode estabelecer um perigoso precedente para outros regimes que compartilham desse mesmo desejo de silenciar a oposição.
A aprovação da mencionada lei também levanta a questão de como as grandes empresas de tecnologia devem se posicionar diante de legislações que claramente violam os princípios da liberdade de expressão. Plataformas como Facebook e X têm se tornado cada vez mais influentes na vida pública, e sua responsabilidade diante da censura governamental cresce à medida que governos autoritários se esforçam para controlar a narrativa online.
No caso da Nicarágua, a censura imposta pelo governo é apenas mais um passo na consolidação de um regime ditatorial, que utiliza todas as ferramentas à sua disposição para se perpetuar no poder. É essencial que a comunidade internacional e cada um de nós esteja atento aos desenvolvimentos na Nicarágua e denuncie esse ataque à liberdade de expressão.
O mundo não pode assistir passivamente ao avanço de regimes que utilizam a regulação digital como arma de repressão, sob o risco de que essas práticas se espalhem e comprometam a própria noção de liberdade nas sociedades contemporâneas. O direito de criticar o governo é um dos pilares da democracia, e sua supressão, mesmo que justificada sob a premissa de combater a desinformação, abre um precedente perigoso. A liberdade de expressão deve ser defendida, não apenas em palavras, mas em também por meio de ações.
[1] https://istoe.com.br/nicaragua-aprova-lei-de-crimes-ciberneticos-criticada-por-opositores/
[2] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/09/11/nicaragua-aprova-prisao-para-quem-criticar-o-governo-nas-redes-sociais-lei-da-mordaca.ghtml