Artigo escrito por Luciene Pessotti, arquiteta, urbanista e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Arquitetura.
A construção dos espaços urbanos, marcada por uma organização sociocultural predominantemente masculina, foi organizada ao longo da história de forma excludente na perspectiva da condição feminina.
Na contemporaneidade, o desafio é projetar cidades e espaços sem gênero e a prevalência da ordem patriarcal. Um local de todos e todas em igualdade.
Urbanismo feminista: dificuldades diárias
Há vários exemplos sobre as dificuldades que as mulheres enfrentam na cidade, desde a falta de iluminação adequada até vias vazias em pontos de transporte público, o medo de caminhar à noite em uma rua escura ou passar por um local sem movimento é constante na vida das mulheres.
Diante dessa realidade, surge o conceito de urbanismo feminista, uma abordagem que busca reimaginar os espaços urbanos de modo a promover a segurança, o bem-estar e a equidade.
É fundamental que as cidades sejam projetadas com a intenção de reconhecer as diferenças e as escolhas de identidade das pessoas, permitindo o pertencimento e criando laços entre os grupos sociais.
Necessário romper com estruturas hierárquicas machistas
Para isso, é necessário romper com as estruturas hierárquicas machistas que ainda moldam o ambiente urbano, influenciando tanto a educação quanto a cultura.
Exemplos internacionais mostram que é possível repensar as cidades a partir de uma ótica mais inclusiva e sensível às questões de gênero.
Em Viena, na Áustria, foi desenvolvido um projeto habitacional inovador que prioriza a segurança das mulheres nas ruas, por meio do conceito de “vigilância passiva”.
As varandas e janelas dos edifícios foram projetadas de forma a permitir que as residentes observem as ruas, criando um ambiente de visibilidade constante e reduzindo os pontos de risco.
No México, um exemplo de melhoria na iluminação pública
Na Cidade do México, o programa Caminhos Seguros também traz soluções eficazes, como a ampliação da iluminação pública, instalação de câmeras de segurança e botões de emergência, tudo visando incentivar o uso dos espaços públicos e prevenir a criminalidade.
Pensar os espaços da cidade, as ruas, as praças, e os da casa, com suas aberturas, janelas, locais de convivência, deve afirmar a experiência e o reconhecimento das diferenças, e até, eventualmente, da identidade escolhida e construída.
Tal perspectiva possibilitaria uma empatia autêntica, o pertencimento e vinculação a diferentes grupos sociais respeitando escolhas e criando sintonias.
Violência em espaços públicos e privados é alarmante
No Brasil, a violência contra as mulheres, tanto em espaços públicos quanto privados, é alarmante.
Em resposta, o governo do Estado do Espírito Santo lançou o programa “Não é Não – Todos os dias, em todos os lugares”, que visa conscientizar a população sobre a segurança das mulheres.
Este é apenas um exemplo de como as políticas públicas podem começar a transformar a realidade das mulheres no espaço urbano.
É preciso eliminar a invisibilidade das mulheres, não só individualmente, mas também como profissionais, mesmo porque trazemos uma perspectiva valiosa em incontáveis debates, principalmente quando se trata de segurança de gênero.
Inúmeras arquitetas e urbanistas tiveram suas produções acadêmicas invisibilizadas.
Cita-se a importância de uma das maiores colaborações no âmbito da segurança das cidades, a obra “Morte e vida nas grandes cidades”, escrito pela ativista política e escritora Jane Jacobs.
Planejamento urbano integrado e humanizado
A luta de Jane Jacobs e seu legado ainda ecoam. É preciso refletir o planejamento urbano de forma mais integrada e humanizada, contra o antigo planejamento tecnocrático, autoritário e arbitrário.
A tarefa imprescindível para o terceiro milênio é a reformulação das cidades numa perspectiva mais humana e justa, e para tanto, elaborar o planejamento urbano de proximidade e acolhimento, em especial, para a dimensão do feminino.
O urbanismo feminista é uma chave essencial para essa transformação.