Pasmem: o “futuro” já chegou…
Que os Robôs já se encontram entre nós não há dúvida alguma, no entanto, é necessário refletir a respeito de quanto e onde precisamos deles.
Deu na mídia: Um retrato do matemático inglês Alan Turing, criado por Ai-Da, a primeira robô humanoide artista, foi arrematado num leilão da Sotheby’s Digital Art Sale por US$ 1,08 milhão, equivalente a R$ 6,15 milhões.
A obra, intitulado “A.I. God” com 2,2 metros de altura superou as expectativas de preços estimados para o leilão, mas, como diz o ditado popular: o mundo está tão confuso que se cercar vira hospício e se cobrir vira circo, então, não há nada de novo.
As I.As. dedicadas à Arte Visual que vem invadindo os ambientes e plataformas digitais recorrem ao poder de apropriação e replicação de dados e informações sobre Obras de Arte para gerar imagens à semelhança delas, mas a Ai-Da adota um caminho alternativo: investe na elaboração de obras “originais” pelas suas próprias “mãos” ou seriam garras?
Consta que o Projeto Robô Ai-Da foi idealizado em 2017 por Aidan Meller e Lucy Seal como uma artista robô e foi construída pela Engineered Arts com o auxílio de programadores, historiadores da arte, artistas, psicólogos e profissionais da robótica. Seu braço de desenho robótico foi projetado e programado por Salah El Abd e Ziad Abass. O rosto foi desenhado pela pesquisadora Lucy Seal, o artista digital Alex Kafoussias e o designer 3D Tim Milward. Atua a partir de algoritmos de IA criados por cientistas da Universidade de Oxford que produzem coordenadas para o seu braço. O seu nome, embora pareça uma corruptela de Aidan, diz ser uma homenagem à cientista Ada Lovelance, escritora e matemática, pioneira em informática que atuou no século XIX em projetos propostos pelo matemático e engenheiro Charles Babbage.
Aqui Ai-Da em seu ambiente de trabalho. De acordo com Aidan Meller, a obra destaca a relação da sociedade com a tecnologia e ressalta uma longa tradição de arte que reflete a mudança social, segundo o que foi divulgado pela casa leiloeira Sotheby’s, responsável pela venda milionária.
Mas como diz o neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis, a I.A.: não é inteligente nem artificial. Esta fala se torna cada vez mais perceptível e inteligível na medida em que a tendência de integrar programas, rotinas, equipamentos ao ambiente e próteses à humanidade, embora recorram à ideia de que as melhorias tecnológicas devem ser incorporadas à sociedade e aos seres humanos o fazem sem reflexões ou restrições. Os conceitos de Cyborgs – cyber(netics) organism – “organismo cibernético”, Humanóides, Andróides ou Autômatos se referem a Robôs, simulacros, que incorporam partes, imitam ou sugerem a aparência humana.
Este projeto não está muito distante de outros projetos semelhantes como os inventores dos primeiros autômatos conhecidos criados por Pierre Jaquet-Droz e Jean Henri Nicholas Maillard a partir do século XVIII. Naquela época eram aparelhos mecânicos movidos por molas e engrenagens à semelhança de relógios, atualmente possuem circuitos elétricos, eletrônicos, placas digitais e programas, no entanto, continuam não “pensando” por conta própria. Não são capazes de raciocinar, deduzir, induzir ou empreender ações ou ter comportamentos humanos, são apenas programados para simular isto.
Não se pode ignorar que tais Robôs são computadores. Em geral podem ser configurados como máquinas, aparelhos ou equipamentos -Hardwares- que respondem a Programas -Softwares- que são instruções elaboradas por meio de algoritmos, códigos específicos, para executarem tarefas, ações ou funções programadas.
Não se pode ignorar também alguns preceitos básicos sobre a robótica. Em 1950, Isaac Asimov, lançou o livro “Eu Robô”, onde surgem as primeiras questões sobre Inteligência Artificial e sua formulação das Três Leis da Robótica: 1- um robô não pode ferir uma pessoa; 2- deve obedecer às ordens dos humanos; 3- deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores. Embora fosse um livro de ficção, não deixou de tocar nos perigos que interações não controladas entre humanos e máquinas, aparelhos ou atualmente os programas, mecanismos de busca, algoritmos de interação social entre outras possibilidades disponíveis pelos programas computacionais pudessem surgir, como as famigeradas Fake News que são capazes de “ferir” pessoas por meio de atos que provocam magoa, ofensa, tristeza, melindre, aflição, desagrado, incomodo e outros achaques morais e éticos que os atuais programas não entendem como danos.
Em 1956 surge o conceito que relaciona a questão da inteligência às maquinas no artigo do pesquisador inglês Alan Turing: “Computing Machinery and Intelligence”, compartilhado com outros pesquisadores como Herbert Simon, Allen Newell, John McCarthy e Marvin Minsky. A questão principal do artigo é: “As máquinas podem pensar?”. A pesquisa de Turing, aceita que, em teoria, um computador pode simular comportamentos, portanto, pode “agir como se estivesse pensando” é aqui que o jogo das simulações é revelado. As objeções que surgem a partir daí levam a mais descrença do que crença na capacidade de “pensamento de máquina”. A mais impactante delas vem da Objeção de Lady Lovelace afirmando que os computadores são incapazes de originalidade e que máquinas são incapazes de aprendizado independente. Neste caso, a objeção de Ada Lovelace, citada acima como homenageada pelo nome dado ao Robô, foi completamente ignorada no que diz respeito à “inteligência” da humanoide.
Por mais que os investimentos em máquinas humanizadas ou substitutas de seres humanos sejam incessantemente exploradas pela tecnologia, ainda não há uma solução eficiente que resolva isto, especialmente quando se trata de invenção e criatividade. Não há dúvidas que várias tarefas e funções podem ser atribuídas ou programadas para máquinas, no entanto, quando se trata de pensamento abstrato, cognitivo e criativo esbarram nas habilidades humanas que, até o momento, ainda são essenciais e necessárias. No meu ponto de vista a Arte é um dos domínios humanos que dificilmente será vencido pelas máquinas.
Pode-se iludir ou enganar o senso comum, já que há estratégias tecnológicas capazes de simular certos fazeres humanos, contudo, a bem da verdade e da realidade nua e crua, tais programas só enganam ou iludem quem não é capaz de fazer críticas ou analisar o contexto social, político ou econômico, é para ludibriar que tais artifícios são desenvolvidos.
Mas voltando as questões da Arte Visual a Robô Ai-Da não é nada mais do que o resultado da junção das tecnologias robóticas às tecnologias digitais generativas. Neste caso é um Robô que, supostamente, age por conta própria. Mero engano, é programada para buscar, selecionar e gerar informação a partir de dados já existentes no ambiente digital computacional em rede aprimorada, alimentada e “treinada” para realizar ações mecânicas específicas que imitam gestos humanos típicos do fazer artístico como desenhar, por exemplo.
É capaz de “ver” e produzir imagens, já que seus “olhos” possuem câmeras para captar informações do ambiente e processadores capazes de transformá-las em imagens usando seus braços e mãos robóticas. Mesmo assim, ainda recebe uma ajuda humana na conversão de tais imagens em “pinturas” ou “desenhos” e até mesmo em “esculturas”. Como se percebe, não é tão eficiente assim e a capacidade cognitiva ainda permanece sob a ordem do ser humano.
Seus inventores/criadores/geradores justificam sua criação com base na premissa de que o Robô é em si é uma Obra de Arte que evoca e coloca em questão uma relação triádica entre Arte, Tecnologia e Humanidade. Nesta linha de raciocínio, o Robô não é artista, nem substitui um ser humano com habilidades artísticas, mas apenas demonstra os limites atuais das relações desenvolvidas a partir desta trilogia. Para todo efeito, a Ai-Da é um Androide ou Ginoide -androide feminino- construído para realizar imagens a partir de programas alimentados por rotinas pré definidas pelos seus gestores, cuja programação é similar às que são criadas para imprimir imagens a laser ou plasmar objetos tridimensionais por prototipagem, injeção ou “impressão” 3D. Nada de novo no mundo robótico.
O que mais chama a atenção é justamente a aparência da Ginoide, ou seja, de um manequim configurado como uma mulher que se move, fala e realiza ações geradoras de imagens. Faz parte da índole humana, sentir-se atraída por algo que parece e age como gente, é quase um ato mágico. Este tipo de comportamento foi tratado por Franz Kafka no livro “Um médico rural”, de 1919. No conto “Um relatório para uma Academia”, no qual um macaco descreve a passagem de seu comportamento simiesco para humano por meio de adestramento e treinamento apontando o fato da atenção e prazer que os espectadores lhe dedicavam quanto imitava atitudes humanas em suas performances circenses.
A espetacularização promovida pelas novidades e recursos tecnológicos passou a ser uma nova atração por facilitar a criação de “efeitos de realidade” ou de “veridicção”, mas que não passam disso.
Contudo, o surgimento de novos recursos possibilitou a conversão do cotidiano em algo inusitado, este tem sido um meio formidável para a massificação, alienação e enriquecimento…
Pense nisto!