O artista conceitual dinamarquês Jens Haaning recebeu 76 mil euros do Museu Kunsten de Arte Moderna de Aalborg para realizar uma versão atualizada de suas obras, presentes no acervo daquele museu.
As obras solicitadas seriam uma nova versão das anteriores: “An Average Danish Annual Income” (Uma renda média anual dinamarquesa), e “Follow The Money” (Siga o Dinheiro), de 2007, que continham cédulas de euro para estimular uma reflexão sobre questões salariais na Austrália e Dinamarca:
Jens Haaning, “An Average Danish Annual Income”, 2007.
Contudo, por ocasião da Exposição programada pelo Museu, em 2021: “Work It Out ”, as obras entregues foram duas telas em branco intituladas “Take the Money and Run” (“Pegue o dinheiro e corra”).
Mesmo assim, as obras foram apresentadas na mostra entre 2021 e 2022. No entanto, o Museu resolveu processar o artista por quebra de contrato, já que nada havia nas telas que fizesse referência às obras anteriores, ou seja: “cadê os Euros?”
Haaning justificou que a obra se tratava exatamente disto: da apropriação do dinheiro alheio. Declarou que nas condições atuais muitas pessoas são obrigadas a trabalhar em condições precárias a troco de péssimos salários. As obras tratavam desta questão, da apropriação e exploração do trabalho alheio.
De qualquer modo, a administração do museu manteve o processo e, em 2023, o artista foi condenado a devolver o dinheiro recebido, segunde eles, por empréstimo e não por pagamento.
Esta polêmica é bastante significativa pois toca na questão monetária e como os capitalistas dizem: “na parte mais vulnerável do ser humano”, por isto informações como esta são um “prato cheio” para a mídia.
Escultura invisível?
Outro fato semelhante ocorreu em 2021, quando o artista italiano Salvatore Garau, vendeu uma obra “imaterial”: uma escultura “invisível” intitulada “Io Sono” (‘Eu Sou’) por US$ 18.300 no Art-Rite de Milão.
A obra consiste na delimitação de um espaço quadrangular de 1,5m por 1,5m, que pode ser demarcada onde o adquirente definir. Na visão conceitualista, segue a mesma lógica que serviu para a “Banana” de Cattelan, já tratada nesta coluna.
Acontecimentos como estes são cada vez mais comuns quando se considera a complexidade que a Arte Contemporânea vem assumindo ao longo dos anos. A Imaterialidade, em todas as suas vertentes possíveis, passa a ser um elemento de criação recorrente nos dias atuais. A corporeidade dos objetos já não importa tanto, é opcional.
O que, de fato, importa é o “vil metal”.
No entanto, num mundo em transformação, antes de pensar que este é um efeito deletério das proposições artísticas, é necessário refletir sobre o contexto da Arte Contemporânea.
A partir do momento em que a corporeidade das obras de arte deixou de ser uma de suas principais características, o apelo material não é mais um elemento significativo essencial para sua existência. No mundo atual a tecnologia possibilitou a passagem da materialidade para a virtualidade.
Arte e NFT, quem viver verá
Hoje em dia, as empresas dedicadas a criação e manutenção dos blockchains, romperam com a materialidade dos bens econômicos como objetos de valor, imóveis ou títulos nominais emitidos por instituições financeiras ou governamentais substituindo-os por cadeias de blocos digitais, os Blockchain: “documentos” digitais ou repositórios de dados que funcionam como “provas” de transações financeiras estáveis e imutáveis mantidas na rede mundial de computadores, por isto confiáveis e negociáveis.
As Criptomoedas ou tokens não fungíveis – NFTs, como os Bitcoins, são a prova disto. Se não houver um “colapso” no sistema digital em rede, este tipo de patrimônio é permanente e imutável, portanto, confiável.
Várias empresas e governos investem nesta ideia, a partir de 2025, no Brasil, o Banco Central criou o Drex, uma moeda digital em blockchain. Neste “mundo novo” de virtualidades e avatares a Arte também entrou. Há várias empresas dedicadas ao desenvolvimento de Obras de Arte nesta modalidade.
Neste mundo virtual e extraordinário uma obra de autoria de Beeple, um artista digital, nomeada “Everydays: The First 5000 Days”, uma colagem digital, foi leiloada pela Christie’s, por US$ 69,3 milhões tornando-se uma das primeiras obras mais caras já vendidas na categoria de NFT.
O comprador ao adquirir o NFT passa a ter o domínio sobre o arquivo digital da obra, contudo, a autoria continua pertencendo a Beeple.
Este arquivo digital funciona do mesmo modo do que um título ao portador, é uma nova modalidade de investimento e especulação financeira como as bitcoins.
Seguindo esta tendência as proposições artísticas podem ser realizadas tanto no mundo natural/real quanto virtual.
Não ser trata aqui de fazer apologia à materialidade ou à virtualidade, mas sim de mostrar que os caminhos trilhados pela Arte, ao longo do tempo, não excluem nem abominam as tendências contemporâneas.
Embora existam pessoas que, ainda hoje, têm dúvida a respeito da imaterialidade das obras de arte, isto é só preconceito e algo passageiro.
Quem viver, verá! Pense nisto…