Foto: Flávia Dalla Bernardina
Foto: Flávia Dalla Bernardina

Sempre esqueço como começa. Talvez porque o Carnaval não tenha fronteiras, ele chega e atravessa os dias, nos levando, nos amolecendo.

Mas há um instante em que me dou conta, e não é quando o primeiro tambor reverbera no peito, nem quando a purpurina insiste em ficar na pele: o Carnaval começa quando estou no meio, no meio da cidade, no meio da gambiarra, no meio das pessoas, no meio de mim.

Leia também: Sublimação na psicanálise: do conceito à arte

Costumo dizer que o Carnaval só faz sentido para os que estão dispostos a abandonar a ideia do que acham que são.

Não dá pra pisar na rua apegado às funções sociais que se ocupa na vida cotidiana. Perder-se para o comum, para o coletivo, para a fantasia é um exercício interessante de alargamento da percepção simbólica da vida.

Reencantar a existência

Luiz Antônio Simas que não só estuda, mas também vive o samba, o futebol, as religiões de matriz africana e o Carnaval, tem uma interessante reflexão ao se indagar: por que Carnaval? A resposta está numa postagem em sua conta no instagram (@luizantoniosimas):

Simbólica e materialmente oferecemos nossas individualidades em sacrifício nos carnavais. É como se a festa fosse ainda uma experiência de reencantamento de existências cotidianamente amesquinhadas pelo utilitarismo e pela financeirização completa da vida. A utilidade existencial e profunda do carnaval, deveria ser, a rigor, não ter utilidade alguma.

É nesse sentido que o carnaval e a arte se encontram, pois estão desincumbidos de cumprir qualquer função. Em essência não servem para nada e é nesse lugar que reivindicam a potência do que representam.

Para além da teoria

Sem querer teorizar o que precisa ser vivido – sim, só dá pra dizer sobre o Carnaval sentindo na carne – o filósofo Jorge deLarrosa, fortemente influenciado por Walter Benjamin, pensa a experiência no contexto contemporâneo.

Ele propõe um retorno à experiência como algo que nos atravessa e nos transforma, distanciando do simples acúmulo de informações.

Para ele, a experiência envolve um tempo diferente do tempo produtivo e pragmático da sociedade atual.

O conhecimento da experiência não se dá por um saber técnico ou operacional, mas por um envolvimento afetivo, sensível e reflexivo.

O Carnaval é isso, afeta, espeta, assusta, gargalha. É ritual no espaço público. Se há algum entendimento, ele só acontece depois, quando já fomos levados, quando o tempo vira corpo e o corpo vira rua.

Entre confetes pisados, meia arrastão rasgada, suor compartilhado e o batuque que não cessa, algo se desloca dentro de nós.

Nos dias que seguem fica a ressaca, a saudade e uma outra arquitetura da cidade e da vida, um pulso invisível que sustenta os dias comuns que estão por vir. Efêmero, inútil e brilhante, o meio do Carnaval é não ter meio.

Flávia Dalla Bernardina

Colunista

Advogada em Propriedade Intelectual. Mestre em Artes Visuais pela UFES. Curadora de arte. Diretora Artística na Galeria Matias Brotas. Membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/ES e da OAB Federal. Idealizadora do podcast Conversa com Artista. Pesquisadora das relações entre direito e arte, sobretudo no que tange à autoria.

Advogada em Propriedade Intelectual. Mestre em Artes Visuais pela UFES. Curadora de arte. Diretora Artística na Galeria Matias Brotas. Membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/ES e da OAB Federal. Idealizadora do podcast Conversa com Artista. Pesquisadora das relações entre direito e arte, sobretudo no que tange à autoria.